Desde 2013, população indígena localizada no bairro São Roque, procura evoluir em diversos aspectos, que visam agregar qualidade de vida ao seu povo e compartilhar tradições com o município de Bento Gonçalves

Na última quarta-feira, 19 de abril, comemorou-se no Brasil e em vários outros países do continente americano o Dia dos Povos Indígenas. A data remete ao dia em que delegados indígenas, representantes de várias etnias de países como o Chile e o México, reuniram-se, em 1940, no Primeiro Congresso Indigenista Interamericano. Essa reunião tinha o propósito de discutir várias pautas a respeito da situação dos povos indígenas, após séculos de colonização e da construção dos Estados Nacionais nas Américas.

Os Caingangues vivem em mais de 30 Terras Indígenas, que representam uma pequena parcela de seus territórios tradicionais. Por estarem distribuídas em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a situação das comunidades apresenta as mais variadas condições. Em todos os casos, contudo, sua estrutura social e princípios cosmológicos continuam vigorando, sempre atualizados pelas diferentes conjunturas pelas quais vêm passando.

Em Bento Gonçalves, há uma pequena comunidade indígena dentro da zona urbana, em área localizada na rua Iraci Foppa, no acesso do bairro São Roque. Os Caingangues residem desde 2013 no munício e, atualmente, as lideranças, unem forças para garantir melhores condições de vida, educação e resgate da cultura de seu povo.

De acordo com o secretário da Secretaria Municipal de Esportes e Desenvolvimento Social (SEDES), Eduardo Viríssimo, o município de Bento Gonçalves destinou uma área para que os indígenas pudessem ficar alojados com segurança na cidade, durante o período que estivessem realizando a venda de seus artesanatos. “Apesar de não possuirmos reservas indígenas, o grupo que está instalado no local de passagem recebe atendimento junto aos serviços públicos”, afirma.

Segundo Viríssimo, a comunidade Caingangue possui 49 pessoas e 14 famílias indígenas inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais. Além disso, para obter benefícios como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, cesta básica, inscrição no Cadastro Único, podem procurar a SEDES. “Estamos, enquanto assistência social, sempre dando auxílio em todas questões que chegam até nós. Fazendo intermédio com órgãos competentes, melhorando os atendimentos como os benefícios eventuais e a estrutura do local para que possam melhor viver”, ressalta. Ainda conforme o secretário, muitos indígenas trabalham no município com mão de obra autônoma na construção civil e em outras áreas.

A comunidade indígena

O capitão Leomar de Paulo, o presidente do conselho Alexandro dos Santos, o cacique Leri Ribeiro e a atual diretora da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Sór Mág, Jucemari da Silva Correa

Recentemente, Leri Ribeiro assumiu o cargo de Cacique da comunidade indígena de Bento Gonçalves. Ele destaca a importância de parcerias públicas para garantir mais qualidade às famílias Caingangues. “Junto a equipe de liderança, estou em busca de reconhecimento e de resgate da nossa cultura. Queremos muito a parceria da rede municipal, federal e estadual. Atualmente, estamos nos encontrando com os secretários e Secretarias do município, para buscar um investimento e recursos para a comunidade, em prol da nossa cultura, da educação, da saúde e da habitação”, conta.

O líder ressalta a riqueza da Capital Nacional do Vinho, local onde o grupo escolheu para morar e evoluir. “Estamos em um bairro de uma cidade turística e temos muito a mostrar sobre nossa história e tradição”, diz.

Além disso, ele agradece aos que já deram suporte ao grupo, mas pede por mais espaço e possibilidades. “Claro que tem muitas pessoas que nos ajudaram, mas queremos mesmo é auxilio governamental, que olhem para a comunidade, para nossas crianças. Nós somos indígenas, mas também somos cidadãos que fazem parte do município, do estado e do Brasil. Sei que algumas coisas são demoradas para se fazer, mas peço que não se esqueçam de nós”, pondera.

Escola é um direito

A Educação Escolar indígena é uma modalidade da educação básica que garante aos povos e suas comunidades a recuperação de suas memórias históricas, reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências, bem como o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. Ela é assegurada na Constituição Federal Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96).

Uma das conquistas da comunidade localizada em Bento Gonçalves, é a escola estadual, erguida há poucos anos pelo próprio povo Caingangue, rodeadas de várias casas também construídas por eles. “Foi criada pelo povo indígena e reconhecida pelo Estado. Hoje nós temos professores e uma diretora nova, que chegou para fazer um trabalho focado em resgatar nossa cultura e costumes. Na quinta-feira, 20, tivemos uma reunião na coordenadoria da educação, em busca de recursos para melhorar o ensino das crianças. É indo atrás que as portas se abrirão para nós”, conclui o Cacique.

Em 14 de setembro de 2022, a Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Sór Mág foi oficialmente decretada pelo governo do Estado. A atual diretora indígena, Jucemari da Silva Correa, conta que ainda há muito a ser feito no espaço educacional. “A estrutura física que nós temos hoje não oferece as mínimas condições para as nossas crianças, por isso que a gente tem que buscar, junto a 16ª Coordenadoria Regional de Educação, melhorias na parte da educação. Ver se tem algum projeto encaminhado de escola nova, se não tiver, a temos que encaminhar ao Estado. Conversei com o pessoal da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (SEDUC), pois soube que eles estão alugando contêineres para essa situação. Aí nós vamos em busca de uma construção adequada”, afirma.

Conforme a diretora, é muito importante estudar dentro da comunidade. “Quando se trata da educação escolar indígena envolve cultura, crenças, tradições e línguas, principalmente a materna. Então, essas crianças tem o aprendizado dentro da própria comunidade, que é assegurada por lei. Aprendem sobre os pratos típicos, que tem folhas, raízes e o pão indígena, ensinados pelas mulheres mais velhas”, completa.

É necessário ter apoio

O presidente do conselho dos Caingangues em Bento Gonçalves, Alexandro dos Santos, ressalta que, hoje, o intuito é pensar no futuro das crianças, tanto na educação, quanto cultura e questão financeira. “Vê mos muitas comunidades indígenas perdendo sua tradição. Além disso, aqui nós estamos com as estruturas bem precárias, talvez por falta de oportunidades e parcerias”, frisa.

Além disso, ele valoriza algumas pessoas que estão sempre dispostas a ajudar. “Temos um intermediário com o poder público, que é o secretário Eduardo Viríssimo, que sempre foi parceiro da comunidade e continua sendo, é um dos poucos políticos que chega junto com a gente, ele vê de perto o problema e tenta resolver. Neste sentido, também vamos buscar uma reunião com o Prefeito para ver sobre a questão da infraestrutura e terras, algo que o deputado Marcon já disse que irá nos auxiliar”, elogia.

Na última terça-feira, 18, um encontro com o secretário municipal de Cultura, Evandro Soares, também pode abrir novos caminhos para os Caingangues. “Foi uma reunião boa e ele entendeu a nossa situação, se comprometeu em auxiliar no que for possível e trabalhar junto com a comunidade na parte da cultura. Para a gente é muito bom, hoje temos uma diretora indígena na escola, que tem muito conhecimento na questão cultural. Ela veio com o objetivo de resgatar a cultura indígena em Bento Gonçalves, que é uma cidade de várias tradições, somente a nossa está se apagando. Queremos, juntamente com a Secretaria responsável, que o povo da Serra Gaúcha conheça nossa história, que é muito além do que está nos livros”, menciona.

Para Santos, muitas pessoas vêem o povo indígena como um problema, quando na verdade, estão ali para agregar cultura e trabalho. “Viemos para somar e também em busca de oportunidades. Hoje, a gente trabalha com tudo quanto é coisa, estamos sempre dispostos”, garante.

Ademais, ele conta que toda a estrutura da comunidade foi feita por eles mesmos. “Tudo que foi adquirido aqui não tem doação, não tem auxílio de Secretaria na parte das moradias, não tem Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), que deveria auxiliar, mas hoje em dia não olha para nós. Tudo foi feito com o esforço do nosso povo”, fala.

Devido a forte chuva ocorrida nesta semana, um dos canos de esgoto estourou dentro da área em que habitam. “Contatei o secretário Veríssimo, que está em Brasília, mas mesmo de lá ele fez o esforço e hoje já tem máquinas da Prefeitura resolvendo o problema”, realça.

Neste mesmo sentido, ele aponta algo que precisa de atenção. “Tem a rua principal que é um grande problema, toda vez que chove é essa buraqueira e o acesso é complicado até para os vizinhos de cima, que passam por aqui para ir para o Centro. Verei com o secretário se ele consegue fazer algo, mas tem coisas que não dependem só dele”, finaliza.

Fotos: Cláudia Debona