Conforme pesquisador da Embrapa Uva & Vinho, em 2023, o volume acumulado nos três últimos meses corresponde ao dobro da média dos três anos anteriores para esse mesmo período

Nos últimos três meses o fenômeno El Niño causou estragos nas mais diversas áreas. Uma das mais afetadas, sem sombra de dúvidas, é a agricultura. Bento Gonçalves e Região sofreram grandes impactos, que devem ser observados especialmente no cultivo das videiras.

Conforme o pesquisador em Fisiologia de Produção da Embrapa Uva e Vinho, engenheiro Agrônomo, mestre em Fitotecnia e doutor em Fisiologia de Produção, Henrique Pessoa dos Santos, a Serra Gaúcha é a principal região vitícola do Brasil, sendo composta por 11.488 propriedades, distribuídas em 19 municípios, e atinge uma área total de 158 mil hectares. “A evolução, de um ano para outro, tem sido mínima e desprezível nos últimos anos” comenta.

Santos destaca que, para a próxima safra – 2023/2024, é importante considerar o volume de chuva que foi registrado a partir de agosto até o momento, pois corresponde ao período após a poda das videiras. “Em 2023, o volume acumulado de primeiro de agosto a 31 de outubro corresponde ao dobro da média dos três anos anteriores para esse mesmo período. Supera, também, a média climática normal, que representa uma média dos registros de 30 anos”, explica o pesquisador.

De acordo com ele, as chuvas neste período impactam a produção, em quantidade. “De modo direto, o excesso de umidade favorece o surgimento de doenças fúngicas, comprometendo a sanidade das folhas e das inflorescências que estão se desenvolvendo (número de cachos por planta). Já de modo indireto, com os dias nublados e as quedas de temperatura, abaixo 15°C, há uma redução na atividade foliar e isso compromete o desenvolvimento da flor, da polinização, comprometendo o número de bagas (grãos) por cacho e da baga em si”, frisa.

Santos diz que é cedo para se ter uma estimativa relacionada à queda de produtividade, pois a produção ainda está sendo definida nas plantas, porém, acredita que, certamente, haverá uma redução. Atualmente as videiras estão no período de florescimento e desenvolvimento inicial da baga. As condições do ciclo também podem impactar na lucratividade, pois além do efeito direto do clima sobre a produtividade das videiras, os custos de manutenção fitossanitária (insumos) serão maiores, em comparação aos três ciclos anteriores.

Pesquisador da Embrapa Uva & Vinho, Henrique Pessoa dos Santos

“Nessas condições de maior umidade e pressão de doenças fúngicas, impostas pelo El Niño, as cultivares europeias (Vitis vinifera) são as mais sensíveis, pois são originárias de um clima mediterrâneo, com baixa disponibilidade de chuvas durante o ciclo, e são mais suscetíveis às doenças fúngicas. Ou seja, anos de La Niña, como os que ocorreram nas últimas três safras, foram os melhores para produção e a qualidade dessas cultivares, apesar de alguns problemas com geada tardia e seca”, salienta Santos.

Ele destaca, ainda, que o tipo de clima que seria ideal no momento seria de baixa intensidade de chuva – próximo dos 50 mm – com predomínio de sol e temperaturas entre 20° e 25°C.

As atuais condições climáticas fazem com que a Embrapa Uva & Vinho receba inúmeros pedidos de orientação de parte dos produtores para fazer frente ao momento atual, de fortes chuvas e frio em pleno mês de outubro. “Recebemos demandas diretas de produtores. Contudo, as necessidades chegam principalmente dos técnicos, que atendem diferentes localidades nas principais regiões vitivinícolas do Estado e sul do Brasil, visando sanar dúvidas e proporcionar recomendações mais assertivas”, conta.

A Embrapa Uva e Vinho tem abrangência nacional, tendo como função principal o desenvolvimento de tecnologias que atendam os gargalos da vitivinicultura e da pomicultura (maçã e pera) brasileira.

O período programado para a vindima ocorre de janeiro a março, sendo janeiro para as precoces, como por exemplo Chardonnay, Pinot Noir, Bordô e Niágara, entre outras; início de fevereiro para as cultivares intermediárias, como Merlot, Concord e Riesling, entre outras e final de fevereiro a início de março para as cultivares mais tardias, como Isabel, Cabernet Sauvignon e Moscato Branco, entre outras.

Segundo registros meteorológicos do final de outubro, a temperatura da superfície do mar (TSM) do oceano Pacífico Equatorial, não apresentou alterações significativas em relação ao mês anterior, o que mantém o quadro de influência do fenômeno El Niño no sul do Brasil. “A previsão climática continua apontando altos volumes de chuvas para a Região como um todo para o mês de novembro. Quanto às temperaturas, estima-se que as condições para novembro vão ficar dentro da condição normal ou ligeiramente acima da média. Ou seja, sem riscos de ocorrência de frios tardios, como foram registrados em 2022. Entretanto, salienta-se que isso é só uma previsão e os cenários futuros ainda são insertos”, finaliza o pesquisador.

Entre as principais recomendações, ideais para proteger as videiras neste período de excesso de chuva, estão:

  • Realizar a proteção do solo (cobertura verde), para evitar erosão e perda de nutrientes;
  • Investir em drenagem para evitar acúmulos de água nas raízes, pois a videira não tolera situações de alagamento por períodos longos;
  • Realizar manejo intensivo de poda verde para facilitar a aeração e secagem mais rápida das folhas e da fruta após cada chuva. Além disso, com a poda e organização das folhas, aumenta-se a exposição dos cachos e a eficiência dos tratamentos fitossanitários;
  • Promover o controle fitossanitário preventivo, com rotação de produtos recomendados para a cultura.

Foto de capa: Renata Gava / Reprodução