O perfil do maior artilheiro da história do Clube Esportivo, em sua passagem de seis anos pelo time

À esquerda antes dos trilhos. Era a informação que Décio Frozi me dera ao telefone, quando marcamos a entrevista. Por não se dar muito bem com as tecnologias, combinamos nosso bate-papo na casa dele, seguindo todos os cuidados que uma pandemia exige.

Subo os degraus. Bato na porta, errada, e quem me atende é a vizinha. Peço pelo Décio.

— É na casa ao lado, vem comigo. Ele estava até agora sentado na cadeira (colocada de frente à rua, na sacada) te esperando.

Cabelos e barba brancos, expressão séria, mas contente ao me receber.

— Te vi passar de moto, até abanei, mas certo que não ia ver – afirma, com um sorriso de lado.

O cenário estava pronto: livros, manchetes, notícias, fotos, o glorioso “Um século alviazul” e o brilho nos olhos de quem tem muito a contar. Alviazul é uma das alcunhas dadas ao Clube Esportivo de Bento Gonçalves.

Orgulhoso, o artilheiro mostra o material, que guarda com carinho, sobre sua passagem pelo alviazul. Foto: Franciele Zanon

Sentamos junto à mesa, redonda, de madeira, na sala. Logo foi mostrando um pedaço de jornal que trazia “Décio Frozi: O goleador do Esportivo” como manchete.

— Acha que é pouca coisa?! – exclamei.

O atleta se mudou de Farroupilha em 1968, com a finalidade de integrar o Zebra (outra alcunha). Ele relata que em 67 veio a Bento conhecer o time e no ano seguinte, sem precisar fazer testes, assinou o contrato com a diretoria da época, onde ocupou a posição de ponteiro esquerdo. Antes disso, foi jogador em São Sebastião do Caí, Lajeado, Estrela e Uruguaiana.

1972: Décio é o último agachado da esquerda para a direita. Foto: Divulgação

— Era louco por uma bola. Fui chamado pelo Aimoré, de São Leopoldo, para fazer um teste, onde, de cara, fiz três gols, vestindo uma camisa titular – comenta, com os olhos baixos e sorriso orgulhoso. No entanto, Bento o impressionou por suas belezas.

A estreia do futuro artilheiro, então com 23 anos, foi num amistoso contra o Avenida, de Santa Cruz do Sul, no sábado de 10 de fevereiro de 1968. O atacante entrou no lugar de Antoninho, mas não deixou sua marca. Apesar disso, o Esportivo balançou a rede com três gols contra dois do adversário, que jogava em casa.

Pergunto se lembra de algum fato que o marcou, seja ele engraçado ou emocionante. Dá de ombros, mas num movimento leve pega uma foto, daquelas de retrato de futebol, e revela a equipe da juventude: “Os caveiras”.

— O pessoal se assustou com o que viu; saiu correndo. Está vendo a caixa de primeiros socorros ali embaixo, nas mãos do massagista? Não era medicamentos – dá uma breve pausa. Eu rio, concordando, mas sem entender.

— Era bebida alcoólica! – completa, e solta uma gargalhada por debaixo da máscara.

Tudo é guardado com muito carinho. Cada emblema que pudesse trazer uma lembrança dos tempos de bola era levado para casa e se juntava aos demais na “Gaveta”, como uma bandeirinha que ilustrava os brasões do Gre-Nal e Tivo (Esportivo), exposta por fãs em um posto de combustíveis, ou os regulamentos da Federação Gaúcha de Futebol com a programação diária do time, em 1973.

Ao mostrar uma foto em preto e branco do elenco, as boas histórias deram lugar, por alguns instantes, a momentos de tristeza e saudade. Três dias antes dessa entrevista, em 30 de agosto, Jauri da Silveira Peixoto faleceu, amigo de Frozi e ex-zagueiro do Alviazul, aos 78 anos. Peixoto foi professor, atleta, vereador e vice-prefeito de Bento Gonçalves.

— Era um baita cara! Que falta está fazendo. Nos recentes jantares do clube, ele era minha muleta – diz, referindo-se às lesões nos tornozelos e coxas, adquiridas durante a carreira.

Olhos marejados. Os meus os acompanharam. Molhou a máscara. Ficamos em silêncio.

Frozi conta que, nos últimos jogos, o juiz nem marcava mais faltas.

— Me derrubavam, mas eu levantava e voltava a jogar. Era ali que eu me erguia com mais garra e marcava gol – conta, a respeito do seu estilo de jogar e da época, quando não havia médico de plantão em campo.

— Aqui em Bento, para ganhar do nosso time tinha que ser bom!
Questionei quais partidas marcaram sua trajetória.

— Como tu quer que eu te diga, guria?

Puxou o caderninho, que transcrevo como ali está: divisão especial – 19/12/69; Prêmio Belfort Duarte – 03/05/1974; Zebra c/ Grêmio 1×0 – 19/04/70; (no) Beira-Rio c/ Inter 2×1 – 15/04/73; Seleção Gaúcha: América Central – 16/10/73 a 28/10/73.

Entre os gols inesquecíveis para o artilheiro, destacam-se três: um em 71, contra o Tricolor gaúcho, e dois contra o Colorado, em 73. O último jogo do atleta foi contra o Ypiranga de Erechim no Campeonato Gaúcho, em 30 de novembro de 74, empatando, em 1 a 1, na casa do rival. O Esportivo terminou o segundo turno em décimo lugar.

Na bagagem, o atacante traz 95 gols, em 275 jogos. Décio recebeu a mais importante condecoração oferecida pela Confederação Brasileira de Futebol: foi agraciado com o prêmio Belfort Duarte – nunca foi expulso em campo. Depois, encerrou a carreira de jogador.

Hoje, em 2020, aos 76 anos, o economista é aposentado pela Vinícola Aurora, onde começou em 1975, e permaneceu por 22 anos. É casado com Carmen Maria Tasca Frozi há 50 anos, com quem tem uma filha e dois netos.

Décio Frozi organiza as relíquias como estava. Agradeço-o por abrir as portas de sua casa. Faço um registro fotográfico. Saio com a vontade de abraçá-lo. Nos despedimos ante a escada.

— Precisando, me chama, guria.

Um marco no futebol brasileiro e na história da comunidade bento-gonçalvense, que tanto se orgulha em ter em seu solo um Clube há 101 anos, completados em 28 de agosto deste ano.

Foto capa: Franciele Zanon