Um problema grave está deixando em alerta profissionais da área da educação e saúde de Bento Gonçalves. Embora o motivo não seja novo, a preocupação se deve ao grande crescimento dos números de casos de autoagressões, automutilações, uso de violência com armas do tipo brancas e até tentativas de suicídio entre os adolescentes.

A Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave), um programa que nasceu em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, atuante dentro de todas as escolas estaduais da cidade, registrou por meio de mapeamento, um aumento de todos os casos citados, sendo constatado maior incidência de automutilação, uma ação que está se tornando cada vez mais comum entre os jovens.

Em 2018 a Cipave registrou durante todo o ano, oito tentativas de suicídio, enquanto esse ano, só no primeiro trimestre, já foram sete casos. Automutilação, ano passado, foram verificadas 64 situações, enquanto até agora, 36. Uso de armas brancas dentro das escolas foram quatro durante o ano passado, enquanto esse ano, oito.

Embora essas situações sejam as mais preocupantes, não são as únicas que os colégios têm enfrentado. Posse de drogas, indisciplina, bullying e violência entre alunos também são problemas corriqueiros. Houve redução, até o momento, do número de tráfico de drogas nas escolas, passando de oito para dois.

Autoagressão

Os casos de automutilação nem sempre são percebidos pelos pais, muitos deles são observados pelos professores, dentro das escolas. “No momento que os colégios detectam o problema, já chamam os pais e encaminham direto para a rede ver por onde começar: atendimento psicólogo, psiquiátrico, assistência social, até com a família. Às vezes os pais não conseguem ver o que está acontecendo e não é fácil para eles. Já vimos casos deles não acreditarem que o filho está fazendo isso”, relata a Assessora Pedagógica da 16° Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Vanise Somensi Marconi.

A demora em perceber os casos, algumas vezes se deve aos locais do corpo que os jovens escolhem para se cortar. Alguns, são em locais mais fácil de enxergar, mas outros são escondidos. “A adolescência é um período em que as crianças se afastam dos pais, a dificuldade de diálogo é muito grande e muitas vezes as autoagressões são nos braços que é fácil de ver, mas algumas vezes são no abdômen, na barriga, na virilha também acontece muito, enfim, em todo corpo, então fica difícil”, frisa a psiquiatra e psicoterapeuta Nádia Gabana.

Leina Marin, vice-diretora de um colégio estadual de Bento, assume o quão visível tem se tornado o aumento desses casos, principalmente dos três últimos anos para cá. De acordo com ela, quando a escola percebe um caso mais grave, entra em contato com o posto de saúde mais perto da casa do aluno solicitando uma consulta. “Entre alunos de ensino médio e até os finais do ensino fundamental realmente está aumentando bastante. Quando necessário, a gente liga e fala com enfermeira chefe, pede um atendimento especial para o aluno e para ele ser encaminhado depois para a consulta psicológica, psiquiátrica”, conta.

Outra dificuldade enfrentada pela escola, segundo Leina, é o contato com os pais, para relatar e coloca-los à par das ocorrências. “A gente consegue atingir muito pouco, eles não vêm. É uma dificuldade incrível, tanto para falar por telefone como para convidar”, relata.

Dentro do colégio, ao descobrir ou suspeitar de algum caso, a direção entra em contato com o aluno para conversar e questionar se o adolescente deseja receber algum tipo de ajuda. “Na maioria das vezes eles aceitam, precisam de alguém que sente e converse com eles, é a maior necessidade. As vezes não precisa dizer nada, só ouvir é o suficiente.  Eles se abrem com uma facilidade incrível, eles querem falar e não tem ninguém para ouvir”, garante Leina.

Entretanto, apenas dialogar não tem sido o suficiente. A vice-diretora admite que todos os trabalhos e ações realizadas pela escola ainda tem sido pouco no combate e prevenção desse tipo de atitude. “Uma das ações é formação das equipes da Cipave, a gente trabalha com os círculos restaurativos para procurar trabalhar valores pessoais, autoestima. Teria que ter mais dedicação, mas a escola tem que andar, não existe uma pessoa que se dedique a fazer só isso, então é feito o que se pode, mas vejo que é pouco, acho muito pouco”, analisa Leina.

Motivações

O perfil principal desses adolescentes é composto em sua maioria por meninas, dentro de uma faixa etária que vária entre 12 a 14 anos. Entre os motivos que as levam a se machucar está um conjunto de fatores, que vão desde a desestrutura familiar, a falta de diálogo com os pais, as redes sociais, autoimagem, não saber lidar com frustrações, até a questões ligadas as dificuldades naturais de viver a adolescência, de acordo com Nádia.

A principal causa da autoagressão, para a psiquiatra, seria a tentativa equivocada de acabar com uma dor emocional da qual o adolescente não está conseguindo lidar. “O corte alivia porque a pessoa não pensa mais na dor mental e foca na dor física, mas isso não faz com que a dor mental desapareça, então é só naquele momento”, ressalta.

De acordo com a psiquiatra, está faltando aprendizado emocional nos jovens da geração atual. “Os adolescentes têm muita dificuldade de tolerar frustação, a gente acaba não frustrando tanto os nossos filhos. Outro desafio é a questão da autoimagem por causa das redes sociais. Antigamente a comparação feita entre eles era na sala de aula, na rua, na comunidade, mas agora a comparação é com o mundo todo. É bem difícil fazer com que eles compreendam que cada um tem suas diferenças, seus potenciais. Essa comparação é muito ruim”, destaca.

Ao descobrir que os filhos estão se automutilando, muitos pais dizem que é bobagem, que é chilique de adolescente, tornando mais difícil ajudar o jovem. “Por que uma criança ou adolescente quer chamar atenção se cortando? Isso é grave, ele está se machucando. O que está acontecendo para ele não conseguir chamar atenção com qualquer outro recurso, só com esse?”, questiona.

Como lidar

A recomendação da psiquiatra é que os pais levem o adolescente para fazer uma avaliação com um profissional da saúde mental, afim de criar estratégias para reverter a situação. Em muitos casos, os pais também precisam de acompanhamento profissional. “O padrão ouro de atendimento é a orientação parental que significa auxiliar os pais a lidarem melhor com as questões do filho, porque muitas vezes eles não estão conseguindo ter acesos àquela criança, àquele adolescente”, comenta Nádia.