A dependência do telefone celular foi além do Infinity, do Sem Limites e do Sem Fronteiras.
O telefone celular virou o novo apêndice do corpo humano.
Quase ninguém mais é capaz de viver sem esse aparelho de comunicação por ondas eletromagnéticas que permite a transmissão bidirecional de voz e dados utilizáveis em uma área geográfica que se encontra dividida em células (de onde provém a nomenclatura celular), cada uma delas servida por um transmissor/receptor.
Minha afilhada é uma dessas meninas que se tornaram totalmente dependentes do celular. Ela dorme e acorda despertada pelo seu celular. Ela pode sair de casa sem as calças, mas não sem seu celular.
Minha afilhada não escreve mais com lápis no papel, mas com o próprio dedo na tela do celular.
Isso me assusta um pouco.
Dia desses, chamei minha afilhada para uma conversa em particular.
– Oi.
– Oi.
– Pare de mexer um minuto nisso e me ouça, por favor?
– Veja como você é especial, larguei o celular para lhe dar atenção por um minuto.
– Já pensou em carregar um livro no lugar do celular?
Ela fez uma cara de ãh… Continuei:
– Você pode mexer no livro obsessivamente, milhares de vezes ao dia?
– Como assim?
– O livro tem mais cobertura do que essas operadoras todas.
– É mesmo?
– O livro cobre o universo todo.
– Que viagem, tio.
– O livro nunca sai de moda. O livro é a única forma portátil de magia.
– Qual é, pirou?
– E se você não largasse o livro por nada no mundo como faz com o seu celular?
– Dinda, venha correndo… Seu marido endoidou de vez.
Mas eu estava com a bateria cheia e prossegui:
– E se você dormisse ao lado do livro, acordasse com ele, o levasse para o banheiro e para todo lugar?
Ela fechou a cara.
– O livro não se desmancha quando cai no chão.
– Me poupe.
Não lhe dei ouvidos e continuei:
– O livor não fica sem créditos, pega em qualquer lugar e a carga é para a vida toda.
Tentei mudar o argumento:
– Olha só, é o livro e não o cão o melhor amigo do homem: ele não foge de casa, não morde o carteiro e nem pula nas visitas agarrando-se despudoramente às suas pernas. Entendeu?
Pronto, ódio instalado. Ela esbravejou:
– Me deixe em paz, pelo amor de Deus.
Tentei mudar o tom do discurso.
– E se você amasse seus pais como ama seu celular?
– Pronto, esgotou seu minuto… agora chega, por favor.
– Tudo bem, desculpe, me dá aqui um forte abraço.
Ela me pôs a língua. Peguei meu celular e caí fora.
De mais a mais, acho que minha afilhada não precisa de abraços e muito menos dar ouvidos a um sujeito arcaico que ainda usa celular de botão.