Desde setembro de 2018,  os estoques de preservativos oferecidos pelas Unidades Básicas de Saúde estão quase zerados; situação acende alerta sobre aumentos nas taxas de DSTs e gravidez indesejada na cidade

Quem pensa em buscar preservativos gratuitos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Bento Gonçalves corre o risco de se deparar apenas com caixas vazias. A exemplo de grande parte dos municípios brasileiros, as 21 UBS da Capital do Vinho estão com seus estoques praticamente zerados devido às quedas nos quantitativos dos repasses do Ministério da Saúde, que já vem ocorrendo desde setembro do ano passado.

Conforme dados da Secretária Municipal de Saúde (SMS), Bento Gonçalves distribui em média 20 mil preservativos mensais, por meio das UBS e também em atividades de conscientização. O último repasse recebido, em maio, foi de apenas 1000 contraceptivos, ou seja, apenas 5% do necessário para suprir as necessidades da cidade.  A situação, no entanto, não é novidade, conforme explica o responsável pela pasta, Diogo Segabinazzi Siqueira. “Desde o último quadrimestre do ano passado temos quedas nos recebimentos. Só em dezembro, fevereiro e maio recebemos algo, mas muito menos que o consumo do município. Em todos os outros meses, não houve repasse algum”, confirma.

De acordo com o Serviço de Assistência Especializada (SAE), responsável pela distribuição dos contraceptivos nas UBS, no momento, não há mais preservativos femininos e restam apenas 2000 sachês de gel lubrificante, enquanto ainda há uma pequena quantidade de preservativos masculinos, sobra da campanha de carnaval.

Segundo Siqueira, enquanto os repasses não forem retomados, a Secretaria de Saúde priorizará os grupos de risco, abastecendo núcleos como o Centro de Testagem e Aconselhamento e Serviço de Assistência Especializada (CTA/SAE). “Vamos seguir fornecendo aos serviços especializado em doenças sexualmente contagiosas, que atendem pacientes com AIDS, HIV e hepatite. Infelizmente, a população em geral terá que adquirir esses produtos”, lamenta. O SAE recebeu um comunicado de que um novo repasse teria chegado a Porto Alegre no dia 11 de junho. O quantitativo deve ser buscado pela 5ª Coordenadoria, embora não existam certezas quanto aos prazos para a redistribuição e nem tampouco se ele estará abaixo do necessário como da última vez.

Mesmo que o município não tenha tido nenhum retorno oficial por parte do Estado ou da Federação, uma das hipóteses para a queda nos quantitativos, segundo Siqueira, pode estar relacionado à empresa responsável pela produção dos contraceptivos, que não estaria dando conta da demanda nacional. A última nota divulgada pelo Ministério da Saúde (MS) sobre o assunto remete a setembro de 2018. Nela, o MS assinala que os atrasos da FBM Indústria Farmacêutica, empresa vencedora da licitação, acontecem desde 2017. “O contrato previa a entrega de 550 milhões de unidades e seria concluído até 30 de julho de 2017. Ocorre que a FBM atrasou todas as entregas em aproximadamente 200 dias”, diz um trecho da nota. Mais adiante, o MS afirma que em 2018 houve uma queda de 6% na distribuição de preservativos.

Falta de preservativo pode aumentar taxas de DSTs

Campanhas de prevenção também sofrem pela falta de preservativos (Foto: Divulgação)

O relatório anual dos dados epidemiológicos sobre a síndrome da imunodeficiência  adquirida (Aids) apresentado pela Vigilância Epidemiológica da Saúde de Bento Gonçalves em novembro de 2018, aponta 15 novos casos registrados na cidade no ano, uma queda representativa, haja vista que a média da cidade já foi de mais de 40 casos. Contudo, nem todos dados do relatório são positivos. Os casos registrados em jovens entre 10 e 19 anos, por exemplo, apresentou uma aumento de 236,2%.

Ademais dos casos de Aids e HIV, a diminuição no uso dos preservativos também fez com que reaparecessem outras doenças, como a sífilis, que teve 337 casos registrados, dos quais 60 em gestantes. “Os casos de sífilis são assombrosos e uma mostra do descuido da população. As taxas já vinham aumentando antes do preservativo desaparecer, imagina agora que não há mais distribuição”, exclama a enfermeira do Serviço de Atendimento Especializado de Bento Gonçalves (SAE), Adriana Cirolini.

Adriana assinala que além da falta de preservativos nas UBS, a queda nos repasses tem dificultado até mesmo as campanhas de prevenção promovidas pelo SAE. “Não temos mais preservativos para entregar. Agora só distribuímos os folders mesmo” brinca.

Gravidez indesejada na adolescência

Recentemente, a reportagem do Semanário apresentou as dificuldades da rede publica de Saúde de Bento Gonçalves para reduzir os casos de gravidez na adolescência, que chegaram a 277 somente nos dois últimos anos. Na matéria, evidenciou-se que a maior concentração se dava nos bairros de maior vulnerabilidade social e econômica, situação que pode ser agravada, como destaca a Coordenadora do Programa Saúde da Criança e Adolescente, Érica Fiorin. “O maior problema é justamente esse. São as famílias com mais dificuldades econômicas que sofrem mais riscos sem os preservativos nas UBS. E isso sem falar nas DSTs”, lastima.

Responsável pelo Programa Saúde da Criança e Adolescente aliado ao Programa Saúde da Mulher, Érica destaca, ainda, que a falta de preservativos também tem comprometido os trabalhos de prevenção realizados pelo Programa junto a alunos do 8° e 9° ano de 21 escolas estaduais e municipais. “Após nossas palestras, a gente dizia que o preservativo era gratuito, que estava disponível nas UBS e todo mundo podia se cuidar, mas agora estamos de mãos atadas. Temos que orientar, mas dizer para comprar. Isso complica”, pontua.