Três vezes por semana? Nem pensar! O estabelecido foi uma vez. Aos sábados. A gente precisa controlar os desejos quando se vai ao supermercado, porque, se os salgadinhos estiverem nas prateleiras de casa, ninguém aguenta.

Falo por mim, não pelo pequeno. Ele leva a sério o combinado, que se tornou quase uma premiação pelas refeições regadas a brócolis, um direito consciente de prazer, uma espécie de catarse ao contrário.   

Enfim, estávamos eu e ele (na verdade, ele e… eu atrás) percorrendo os enormes corredores de uma loja grande demais para minhas energias, quando chegamos até as delícias onduladas e crocantes expostas em gôndolas na altura dos olhos dos baixinhos. Como se precisasse! Eles têm visão de Raio X.

-Posso, vó? Hoje é sábado…

-É claro!

Quebrar a regra? Nem pensar! Até porque era quase noite, e logo mais o prêmio venceria por decurso de prazo. Inclusive sugeri que ele abrisse a embalagem em forma de tubo lá mesmo, podendo degustar o salgadinho até eu concluir as compras.

Mas o menino respeitava o ritual desenvolvido por ele próprio e controlava sua ansiedade de forma exemplar, só me lembrando, volta e meia, de que eu estava gastando demais, que deveria ir logo para o caixa… Então fui.

-Pronto, Bê! Pode abrir e comer.

-Só no carro – me respondeu.

Ele já estava com o cinto de segurança atado, quando questionei:

-Você não vai comer, Bê?

-Só andando…

Então, com o veículo em movimento, ele tirou a tampa e a membrana vedante com calma, pegou uma batatinha e esticou o braço para fora da janela, com o salgadinho preso entre o polegar e o indicador. Parecia em transe. Finalmente, pôs na boca. Em seguida, repetiu a operação. Depois guardou a embalagem. O ritual incluía outro elemento…

Já devidamente instalado na melhor poltrona da casa, dedilhando o celular, ele recomeçou o ritual: uma “batatinha” era mastigada bem devagarinho e só depois de passado um tempo que me pareceu uma eternidade, ele ia para outra.  Até que me chamou:

-Vó, guarda pra mais tarde.

Visualizei o interior do tubo. Pelo menos dois terços dos salgadinhos ainda estavam lá.  Na verdade, ficaram por pouco tempo… Eu não disse que não dá para exibir desafios nas prateleiras de casa?

Felizmente, ele se esqueceu de me pedir depois. Os interesses dele vão muito além desse salgadinho viciante que nem batatinha é de verdade, e cujo formato em onda – paraboloide hiperbólico – é o resultado de uma equação matemática. Decididamente essa arma disfarçada em delícia dos deuses é uma séria competidora daquele joguinho macabro “Batatinhas Fritas, 1, 2, 3…”.