A derrubada das árvores começou no centro da área e foi evoluindo para as laterais. Prática é conhecida por chamar menos atenção

Uma obra clandestina derrubou centenas de árvores nativas de uma área considerada de Mata Atlântica. O caso, que veio à tona na quarta-feira, 16 de fevereiro, ocorria sem licença ambiental e de operação, nas proximidades da BR-470, no bairro Santa Rita, em Bento Gonçalves. Segundo avaliação de biólogos entrevistados pela reportagem do Jornal Semanário, esse pode ser considerado o maior desmatamento ocorrido na Serra Gaúcha.

O professor de biologia e presidente da Associação Ativista Ecológica (AAECO), Willian Lando Czeikoski, não conseguiu ir até o local pessoalmente, entretanto, está acompanhando a repercussão por fotos e detalhes encaminhados pelo colega de ONG, Gilnei Rigotto. Ciente da situação, Czeikoski garante que nunca havia visto nenhum desmatamento desta proporção na cidade.

Área de desmatamento é considerada Mata Atlântica

O profissional acredita ser possível que esse seja o maior desflorestamento já ocorrido na região. “Uma vez que, não há registro de desmatamento ilegal nestas proporções. Muita área já foi degrada, entretanto, é feita de forma gradativa, mas em um único local, acredito que este seja o maior”, afirma.

Avaliando, Czeikoski se diz perplexo diante da magnitude do estrago. “Vejo muitas pessoas falando em ‘mimimi’, quando se trata de meio ambiente, mas esquecem que os atuais desequilíbrios climáticos que vemos pelo Brasil e pelo mundo, são fruto de atitudes assim”, alerta.

Avaliando os possíveis danos causados ao meio ambiente, o biólogo aponta que muitas espécies que estavam no local vão ter que migrar para outros lugares, porém, morrendo nessa procura. “Ou seja, o primeiro e principal prejuízo é a diminuição da biodiversidade local. Não houve nenhum tipo de avaliação ou estudo técnico da área, ou seja, simplesmente foi degrada de forma ilegal. Entretanto, sabemos que são espécies nativas, importantes para a manutenção do equilíbrio ecológico. Agora, resta ver o que pode ser feito para recuperar a área”, analisa.

Para tentar reverter ou amenizar o estrago causado, Czeikoski sugere que seja feito um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD). “Isso ajudaria na revitalização e reflorestamento da área. Cabe lembrar que temos diversas espécies exóticas e invasoras, e estás, por não terem predadores naturais, acabam se desenvolvendo melhor em relação as nativas. Portanto, um plano de recuperação deve ser feito o quanto antes, visando sempre espécies nativas do Bioma Mata Atlântica da região”, aconselha.

A reportagem também ouviu o biólogo Augusto Jobim Benedetti. O profissional relata que já tinha visto um caso parecido na Serra Gaúcha, mas nunca em Bento Gonçalves. Dessa forma, considera que esse não é o maior desmatamento da região, mas que está entre os maiores.

Para o profissional, entre os prejuízos causados ao meio ambiente, está a perda da biodiversidade e variabilidade genética. “Bem como espécies da fauna perdem seu habitat, áreas de alimentação, reprodução e descedentação.  Com a movimentação do solo sem um sistema de controle de erosão, ocorre a lixiviação e perda da fertilidade do solo”, avalia.

Benedetti ressalta que não é possível reverter o dano causado, apenas amenizar. “Com reflorestamento da área e programas de proteção e /ou reintrodução à fauna local e de contenção de erosão. Usualmente é exigido pelos órgãos ambientais competentes, um PRAD”, finaliza.

Relembre o caso

Atendendo a uma denúncia anônima, feita por telefone, na quarta-feira, 16, o secretário-geral da AAECO, Gilnei Rigotto, junto com o 3º Pelotão de Policiamento Ambiental de Bento Gonçalves (Patram), se deslocaram até o local, a poucos metros da BR-470. Lá, constaram um desmatamento de 6,5 hectares de Mata Atlântica, sem nenhuma licença.

Na ocasião, um servidor público concursado da prefeitura de Bento Gonçalves se apresentou como o responsável pela obra. Inclusive, assinou a notificação dos fiscais que embargaram a obra.

Rigotto lembra que ao chegar no endereço, encontraram máquinas em pleno funcionamento. “Movimentando terra, com troncos de centenas de árvores nativas. Tenho 16 anos de ONG e nunca vi nada parecido. É impossível estimar quantas árvores foram derrubadas, pois foram 26 mil metros quadrados tombados, virou um deserto de poeira”, garante.

O ativista revela que a entidade está elaborando um documento para ser enviado ao Ministério Público (MP) para confiscar 50% da área, além de um Projeto de Recuperação de Área Degradada. “Espero que o MP e o Judiciário realmente façam algo para que as pessoas parem de falar que não há justiça. Se não tiver justiça, as pessoas vão ficar com essa ideia de que podem destruir o meio ambiente”, alerta.

O comandante da Patram, sargento Vanius Moraes de Souza, conta que ao receber a denúncia, foi despachada uma guarnição, em conjunto com fiscais do Meio Ambiente da prefeitura, até o local. “Ao chegar lá, foi constatado que a referida atividade era desenvolvida sem a referida outorga ambiental”, afirma.

De acordo com o sargento, os agentes observaram a derrubada de árvores nativas a como a supressão de 2,59 hectares de vegetação de estágios médios e avançados de regeneração, além da movimentação irregular do solo.

Por fim, o profissional relata que a fiscalização do município embargou a obra e aplicou questões administrativas. “O fato foi encaminhado já para o MP para investigação, para todo e qualquer desdobramento de investigação dos fatos”, finaliza.

O que a prefeitura diz sobre o caso

A diretora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb), Melissa Bertoletti, esclarece que chegou até o setor, no dia 18 de janeiro desse ano, um anteprojeto, que o próprio Ipurb emitir parecer técnico solicitando documentação necessária para realizar analise.

Entretanto, diferente das informações que chegaram até a reportagem, de que seriam construídos 40 pavilhões na área desmatada, Melissa afirma que o anteprojeto recebido é sobre parcelamento de solo, loteamento. Questionada de quem é a área, a profissional afirma que existe uma matrícula anexa ao processo, onde o requerente é o CNPJ, Loteamento Industrial 470.

Sobre as possíveis penalidades que serão aplicadas aos envolvidos, Melissa afirma que o processo já está no Ministério Público. “Após o processo serão aplicadas as sanções aos responsáveis pelo desmatamento”, garante.

Em relação ao servidor público, a diretora do setor responde que a prefeitura já abriu sindicância para investigar a atuação do mesmo. “O processo está em andamento”, garante.