Entre elas está a de relojoeiro, ofício que segue há gerações na família Milesi

Um relógio para consertar, uma tesoura, uma faca ou alicate de cutícula para afiar, quem nunca teve, ou não tem? Mas, para onde levar? A mesma dúvida paira sobre roupas para ajustar, calçados para reparar. A era da tecnologia e o consumismo fizeram com que muitas profissões extremamente valorizadas no passado deixassem de existir ou ficassem cada vez mais escassas.

Relojoeiro é uma delas. Afinal, os smartwatches, além de terem caído no gosto de inúmeras pessoas, acabam se tornando “descartáveis” a partir do surgimento de modelos mais atualizados e modernos, fazendo com que o reparo não seja tão necessário como no tempo dos relógios analógicos.

Mesmo com a aparente redução no volume de trabalho, no que diz respeito ao conserto de relógios, Airton Milesi carrega o ofício de relojoeiro no sangue. Desde 1923 a família é tradicional neste meio. “Tudo teve início com meu avô, em Farroupilha. Lá trabalhavam ele e seus filhos, dentre eles, meu pai Valdomiro A. Milesi. Após a 2ª Guerra Mundial, em 1948, meu pai decidiu vir morar em Bento e abrir uma relojoaria por conta. Meu irmão, Alberto Milesi (em memória) também seguiu a profissão até 2012. Sem a influência deles certamente não teria seguido essa profissão que exerço há cerca de 45 anos, desde a minha adolescência”, conta.


Sem a influência deles (avô e pai) certamente não teria seguido essa profissão que exerço há cerca de 45 anos, desde a minha adolescência
Airton Milesi
Relojoeiro

Milesi lembra que, quando iniciou na profissão, só existiam relógios mecânicos. “A manutenção era muito mais trabalhosa. Nas décadas de 70 e 80 surgiram os relógios a bateria, que no início eram caros e, ainda valia a pena realizar o reparo nos antigos. Com a evolução dessas máquinas, muitas vezes e, dependendo do problema, vale mais a pena realizar a troca completa do mecanismo”, explica.

Embora os novos modelos tenham surgido, Milesi afirma que a grande maioria das pessoas ainda opta pelo reparo dos relógios, tanto por apego sentimental quanto pelo valor material deles. “A maior parte dos relógios possui máquinas à bateria, que são descartáveis, ou que simplesmente vale mais à pena realizar a troca completa da máquina por uma nova do que consertar. Pelo fato do valor do relógio, essa troca acaba sendo muito válida. Vidros, pulseiras e fechos, entre outras partes, também são muito substituídos”, relata.

Ainda conforme o profissional, “antigamente a única forma de saber a hora em qualquer lugar era usando um relógio. Hoje não existe somente essa opção. Muitas pessoas ainda preferem ter o relógio no pulso a olhar no celular. Outras pessoas usam o relógio como acessório”.

Com relação às profissões raras, como relojoeiro, costureira, sapateiro, entre outras, que já estão ficando escassas atualmente, Milesi crê que poderão ter continuidade. “Muitas estão em extinção. A maioria delas era passada de pai para filho e, muitos dos filhos, decidiram seguir outros rumos. Talvez pela necessidade, algumas pessoas decidam retomar com essas atividades”, conclui.

A quarta geração

Surpreendentemente, Bruno Milesi, de 23 anos, filho de Airton, segue os passos do pai que mantém a profissão pela quarta geração. Ele afirma que a tradição familiar contou muito na hora da escolha. “Pensei em dar continuidade no ramo que está sendo passado de geração em geração. Gosto muito deste trabalho minucioso, dos detalhes e da complexidade que os relógios têm e exigem do profissional”, frisa.
O jovem acredita que o interesse pelas novas gerações pelo mercado de trabalho está cada vez mais complicado. “Em meio a tanta informação e distração, fica difícil conseguir focar ou decidir o que fazer. Falta ter um objetivo. A educação falha com salas de aula que mais parecem ‘botecos de esquina’. Muitas pessoas perderam completamente o valor das coisas”, lamenta.

Conforme ele, ver o pai trabalhando e a história da família foram essenciais para que continuasse no ofício, que acredita que terá continuidade. “A relojoaria não irá morrer, só irá seguir um rumo diferente. O relógio já não é mais essencial por necessidade há anos, e ainda é usado, muitas vezes apenas como acessório. Talvez daqui alguns anos não irá mais existir um simples relógio a pilha para ver as horas, mas os relógios mecânicos colecionáveis”, conclui.

A relojoaria não irá morrer, só irá seguir um rumo diferente
Bruno Milesi
Relojoeiro

No trabalho e no lazer

Além de relojoeiro, Airton Milesi foi piloto de competições de motociclismo até o ano de 1995. Hoje em dia ainda se diverte sobre duas rodas, na companhia do filho, da esposa Rosana e da nora Tifani. “Tenho essa paixão desde a adolescência. Competi por 10 anos no Campeonato Gaúcho de Regularidade e fui campeão em 1993, na minha categoria. Fiz o Independência três vezes. Era considerada a maior prova do Brasil na modalidade. Fui campeão em um ano na categoria Novatos em dupla com Álvaro Picolli”, recorda.

A paixão é reiterada pelo filho. “Desde que me conheço por gente, minha mãe sempre me levou nos lugares pra ver meu pai andar de moto. Meu pai, sempre que possível, me levava junto nas atividades relacionadas à organização das provas que o Trail Clube Bento Gonçalves (TCBG). Aos 14 anos ganhei minha primeira moto e, desde então, nunca deixei de pilotar, não para competir, mas pela paixão mesmo”, diz.

O legado do relojoeiro e as novas oportunidades

Relojoeiro é a nona profissão no ranking das escassas, que tem no topo revelador fotográfico, seguido de anestesista, carteiro, bibliotecário, piloto de avião, taxista, digitador e recrutador e, abaixo, na décima posição, telemarketing.

Com relação a relojoeiro, especificamente, segundo a Universidade de Oxford, com a popularização dos relógios digitais no final dos anos 80, a profissão começou a entrar em declínio. Esses profissionais começaram a ver o fluxo de demandas que costumavam ter cair vertiginosamente. Com isso, a oferta de relojoarias foi se tornando cada vez mais reduzida. Hoje, além dos relógios digitais de pulso, há muitas outras opções digitais para a conferência das horas, como celular, relógio do computador e até relógios digitais de rua. Com uma quantidade cada vez menor de usuários de relógios analógicos, a carreira de relojoeiro obteve o seu posto na nada cobiçável lista de profissões em extinção.

As profissões em extinção dão espaço para novos ramos de atividade, a grande maioria ligadas ao ramo da tecnologia da informação. Especialistas em Inteligência Artificial (AI) e Machine Learning, especialistas em sustentabilidade, analistas de business intelligence (BI), analistas de segurança da informação, engenheiros de fintech, analistas e cientistas de dados, engenheiros robóticos, especialistas em Big Data, operadores de equipamentos agrícolas e especialistas em transformação digital são profissões do futuro, segundo levantamento do relatório anual The Future of Jobs, publicado na Revista Exame.

Ainda conforme o relatório, algumas profissões devem desaparecer até o final de 2027, entre elas caixas de banco (e funcionários relacionados), funcionários dos Correios, operadores de caixa e cobradores, digitadores de dados, secretários administrativos e executivos, assistentes de registro de produtos e estoquistas, escriturários de contabilidade, gerentes de relacionamento, oficiais judiciários e vendedores porta a porta.

Origem do Dia do Trabalho

O Dia Mundial do Trabalho – ou Dia do Trabalhador – é celebrado em 1º de maio em vários países do mundo, data em que também é feriado no Brasil e em mais cerca de 80 países.

A data surgiu em Chicago, nos Estados Unidos, no ano de 1886. Na ocasião, milhares de trabalhadores entraram em greve, reivindicando melhores condições de trabalho, como a redução de jornada (de 13 horas para oito horas diárias), o aumento de salários, o descanso semanal e o direito a férias.

Denominada Revolta de Haymarket, durante o confronto com a polícia, uma bomba explodiu, resultando em mortos e inúmeros feridos. Diante do fato, em 1889, na França, foi instituído o Dia do Trabalho em homenagem às pessoas que perderam a vida lutando por seus direitos, que ficaram conhecidas como os Mártires de Maio.

EM 1925, durante o governo de Artur Bernardes, a data passou a ser comemorada no Brasil. Além das conquistas já elencadas na França, na Era Vargas foi dado mais um passo em direção a essas melhorias. No dia 1° de maio de 1940, Getúlio Vargas instituiu o salário-mínimo e, no mesmo dia, em 1941, foi criada a Justiça do Trabalho. Já em 1° de maio de 1943 foi anunciada a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).