IPE deve aproximadamente R$600 milhões a todos os hospitais credenciados

A grave crise financeira enfrentada pelo Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (IPE Saúde) pode prejudicar os usuários do plano de saúde, em todo solo gaúcho. Em Bento Gonçalves, onde há 9.106 usuários do plano de saúde, a realidade não é diferente.

Somente ao Hospital Tacchini, o IPE deve R$6,3 milhões, segundo o último balanço, realizado no mês de abril. De acordo com o superintendente do Tacchini Sistema de Saúde, Hilton Mancio, a dívida não é recente, mas a maior até então. “Desde janeiro de 2021, atrasos e pagamentos parciais foram acumulando, gerando o montante recorde de passivo”, afirma.

Com o déficit, Mancio reconhece que existe o risco de o Hospital encerrar o contrato e suspender os atendimentos referentes a esse plano de saúde. “Se não conseguirmos equacionar as mudanças propostas, atender o IPE pode se tornar insustentável não apenas para o Tacchini, mas para a maioria dos hospitais gaúchos”, alerta.

Para lidar com os impactos causados pela falta dos repasses, a instituição de saúde precisou captar dinheiro em bancos. “Ou seja, além do valor não repassado do IPE, temos que lidar ainda com juros impostos por esses empréstimos que fazemos para cobrir os custos dos atendimentos”, declara.

Por fim, Mancio afirma que o Hospital já lidou com outras inadimplências do Instituto, em outros momentos, mas destaca que a mudança no modelo de remuneração proposto o que está gerando essa crise. “Todo atraso é grave, mas essa alteração que o IPE está buscando impor aos hospitais torna insustentável o futuro dos atendimentos dos beneficiários. Cabe ressaltar que o modelo atual é adotado e consolidado como padrão para todas as demais operadoras de saúde”, finaliza.

“Um milhão de vidas engrossarão as filas do SUS”, afirma presidente da Fessergs

O presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do Rio Grande do Sul (FESSERGS), Sérgio Arnoud, aponta uma série de dificuldades que enxerga no IPE. “O quadro funcional é extremamente pequeno, insuficiente, além de muito mal remunerado. Acabou a gestão paritária (antes era compartilhado com segurados). Agora, só o governo detém poder. No atual governo, já passaram seis presidentes no IPE Saúde, todos por indicação política e sem qualquer afinidade com a área. O relacionamento é meramente formal. Escutam, mas não levam em conta nossas demandas e contribuições”, afirma.

Arnoud cita outros problemas que percebe. “Sequência de más gestões. Inflação médica superior, mais que o dobro da oficial. Insuficiência de auditagem das contas, por absoluta falta de auditores médicos. Salários inferiores ao oferecido no mercado afasta profissionais, o que prejudica a atuação e fiscalização. Da maneira em que está, fica clara a intenção de esvaziamento do Instituto para induzir à privatização. Este é o grande risco”, garante.

Com a crise enfrentada pela autarquia, Arnoud afirma que a sociedade gaúcha será abalada. “São um milhão de vidas que engrossarão as filas do Sistema Único de Saúde (SUS), porque a maioria dos servidores não poderá pagar por saúde privada. O sofrimento e a falta de atendimento serão aumentados. O sistema de saúde sofrerá grande abalo, pois o IPE é responsável por mais de 40% de tudo que se gasta com saúde no Estado”, garante.

Para solucionar a crise financeira, Arnoud menciona algumas soluções. “Reestruturação legal e organizacional do Instituto, com direção compartilhada. Quadro funcional adequado e bem remunerado. Auditagem das contas médicas, hospitalares e etc.; Cobrança de patronais de todos os poderes. Revisão dos contratos com as prefeituras e câmaras. Reposição salarial para que a receita deixe de continuar estagnada. Gestão com mandato fixo e cargos de direção privativos de segurados, com comprovada experiência”, finaliza.

O que diz o IPE Saúde

A Assessoria de Comunicação do IPE Saúde informou que o montante em atraso relativo aos pagamentos de todos os hospitais credenciados é de cerca de R$600 milhões. Já as razões para a dívida são de diversas ordens. “Queda da receita em face de ajustes fiscais e alterações legislativas, como a possibilidade de desligamento do plano. Estabilização da folha de pagamento. Falta de ingresso de novos servidores. Crescimento dos custos da saúde, sobrecarregados pela pandemia. Desbalanceamento dos custos. Modelo de contratualização defasado junto aos hospitais e clínicas, que necessita de atualização”, cita.

Entre outros motivos alegados está a pirâmide etária de usuários que estaria comprometendo o equilíbrio financeiro. “Dependentes jovens sem contraprestação financeira. Um ticket com valor que fica muito abaixo da média do mercado e usuários de mais idade com elevada sinistralidade”, aponta.

Apesar da crise, a Assessoria garante que não houve nenhum pedido de descredenciamento. “Os atendimentos em todos os hospitais continuam ocorrendo normalmente e o IPE Saúde e os hospitais estão trabalhando em conjunto para a implementação de novas tabelas de valores e outras medidas para sanar a situação”, garante.

Faltam especialistas, dizem usuários do plano de saúde

A servidora municipal aposentada, Soráia Gisleine dos Santos, 62 anos, utiliza o IPE desde 1990. De modo geral, ela avalia o serviço como bom, tanto a nível hospitalar quanto laboratorial. Entretanto, observa que os atendimentos médicos especializados, nos últimos anos, cada vez mais, estão escassos, fazendo com que tenha que recorrer a outros municípios. “Cidades vizinhas, tais como Caxias do Sul, Carlos Barbosa, Farroupilha, são as que têm mais opções”, afirma.

As especialidades em que Soráia mais encontra dificuldade para conseguir consulta, vão de cardiologista, neurologista, proctologista, urologista até a nutricionista. Outro problema apontado é referente ao tempo para conseguir consulta com os médicos credenciados, levando até meses. “A demora é por falta de agenda, pela grande procura”, pontua.

A professora Samanta Pandolfo Cantarelli, 40 anos, usuária do IPE há 13 anos, já passou por procedimento cirúrgico, atendimento hospitalar e já realizou uma série de exames ao longo desse tempo, por isso, analisa o plano de saúde como ótimo. Porém, no que se refere a especialistas, também sente dificuldades. “Por exemplo, não tem neurologista”, garante.

Samanta relata que quando o filho nasceu, iniciou acompanhamento com uma pediatra, mas precisou trocar quando a primeira deixou de atender pelo IPE. Ela observa que esse tipo de situação é recorrente. “Percebo que, às vezes, iniciamos o tratamento com um médico e quando precisamos retornar, ele se descredenciou. A gente sempre precisa estar trocando de profissional. É difícil seguir sempre com o mesmo, ao longo dos anos”, destaca.

Ainda assim, ela salienta que nunca ficou sem atendimento, da mesma forma em que nunca foi mal atendida. “Acredito que os médicos desistam porque o repasse de valores seja baixo, não sei”, finaliza.

De encontro com o que foi mencionado acima, uma professora aposentada que prefere não ter o nome divulgado, afirma que nos trinta anos em que utiliza o plano de saúde, sempre foi bem atendida pelos profissionais credenciados, mas também sofre no momento em que precisa de um especialista. “Como endocrinologista, entre outros. Através da imprensa, há algum tempo, ouvi dizer que o plano está em atraso com os pagamentos ao Hospital. Acredito que se o IPE remunerasse melhor os médicos e não atrasasse os pagamentos, teríamos muito mais opções e mais especialistas”, finaliza.