Na terça-feira, 19, foi celebrado, a nível nacional, o Dia do Índio. Entretanto, devido as inúmeras dificuldades enfrentadas por esse povo, o Cacique Isaías da Silva garante que neste ano não há o que comemorar.

Em um terreno localizado no bairro São Roque, próximo às margens da BR-470, pequenas casas, construídas de maneira muito simples, habita a Comunidade Indígena Sormãg de Bento Gonçalves. São 20 famílias, totalizando cerca de 80 pessoas – dessas 32 ainda são crianças. Por lá, a principal batalha dos integrantes é para oficializar a terra em que vivem, como sendo deles.

A aldeia, assim como toda e qualquer outra comunidade, tem uma liderança, responsável por organizar, ouvir e lutar pelas principais demandas. Lá, essa pessoa recebe a denominação de “cacique”. Portanto, quem recebeu a reportagem do Jornal Semanário para falar a respeito do Dia do Índio, foi Isaías da Silva, líder dos Sormãg.

Em 2014 esse grupo de indígenas chegou na cidade. Sem ter um lugar para se instalar, a prefeitura cedeu o que chamam de “terreno de passagem”, uma espécie de área, emprestada, para que tivessem um local para se abrigar – temporariamente – enquanto vendiam suas confecções. “A pactuação, na época, foi de que o município oferecesse um espaço, para que ficassem apenas enquanto tivessem a venda dos seus artesanatos e, depois, seguissem para a área que eles têm, destinada como assentamento indígena – e eles tem bastante terras destinada para esse fim, dentro do estado”, explica o secretário Municipal de Esportes e Desenvolvimento Social (Sedes), Eduardo Virissimo.

Comunidade Sormãg mora em terreno localizado no bairro São Roque

Entretanto, a comunidade acabou não migrando para outro destino, devido aos benefícios que encontraram na cidade. “Devido a Bento ser um local que recebe, acolhe, tem saúde, educação, bastante trabalho, eles acabaram ficando. Dentro disso, vieram as necessidades, porque esse local não era apropriado para assentamento e isso estava em legislação”, afirma o chefe da pasta.

Desde então, embora tenham apoio do município, a luta para que consigam oficializar o terreno como sendo deles, vem sendo travada. De acordo com o cacique Isaias, tem um processo tramitando, para resolver essa situação. “Como já estávamos vivendo em cima (da terra), ficou favorável para nós. Agora, tem os últimos processos que vão sair. Estou tentando ver com o município pra gente se organizar, ver como vamos fazer esse espaço, porque já estamos aqui. Essa semana vou tentar marcar uma reunião com o prefeito para conversar sobre isso. Quero perguntar quanto tempo vai demorar, junto com o Ministério Público Federal (MPF) e Funai, para tentar fazer essa terra como permanente”, afirma.

“Não estamos comemorando nada”, afirma cacique, sobre o Dia do Índio

Na terça-feira, 19, em todo território nacional, celebra-se o Dia do Índio. A data foi criada pelo ex-presidente Getúlio Vargas, por meio de um decreto, em 1943, com o objetivo de mostrar à população brasileira a importância do povo indígena, além de tentar valorizar diferentes práticas culturais.

Contudo, o líder dos Sormãg afirma que não há razões para comemorações, principalmente pelas consequências econômicas causadas pela pandemia do coronavírus. “Nesse Dia do Índio não estamos comemorando nada, porque a pandemia prejudicou bastante”, pondera.

Cacique Isaías

Inicialmente, a ideia era que o dia fosse diferente e não passasse “em branco”, sem nenhum tipo de atividade alusiva. “Teríamos um evento, com apresentação de danças da nossa cultura. É o único ano em que não estamos fazendo nada, devido a dificuldades financeiras. Antes, um pessoal nos ajudava a comemorar nosso dia, mas como parou tudo, acho que eles também não têm recursos para ajudar”, comenta.

Principal fonte de renda ainda é a venda de artesanato

Quem circula pelo Centro de Bento Gonçalves já deve ter observado pequenos grupos de índios, espalhados por alguns pontos, vendendo a arte que criam. Geralmente são mulheres, acompanhadas dos filhos, muitas vezes, ainda bebês de colo ou que recém estão dando os primeiros passos. É que, a principal fonte de renda, que ainda garante a sobrevivência dessas famílias, continua sendo a venda dos produtos que, manualmente, eles mesmo fazem.

Os homens também criam e vendem artesanato. Porém, muitos deles migram para outros serviços, a fim de aumentar o orçamento no final do mês. “Alguns estão empregados nas empresas e outros trabalham em colônia, ajudando a limpar parreiras, fazer poda, colheita, isso a gente faz todos os anos”, garante.

Em tempos de crise econômica, o cacique acrescenta que não está fácil viver apenas com o dinheiro da venda dos produtos artísticos. Além disso, conseguir recursos para a compra do material que é confeccionado, também é uma dificuldade. “Não está sendo fácil conseguir, mas estamos tentando fazer o possível”, assegura.

Conquista da escola própria

A escola mais próxima de onde os índios residem é o Colégio Estadual Dona Isabel, localizado no bairro Universitário. Portanto, é lá que as crianças e jovens indígenas, em idade escolar, estão matriculados.

Entretanto, em março, a comunidade celebrou a conquista de um colégio dentro da própria comunidade. “Essa escola a gente não ganhou de uma hora para outra, foi uma luta. Foram dois anos para tentar conseguir. Foi uma conquista”, comemora.

Comunidade conquistou uma escola para os alunos indígenas

A Estadual Sormãg de Bento Gonçalves recebeu esse nome justamente para homenagear a comunidade. Hoje, das 32 crianças, 20 estão estudando lá mesmo. Inicialmente, o espaço está atendendo alunos do Jardim ao 5° ano. Entretanto, a cada ano, uma nova série vai ser implementada, até chegar ao 9º ano.

O cacique destaca que essa batalha foi travada para dar segurança aos estudantes, que precisavam atravessar vias movimentadas e perigosas para ir estudar, já que eles não têm transporte escolar. “Os alunos iam a pé daqui até lá, tendo que atravessar três faixas. Agora os pais estão tranquilos”, afirma.

Como a comunidade é formada por índios, a escola é diferenciada. A professora Ângela Sales, indígena, também é integrante dos Sormãg. A respeito da nova atividade, ela destaca que está gostando bastante. “Está sendo uma experiência boa. Dou aula o dia inteiro, manhã e tarde. Pretendo continuar”, pondera.

Boa parceria com o município

Questionado sobre as principais demandas, Silva reforça que o maior desejo da comunidade é a conquista da documentação que oficializa a propriedade como sendo deles. “Precisamos desse terreno. Como só tem um processo parado, pedimos para o município, MPF e Funai fazer a documentação, porque precisamos disso. Já temos recursos para investir em cima desse espaço, mas precisamos da documentação”, salienta.

Ainda assim, ele acrescenta que as demais demandas solicitadas ao Poder Público costumam ser bem recebidas, já que há uma boa relação entre eles. “A parceria com o município é bem avançada, nos entendemos. Antigamente não era assim, um pedido na área da saúde era negado, na cultura também era difícil. Agora está dando certo”, reforça.

O secretário Virissimo confirma que o relacionamento entre Prefeitura e Comunidade Sormãg é boa. “A gente só não investe mais, primeiro porque a Funai, junto com o governo federal, tem autonomia para estarem ali, no local, ajudando. Também é importante entender que esse processo (de legalização do espaço) está andando desde 2021, para julgamento, para definir ou não essa área como um lugar de assentamento para os índios”, explica.

Virissimo garante que assim que houver uma definição legal, a situação deve melhorar. “A partir do momento em que isso estiver bem definido, a gente consegue, enquanto município, dentro da legislação, aumentar o amparo e fazer uma política pública adequada à vivência deles. Entretanto, mesmo não tendo isso, estamos sempre à disposição, não só na área da assistência, mas na saúde, educação, atendendo eles. Temos uma parceria bastante amigável entre municípios e os índios que estão ali”, finaliza.