Ontem encontrei um marceneiro pregando pedaços de madeira e quando um prego entortatava, ele o guardava em um balde. Não o jogava fora como muitos fazem. Aquilo me remeteu a uma história que gostaria de compartilhar com você, raro leitor.

Num fim de tarde em que parecia que o mundo fosse acabar, com o vento arrancando as telhas de barro do casarão e as levando para passear, como pedaços de pano, esbocei uma máquina de endireitar pregos. Pensei que o meu invento seria um sucesso estrondoso e com ele endireitaria meu destino.

Acho que você não junta ideia de quanto é perigoso endireitar pregos à martelada. Talvez você não tenha noção do horror de dedos rasgados e unhas perdidas no complicado processo de desentortar prego à martelada.

No meu Paredes e arredores, nada podia ser jogado fora. Sequer os sonhos de segunda mão eram descartados. Blusão ou outro agasalho era passado do irmão maior até chegar ao caçula e deste ao cachorro que o usaria como colchonete.

Até mesmo os pregos retirados de caixotes ou de qualquer outro lugar eram endireitados e utilizados novamente. O problema é que não havia quem já não tivesse perdido pelo menos uma unha, geralmente a do polegar, resultando num festival perverso de unhas pretas.

Por incrível que pareça, a moda das unhas pretas começou em Dois Montes muito antes da patricinha Paris Hilton e de a supermodelo Kate Moss a terem difundido pelo mundo.

A maioria das famílias do Paredes tinha pelo menos uma dessas latas grandes de tinta cheias de pregos tortos à espera de serem endireitados.

Com o meu invento, os pregos tortos voltariam a ter serventia, como pendurar um quadro na parede, consertar um caixote, um pé de mesa, uma porta ou um nada qualquer. Não importaria se a barriga do prego se parecesse mais com um joelho, a minha máquina de endireitar pregos daria um jeito nele.

Cortei pedaços de aço, furei, dobrei e ao fim e ao cabo construi uma engenhoca parecida com um fuzil napoleônico.

As coisas funcionaram direito até um certo ponto, depois travaram. Convidei o meu amigo Mosca para visitar o meu laboratório.

– Mosca, não esqueça de encher os bolsos com pregos tortos – lembrei no término da aula, sem fazer menção ao meu projeto.

Logo na primeira hora da tarde, Mosca apareceu lá em casa, com gorro na cabeça para se proteger do frio. Vinha cambaleando feito um bêbado por causa dos bolsos entupidos de pregos tortos. Fomos direto ao meu LABORATÓRIO.

O manual de instruções era eu. Tudo mecânico, nada eletrônico.

– Coloque o prego aí e aperte o gatilho – instrui.

Mosca estendeu o dedo quase congelado de frio e apertou o gatilho. Ouviu-se um estalo, clac. Em cima do estalo, vieram os gritos de dor:

– Olha só, seu assassino, você arrancou meu dedo.

Unha esmagada. Pedacinhos de pele e carne estavam grudados no metal… sangue. Um arrepio subiu pela minha espinha e chegou à nuca..

– Fique calmo, por favor – implorei.

Logo em seguida, enrolei uma tira de pano no dedo acidentado.

– Acho que vou me esvair em sangue – disse Mosca, com uma cara de “Acho que vou desmaiar porque não suporto ver sangue”.

É claro que desisti de tornar-me um novo Thomas Edison naquele mesmo dia, mas talvez tenha sido nesse mesmo dia que tomei gosto por endireitar não pregos, mas palavras.

Bem, muito embora você não acredite, fiz o que pude para endireitar esse texto.