Em toda eleição, um fator que se destaca, são os números de votos nulos e brancos / abstenções, que não são contabilizados como votos válidos, portanto, possuem apenas um valor simbólico / estatístico. Para se ter noção, em casos de candidatura única, o candidato precisa de apenas um voto para se eleger.

Em Bento Gonçalves, esses números quebraram recorde na eleição de 2020, e também foram significativos nas votações de 2024. No total, 20.951 pessoas se abstiveram e não compareceram à sessão eleitoral, enquanto cerca de 5.5 mil votaram em branco ou anularam o voto, totalizando 26.454 dos 92.144 eleitores que estavam aptos a votar, aproximadamente 28,5% do eleitorado em Bento Gonçalves. Os números, apesar de serem um pouco menores do que os registrados na eleição anterior, onde 26.940 pessoas, cerca de 30% dos eleitores aptos na época não foram votar ou depositaram o voto em uma das opções inválidas, ainda são bastante significativos e levantam um debate em torno.

Com dados do TSE

A quantidade de votos nulos e brancos / abstenções é ainda mais alarmante em cidades com um número maior de eleitores. Ainda aqui na Serra, em Caxias do Sul, onde cerca de 347.2 mil eleitores estavam aptos, 87.257 não compareceram às urnas para exercerem seu direito como cidadão, enquanto mais de 25 mil pessoas invalidaram seu voto. Cerca de 32% do eleitorado da maior cidade da Serra se absteve de votar, ou anulou o voto. Os números, apesar de proporcionalmente semelhantes aos de Bento Gonçalves, chamam a atenção por serem maiores e por terem feito a diferença no resultado, já que Denise não foi para o segundo turno por uma quantia pequena de votos.

Em São Paulo, cidade mais populosa do país, os votos nulos e brancos / abstenções totalizaram cerca de 3.2 milhões de pessoas, aproximadamente 34% do eleitorado apto, superando a quantidade de votos de qualquer um dos dez candidatos, uma marca que reforça a insatisfação de parte da população paulistana com o cenário político na cidade, que futuramente pode refletir diretamente em eleições à nível nacional.

O sociólogo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marcelo Kunrath Silva debate os fatores que levam ao não comparecimento às urnas ou a anulação do voto. “Em grande medida, expressam uma insatisfação ou falta de identificação com as opções políticas disponíveis. Um dos fatores que ajudam a compreender essa insatisfação é a altíssima desconfiança que grande parte da população tem em relação a políticos e partidos políticos”, destaca.

Silva aborda como o cenário político dos últimos anos colaborou com essa insatisfação da população. “Se esta desconfiança já era tradicional no país, ela aumentou significativamente após mais de uma década de acusações de corrupção contra os governos petistas, mas que acabou atingindo todo o sistema político e parcelas significativas do mundo empresarial. Em um contexto como esse tende a ocorrer dois processos: de um lado, a abstenção da participação eleitoral por parte de um eleitorado descrente desta forma de participação; de outro, a emergência de forças políticas, em geral autoritárias, que alimentam e se alimentam do discurso da “antipolítica”. O Bolsonarismo é a expressão desse segundo processo”, afirma.

Este cenário não só desencoraja o eleitorado a participar ativamente das eleições, como também favorece o surgimento de movimentos que se alimentam do discurso da despolitização. Esta crescente desconexão entre eleitores e políticos ressalta a urgência de repensar o diálogo e a confiança entre os representantes e a população.

Gráfico do Instituto Democracia demonstra o nível de confiança da população em políticos

A falta de identificação com os candidatos é um fator crucial, especialmente nas eleições municipais em cidades com menos de 200 mil habitantes, onde não há possibilidade de segundo turno, e coligações acabam prevalecendo, assim, desenhando um cenário onde geralmente há entre dois e cinco candidatos concorrendo. E nessas eleições, os princípios do partido costumam estar em segundo plano, em Bento Gonçalves, por exemplo, o PDT, partido historicamente de esquerda e que carrega em seu logo o símbolo da Internacional Socialista, esteve coligado com a direita em diversas eleições recentes.

Essa baixa variedade de opções, levará o eleitor a escolher o candidato que esteja mais próximo do que ele acredita, ou, a anular o voto em forma de “protesto” por não haver uma figura que o represente de maneira sólida. Este cenário, bastante comum em eleições municipais em cidades menores, já não é o mesmo em uma eleição presidencial ou até mesmo em uma eleição municipal em uma metrópole como São Paulo, onde há pelo menos dez candidatos concorrendo, e por mais que no máximo três tenham chances reais de ganhar, há diversos candidatos com diferentes posicionamentos políticos disponíveis. Logo, nesses casos, o principal motivo para alguém anular o seu voto é a insatisfação ou a falta de interesse em assuntos relacionados a política.

Ilustração (capa): Agência Senado / reprodução