Segundo dados do Cadastro Único, quase 200 pessoas encontraram no município um lar para construção de um futuro

Bento Gonçalves a cada ano se torna uma cidade de cores e culturas bem diversificadas. Desde a chegada dos primeiros haitianos, em 2010, senegaleses e, por último, os venezuelanos, já são 1.180 imigrantes – cadastrados em programas socias da cidade –, o que corresponde a quase 1% da população. O dado apresenta um aumento de 20% em comparação há um ano, quando era 984.

Entre as origens predominantes, as famílias emigram do Haiti (1.009), Venezuela (126), Paraguai (12), República Dominicana (8), Cuba (8) e outras 17 pessoas nascidas na Argentina, Uruguai, Peru, Guiana Francesa, Honduras, Guiné, Senegal, Tunísia e Itália.

Raquel Corina Figuera Rojas, 32 anos, é uma das venezuelanas que encontrou no município um recomeço. Ela, o marido, dois filhos, além dos pais, irmãos, cunhados e sobrinhos, chegaram ao solo brasileiro em 1º de janeiro deste ano. “Bento Gonçalves nos abriu as portas com muito amor e a todos os venezuelanos que aqui vivem. O mais difícil é aprender a língua, mas o amor e a paciência de cada brasileiro nos ajudaram a aprender”, relata.

Em seu país natal, Raquel atuava como professora de educação infantil. Hoje, trabalha na Igreja Assembleia de Deus. Ela diz não perceber nenhum tipo de preconceito. “Não, me sinto muito bem, o respeito e carinho das pessoas tem mostrado sua qualidade do ponto de vista humano”, enfatiza.

Atualmente, o templo cristão, por meio de voluntários, atende a comunidade venezuelana, bem como a haitiana, com doações de cestas básicas e roupas. “Desde que aqui chegamos, o apoio espiritual e material tem sido positivo para toda a família, o que nos permite estar totalmente confiantes neste momento”, menciona.

Raquel, de vestido azul, curte a família em um momento de lazer na cidade. Foto: Arquivo pessoal

Intolerância no Brasil

Nas últimas décadas, o debate sobre a mobilidade humana internacional assumiu um protagonismo evidente para a agenda política global. A onda de conflitos militares no Afeganistão, em virtude do movimento islâmico Talibã, tem trazido à tona o tema “xenofobia”, isto é, a demonstração de ódio ao estrangeiro, ao imigrante, com atitudes e comportamentos discriminatórios, um termo desconhecido pela maioria dos brasileiros.

No Brasil, a Lei n° 1.716/1989, artigo 1°, pontua que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. A pena é de um a três anos de reclusão e multa.

Segundo dados divulgados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) na 6ª edição do relatório “Refúgio em Números”, no ano de 2020, havia 57.099 pessoas refugiadas reconhecidas pelo Brasil. O país recebeu 28.899 solicitações de reconhecimento da condição de exilado. Dentre os solicitantes, as nacionalidades – ou que tinham o país como residência habitual –, mais representativas foram de venezuelanos (60%), haitianos (23%) e cubanos (5%).

As origens com maior número de pessoas reconhecidas, entre 2011 e 2020, é a Venezuela (46.412), seguida da Síria (3.594) e da República Democrática do Congo (1.050). Somente no ano passado, o país recebeu solicitações de pessoas provenientes de 113 países.

O sociólogo e cientista política da Universidade de Caxias do Sul (UCS), João Ignácio Pires Lucas, explica a diferença entre discriminação, preconceito e xenofobia. “Do ponto de vista penal existe uma diferença no âmbito da tipificação criminal e sociologicamente também. Discriminação é previsto criminalmente mais do que o preconceito que já seria algo comum. Depende de como se materializa, pode ser uma ação mais prejudicial, como perder uma oportunidade de emprego. O racismo, em termos de discriminação, é considerado como crime e se dá no âmbito nacional. A xenofobia é um conceito mais complexo. No caso, tem pontos em comuns, pois entendemos como uma relação de nós e dos outros, do ponto de vista internacional”. esclarece.

A xenofobia é um fenômeno que acompanha a história da humanidade, especialmente nas disputas de território e escravização. “A própria expressão ‘bárbaros’ era usada pelos gregos em relação aos não gregos, especialmente os persas. Isso perpassa as relações sociais em diferentes âmbitos e culturas. Se olharmos, hoje, as pesquisas internacionais que tentam medir a cultura política de diferentes nacionalidades, até podemos destacar o brasileiro e o estadunidense e a questão com os negros. Se compararmos, eles estão entre os menos preconceituosos, em vista do que acontece pelo mundo a fora”, aponta Lucas.

O sociólogo descreve que existem várias motivações para o preconceito de uma maneira mais difusa. Inicia quando barra na questão de mão de obra, principalmente quando há precarização de trabalho local. A exemplo dos países árabes que têm trabalhadores indianos e o Japão que possuem malaios e bengaleses. “Essas nações podem não ser necessariamente xenófobas, porém acabam, a partir do preconceito, piorando as condições de trabalho e social para essas populações”, observa.

Devido a isso, o Brasil, por ter surgido de maneira globalizada, segundo ele, tem uma maior tolerância em relação a essas outras populações. “Eventualmente, um afluxo de pessoas que vêm e que acabam, de alguma maneira, disputando o mercado de trabalho, é um estimulador de xenofobia, algo que acontece no mundo inteiro. Provavelmente, a população se solidariza, como no terremoto no Haiti ou problemas na África, por exemplo, quando são questões distantes. Agora, quando as pessoas migram e de repente disputam o mercado de trabalho, de alguma maneira ajudando a precarização dos trabalhadores nacionais, não tem população que não reclame”, argumenta.

Além disso, questões religiosas/culturais, como no caso de países no oriente médio, e também o próprio desenvolvimento da região em comparação com a origem daqueles que estão vindo, são outros impulsos para o racismo.