Causa de dores incapacitantes e até mesmo infertilidade, a patologia atinge cerca de oito milhões de brasileiras. Não existe cura, mas há tratamento, que garante boa qualidade de vida

A endometriose é uma doença ginecológica crônica, benigna, estrogênio-dependente e de natureza multifatorial que acomete principalmente mulheres em idade reprodutiva. Pode ser definida pela presença de tecido que se assemelha ao endométrio (camada interna do útero) fora do útero, com predomínio, mas não exclusivo, na pelve feminina.

A doença se manifesta em entre 5% e 10% da população feminina em idade reprodutiva, afetando cerca de oito milhões de brasileiras, segundo o Ministério da Saúde. A causa da endometriose ainda é tema de discussão e apresenta várias teorias baseadas em evidências clínicas e experimentais. Existem duas principais teorias: a da menstruação retrógrada e a genética.

Na hipótese da menstruação retrógrada, foi observado que 90% das mulheres apresentam líquido livre na pelve em época menstrual, sugerindo, assim, que certo grau de refluxo tubário ocorra. Então, células endometriais iriam se implantar no peritônio e nos demais órgãos pélvicos, iniciando, dessa forma, a doença. Os implantes ocorreriam pela influência de um ambiente hormonal favorável e de fatores imunológicos que não eliminariam essas células deste local.

Já na teoria genética, haveria predisposição ou alterações epigenéticas associadas a modificações no ambiente peritoneal. Fatores inflamatórios, imunológicos, hormonais e estresse oxidativo, poderiam iniciar a doença nas suas diversas formas.

Conforme Carolina Bettoni, ginecologista e obstetra do Hospital Tacchini, é de vital importância que o médico reconheça os principais sintomas e faça um bom exame físico da paciente. “Infelizmente, ainda hoje, a média de tempo estimada entre o início dos sintomas referidos pelas pacientes até o diagnóstico definitivo é de aproximadamente sete anos. A endometriose pode ser silenciosa, suas queixas dependem do local, quantidade e tamanho dos implantes celulares”, alerta.

A suspeita clínica associada ao exame físico traz a hipótese de endometriose, mas é necessária a utilização de ferramentas diagnósticas auxiliares. O ultrassom pélvico e transvaginal com preparo intestinal e a ressonância magnética com protocolos especializados são os principais métodos por imagem para detecção e estadiamento da endometriose. “Importante ressaltar que endometriose superficial é difícil de ser detectada nos exames de imagem. A videolaparoscopia tinha, no passado, papel no diagnóstico da doença. Porém, atualmente, com o avanço dos métodos por imagem, é indicada apenas a pacientes que apresentam exames normais e falha no tratamento clínico”, informa a médica.
A doença pode trazer prejuízos na qualidade de vida, tanto física, quanto psicológica. Quando sintomática, é um quadro que envolve muita dor e desconforto, e pode comprometer seriamente os órgãos atingidos. Na idade reprodutiva, há um aumento na taxa de problemas relacionados à fertilidade. Mesmo assim, há a possibilidade de se ter uma gestação. A questão da fertilidade depende de vários fatores como idade, reserva ovariana, estilo de vida, entre outros. Por isso a avaliação individualizada é importante.

Lívia Alexandre Susin, de 39 anos, é funcionária pública. Desde a sua primeira menstruação, com 12 anos, tinha fortes cólicas, muitas vezes até incapacitantes.

Lívia conta que em diversas situações precisou ir ao hospital para tomar medicação na veia, já que não aguentava as dores intensas. “Todo mês era um terror, já me preparava para sofrer. Depois de um tempo, comecei a tomar pílula anticoncepcional, que ajudou um pouco no desconforto”, relembra.

Ela chegou a passar por diversos médicos de diferentes especialidades, que até consideraram a possibilidade de Lívia ter outras doenças, como câncer. Após uma bateria de exames e consultas, foi dado o diagnóstico de endometriose. “Na época, tinha em torno de 20 anos e não sabia muito bem o que era esta doença. Também não tinha tanto acesso a informação como agora, então fui aprendendo a lidar conforme ia convivendo com a enfermidade. Tive dificuldade para engravidar durante anos, e depois de muitas tentativas, desisti. Hoje, tenho uma enteada que considero minha filha, as dores diminuíram bastante. Mesmo não tendo cura, minha qualidade de vida é outra, com o tratamento”, relata.

Hábitos saudáveis fazem diferença

A endometriose não tem cura, mas especialistas afirmam que alguns tratamentos, como a mudança do estilo de vida, podem ajudar a amenizar os sintomas. A prática de atividade física regular, acompanhamento psicológico, controle do peso corporal com alimentação saudável e a visita anual ao ginecologista são alguns fatores que evitam a doença, ou diminuem o incômodo de quem já é portadora.
O uso de hormônios para bloqueio ovulatório tem efetividade no tratamento da dor pélvica decorrente da endometriose. Estes podem ser administrados via oral, injetável, implantes subcutâneos, DIUs hormonais, transdérmico e anel vaginal. Os anti-inflamatórios não hormonais são frequentemente utilizados na dismenorreia primária, nos quadros de dor.

Há também algumas terapias complementares, que podem ser indicadas no seguimento das pacientes com endometriose sintomática, como acupuntura, fisioterapia do assoalho pélvico, psicoterapia e uso de analgésicos. O tratamento cirúrgico deve ser oferecido às pacientes em que o tratamento clínico for ineficaz ou contraindicado por alguma razão, assim como em situações específicas. O objetivo da cirurgia é a remoção completa de todos os focos de endometriose, restaurando a anatomia e preservando a função reprodutiva, preferencialmente devendo ser realizada por videolaparoscopia. “É fundamental avaliar outras causas de dor em mulheres já diagnosticadas com endometriose que não responderam ao tratamento clínico”, avalia a especialista.

Carolina informa que nem mesmo a menopausa cura a endometriose. Em cerca de 95% das mulheres, a queda da produção hormonal leva à atrofia dos focos de endometriose, levando ao controle natural dos sintomas. No entanto, os focos são formados por endométrio e fibrose, que não atrofia e nem desaparece. Esta fibrose remanescente pode tracionar estruturas e causar desconfortos.