Aprendi desde cedo que, no zero, cabe o Universo… ou o reverso do Universo… Ou seria o inverso?

Na minha infância, a palavra era totalmente obscena e fazia parte de um xingamento. Suavizado, é claro, porque o termo original tinha uma carga explosiva de amoralidade.

Depois, ao ingressar à escola, descobri outra faceta do zero: ele podia ser vermelho e ter um pacto com o “coisa ruim” quando tatuado nas sabatinas (hoje, provas, testes). O resultado eram surras homéricas.

Nos conflitos da adolescência, o zero ganhou dimensões dramáticas, ilustrando o estado de espírito num mundo vazio de significado. Aí o ego murchava feito bola furada e o zero tomava seu lugar de (des)honra, à esquerda.

Na vida adulta, o zero ganhou uma característica bipolar: passou a se alternar ora para um lado da vírgula, ora para outro, dependendo das oscilações da bolsa. Mas foi como trabalhadora que percebi a grandeza real do zero e dos sonhos que representava, e ainda representa, obviamente, que não está morto quem “peleia”.

Já o significado mais patético deste algarismo tem a ver com a percepção dualista do mundo: um grande, enorme, imenso zero perdido num Universo enigmático, insondável, infinito, e que então se encolhe em sua insignificância num pequeno, diminuto, nano zero que sequer tem valor absoluto.

Para não ser engolida pelos buracos negros da mente, o jeito foi aterrissar num terreno mais palpável, que me mostrou que tudo é muito relativo, inclusive o valor do zero. E que, dependendo do contexto, ele é indicativo do bem ou do mal. Zeros à direita destinados às necessidades do povo são bênçãos. Mas zeros à direita que alimentam a corrupção, se constituem em tragédia. E de “tragédias” somos “macacos velhos”. O Brasil, geograficamente fora da rota dos furacões, foi contemplado pela rota das colisões: saqueadores de um lado em colisão com saqueadores de outro, desde o seu descobrimento até os dias atuais, prometendo eternizar-se. Que remédio! Sendo isso tudo um círculo vicioso, voltamos à estaca zero.

 

“A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá.
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração” (C.Buarque)