Muitas novidades aguardam os alunos de escolas estaduais na volta às aulas de 2020. Isso porque, já no primeiro dia do ano letivo — 18 de fevereiro para os educandários que não aderiram à greve; e seis de março para aqueles que aderiram —, todas as mais de 2.400 escolas da rede estadual de ensino deverão estar aptas às mudanças promovidas pelo Governo do Estado, que vão desde alterações curriculares até a duração dos períodos de aula.

Segundo matéria recente publicada no site oficial da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) do Rio Grande do Sul, entre as dimensões propostas pela Escola Gaúcha, como é chamada a nova política de educação encampada pela pasta, estão pontos relativos “à formação integral dos estudantes, organização curricular, práticas pedagógicas, gestão educacional, valorização dos profissionais da educação, infraestrutura escolar, avaliação, financiamento e regime de colaboração com os municípios”. Embora o programa abranja alterações em diversas dimensões da rede de ensino, de acordo com o diretor do departamento de Educação do Estado, Roberval Furtado, as mais importantes são aquelas que “trabalham com o estudante e promovem seu desenvolvimento integral”.

As modificações propostas pela nova política educacional gaúcha, conforme Furtado, visam estabelecer uma identidade de ensino para a Rede Estadual — daí o nome escolhido para o programa —, promovendo ações conjuntas entre todas as escolas, que permitam à Seduc detectar e agir para solucionar os desafios pontuais de cada educandário, município ou região, melhorando os indicadores de ensino do Estado, os quais admite não estarem bons. “Na dimensão que é a formação integral do estudante, tínhamos uma lista, até o ano passado, que mostrava quase 400 matrizes escolares diferentes entre as nossas 2400 e poucas escolas. Da mesma forma, os tempos de aula variavam de 45 minutos até uma hora”, assinala.

Escola Estadual General Bento Gonçalves já trabalha com diário online de classe (Foto: Fábio Becker)

“Estávamos perdendo nossa personalidade pedagógica. A nova política de ensino pretende trazer uma identidade à rede estadual de ensino para que as escolas possam se enxergar e reconhecer dentro de uma rede”, assinala, Roberval Furtado

Apesar de pontuar a necessidade de se criar essa “identidade em comum”, Furtado evita classificar as ações como padronizantes. Segundo ele trata-se mais de uma política de união. “Não falamos em padrão, pois passa a impressão que colocaremos todos como soldadinhos de chumbo, e não é isso. Uma rede se caracteriza por ações e programas que unam as escolas, e nossos educandários não tinham nada que os unia. Cada qual trabalhava ao seu jeito. Então a ideia é trazê-los para um espaço onde se enxerguem uns nos outros”, diz.

Embora parte das iniciativas já esteja sendo tomada em alguns educandários desde 2019, próximo ao retorno das aulas, as alterações propostas pela Escola Gaúcha, ainda não divulgadas oficialmente à sociedade, todavia soam, em sua maioria, como novidade mesmo para os diretores. A diretora da Escola Santa Barbara, Margarida Mendes Protto, por exemplo, afirma que espera a reunião com a 16ª Coordenadoria da Educação (16ª CRE), para ter uma posição melhor das mudanças, uma vez que, ainda não estão cientes de todas elas. Afirma já saber, entretanto, da padronização do sistema de notas e dos horários. A escola que contava com períodos de 50 minutos nos períodos diurnos e 28 no noturno, passará a contar com hora aula para todos os períodos, como ocorrerá com todas as demais escolas. Da mesma forma, a vice-diretora da noite da Escola Estadual General Bento Gonçalves, Neilene Lunelli, afirma que a escola não teve nenhuma orientação ainda acerca das novas diretrizes. Pontua, porém, que os professores já trabalham com o diário online desde outubro do último ano.

Hoje, na Casa das Artes, ocorre uma reunião entre a 16ª CRE e os diretores das escolas estaduais da região para que sejam alinhadas todas as ações. Segundo a Coordenadoria, após isso, os diretores devem repassar as informações aos professores nas reuniões de início de ano letivo e, mais tarde, nas reuniões de pais, a sociedade passará a ter ciência e compreensão das novas diretrizes.

As modificações ponto a ponto

Diretor do departamento de Educação do Estado, Roberval Furtado (Foto: Reprodução)

. Padronização de notas e horário

Segundo levantamento da Seduc, entre as cerca de 2,4 mil escolas estaduais do Rio Grande do Sul existiam 326 diferentes formas de expressão de resultados. De acordo com Furtado, as escolas seguirão tendo liberdade em sua forma de avaliar os alunos, no entanto, para que se crie uma unidade, a nova política educacional prevê que a mensuração do resultado seja feita de zero a 10, permitindo a decimal cinco. “Para ter uma ideia, o aluno chegava a sair de uma escola e ir para outra dentro de uma mesma cidade, e o diretor do novo educandário não conseguia entender seu histórico escolar. Não entendia de que forma ele estava sendo avaliado”, explica. Da mesma forma, a duração dos períodos escolares será padronizada. Se antes, eles variavam entre 45 e 60 minutos, dependendo de cada escola, agora todos passarão a contar com uma hora.

. Professor de referência e produções interativas

Duas mudanças curriculares estão previstas para a educação básica, ou seja, para os alunos do 1º ao 5º ano. Enquanto antigamente as turmas contavam com um único professor ao longo das semanas, o chamado “professor de currículo globalizado”. Agora, terão além do professor referência, aulas de educação física e de “Produções interativas”, com outros professores. “O professor titular lecionará língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia e quando sair da sala para preparar as aulas ou mesmo para atender algum aluno que precise de reforço, entrará ou o professor de educação física, que é algo inédito na educação básica nas escolas estaduais, ou o professor que administrará produções interativas, que é um componente curricular novo.


Acerca deste novo componente curricular, adianta que se trata de uma “espécie de reforço digital para a alfabetização”. “As crianças do 1º ao 5º ano, sobretudo até o 3º, ainda estão em fase de alfabetização e necessitam reforçar a leitura, escrita e compreensão de texto. A produção interativa vem justamente para isso. Para trabalhar esses três quesitos, mas alinhado à cultura digital”, assinala.

. Diário de classe online

Espécie de plataforma dividida em três módulos (um para o professor, outro para os pais e um para os estudantes), o diário de classe online permitirá entre outras coisas que os professores compartilhem as notas, avaliações e lista de chamada com os pais e os próprios alunos, para que todos possam acompanhar o desenvolvimento do estudante. “Poderemos controlar os alunos ausentes e tomar providências com os órgãos de proteção. Isso também permitirá que, quando termine o trimestre, tenhamos o quantitativo de alunos abaixo e acima da média por componente curricular, por escola, por coordenadoria e pela rede. Por isso, a importância também de padronizar as notas, por exemplo”, destaca.

A visão do Cpers

Para a diretora geral do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul —  Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Cpers) em Bento Gonçalves, Juçara Fátima Borges, o desconhecimento da sociedade e da comunidade escolar como um todo acerca das mudanças na rede estadual de ensino, passam pela própria falta de diálogo do Governo do Estado. Segundo ela, as transformações podem precarizar a educação, uma vez que os professores terão que se adaptar sem nenhuma formação a nova realidade. “os professores não estão sabendo o que mudará e como se dará essa mudança. O diretores, após reunião com as coordenadorias, vão passar isso aos professores, mas eles não terão nenhuma formação. Terão que ir aplicando as mudanças com o andar das aulas. O Governo não está divulgando, informando, e isso é muito sério, pois se está mexendo na educação, nos conceitos e na parte pedagógica”, avalia.

Juçara avalia, ainda, que ao contrário do que aponta a Seduc, o que está ocorrendo é uma padronização dos educandários, o que considera prejudicial. “Cada escola tinha autonomia e tinha sua forma pedagógica própria de trabalhar com os alunos. Isso vai interferir diretamente em toda a organização pedagógica dos educandários, que estão calçados nos princípios de regimento de cada escola, e isso foi desrespeitado. O Governo fez as mudanças sem discutir, sem chamar, sem formar, nem o Conselho Estadual de educação foi chamado”, protesta.