Belos e faceiros, saímos (carro e moto) de Santiago rumo a Mendoza, com a expectativa em alta, pois faríamos a travessia do Paso Internacional, um trecho sinuoso conhecido como “Los Caracoles”, de dar frio na barriga ao mais valente dos homens. Seriam quatro a cinco horas de viagem, para se admirar a vista formada de montanhas de diversas tonalidades, picos nevados, despenhadeiros, rios, lagos, túneis preparados para resistir às nevascas e parques diversos. Mas o que mexeria mesmo com a adrenalina seriam as curvas que serpenteiam as encostas íngremes, com trânsito intenso indo e vindo.

Então a escalada começou. Segurei meu coração nas mãos até a última curva, pedindo aos céus que cuidasse de mim, prometendo que nunca mais iria desafiar as leis da natureza, coisa que “desprometi” assim que me senti em segurança. Racionalizei que, afinal, não se tratava de uma provocação, mas de reverência diante do superlativo, do imponderável, do assombroso…

Já nas estradas relativamente lineares, relaxei. De carro, seguíamos a moto, quando a perdemos de vista. Numa ponte sinalizada com linha amarela contínua, arrastava-se um caminhão baú a vinte por hora. Ao lado, quilômetros de espaço completamente livre… Então cedemos à tentação e aceleramos, ultrapassando aquela tartaruga gigante quase sem fôlego que impedia a fluidez do trânsito em uma estrada no meio do deserto, esquecida por Deus e pelos homens…

Eu disse “pelos homens”? Quem me dera! A uns novecentos metros daí, esperava-nos a “policia caminera” que, de um ponto estratégico, vislumbrava quando carros ou motos perdiam a paciência e transpunham a linha contínua.

Quando nosso carro foi parado, expliquei em portunhol que tentávamos não nos perder da moto. “Ella también cometió infraccion”, respondeu o “carabinero”.

A infração era gravíssima. Teríamos que pagar uma multa equivalente a cinco mil reais em Mendoza, e mesmo assim nossas habilitações e documentos dos veículos ficariam retidos até depois do feriado. Num dos vários pedidos de reconsideração, eles nos responderam “Aqui, é sério.”

O tempo passava e nada se resolvia. O vento nos cortava as carnes, e eles, a animação. “Quem poderá nos ajudar?”, falei baixinho. Sem marreta biônica, sem pílulas encolhedoras e sem a documentação necessária para dirigir, como sairíamos daí? Estávamos definitivamente ferrados. Se ao menos estivéssemos em solo mexicano, quem sabe o Chapolin…

Depois de hora de choradeira, mostrando as implicações do evento e com a promessa de andarmos na linha, vislumbramos uma luz no final do túnel. E com luvas de pelica para não ferirmos suscetibilidades, fizemos uma “contribucíon” espontânea para “los hermanos”. Em dólares.

Seguimos leves que nem passarinhos, sorrindo pela sorte que tivemos, até que, bem adiante e depois de muito refletir, uma voz vinda do íntimo nos sussurrou: “Otários!”.
(Continua no próximo capítulo).