Bento Gonçalves conta com oito entidades em prol da inclusão e acessibilidade do público. Até sábado, o município terá uma programação virtual voltada à conscientização da população

As pessoas com deficiência buscam, cada vez mais, exercer os seus direitos. Elas valorizam a autonomia, a dignidade e a inclusão na sociedade pela igualdade de oportunidades. Aproximadamente 24% dos brasileiros têm algum tipo de deficiência, conforme acusado no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que 45,6 milhões de pessoas precisam de uma infraestrutura especial, pensada para atender suas necessidades. Em Bento Gonçalves, existem oito entidades que trabalham com inclusão desse público. Até sábado, 28 de agosto, o município segue com a 9ª edição da Semana Municipal da Pessoa com Deficiência.

Diferentes dos outros anos em que haviam atividades coletivas, neste serão realizadas ações virtuais. O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comudef), Bruno Garim Soares, esclarece que a tradicional exposição será levada para o meio online. “Cada entidade, governamental ou não, tem um dia na semana para utilizar a página do conselho no Instagram (@comudefrs) e expor”, sublinha.

Dança é uma das atividades proporcionadas a pessoas com Down. Foto: Franciele Zanon

O objetivo das atividades é comunicar à comunidade sobre deficiências, acessibilidade e inclusão, promovendo também a integração de seus familiares em todos os níveis sociais. “Nos consideramos um município bastante a frente, comparado a outros na região, porém sempre pensamos que a principal conscientização vem da barreira atitudinal, que é um dos maiores desafios. A legislação obriga, por exemplo, o proprietário do terreno a fazer calçada e a colocar piso tátil, contudo ainda temos aquele ‘velho problema’ que pessoas param para conversar e impedem a passagem. A conscientização é importante para que não só se tenha acessibilidade, mas que respeitem o uso dessa acessibilidade”, reitera Soares.

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Inclusão no mercado de trabalho

A inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é vista por muitas empresas apenas como obrigação legal. A Lei nº 8.213/91, também conhecida como Lei das Cotas, determina esse público ocupe de 2% a 5% do quadro de companhias com 100 colaboradores ou mais.

Amparadas por uma lei, esse público ganha o direito de ingressar no mundo do emprego. Além disso, conseguem provar que certas limitações físicas não significam baixa capacidade produtiva e que elas são capazes de entregar excelentes resultados. “Isso é um desafio para muitos gestores e empresas. Os empresários, porém, não percebem que promover a inclusão é também uma questão de responsabilidade social, não é apenas cota. O marketing da marca está relacionado a isso”, enfatiza o presidente da Comudef.

Soares pontua algumas regras que fomentam a acessibilidade. “A arquitetônica, sendo o cuidado com obstáculos físicos; a comunicacional, que diz respeito ao diálogo interpessoal; a metodologia, ou seja, treinamentos, plano de carreira, avaliação de desempenho; a instrumental, que são os equipamentos de uso cotidiano, como impressora e computador; programática, que tem relação com regras políticas e de organização; e, por fim, a atitudinal, que é ligada a ações das pessoas”, assinala.

A presidente da Associação dos Deficientes Físicos (Adef), Gislaine Pelizzari, 32 anos, é deficiente desde que nasceu, resultado da síndrome hereditária que atinge mãos e pés, Charcot Marie. Ela trabalha em uma instituição bancária e afirma que é muito bem recebida por todos. “Apesar de alguns olhares, não vejo discriminação. Ainda temos, porém, muitas pessoas que não aceitam o diferente. Somos todos únicos e temos nossas peculiaridades”, enfatiza.

Ela pontua que apesar de poder caminhar, é preciso mais cuidado com as acessibilidades. “Temos muitas calçadas que não são apropriadas para nossa movimentação, não só para a pessoa com deficiência, mas mães com carrinhos de bebê e idosos, por exemplo. Temos dificuldade no transporte público, em que alguns motoristas fingem não ver ou até mesmo não são preparados para auxiliar. Lembrando que a própria calçada ao lado da sede da Adef não é pavimentada, tem grama e é inacessível”, expõe.

Discriminação

Odone Augusto Scarton, 72 anos, é Engenheiro Elétrico de formação. Durante dez anos atuou na General Elétrica (GE), no Rio de Janeiro. “A empresa vendia equipamentos enormes, de alta tensão, para a Petrobras. Para poder energizar o transformador, tem que testar o óleo. A GE Americana, certo dia, mandou uma mensagem para não mexermos mais, pois o óleo era cancerígeno, depois de tanto tempo usando. Após isso, a empresa vendeu os equipamentos para o polo petroquímico da Bahia, onde fiquei durante um ano montando e fazendo manutenções. O problema disso é que produz benzeno, ao cheirar, causa câncer”, relata.

Atualmente, Scarton está curado da doença, porém, como consequência, há 12 anos usa bolsa coletora. Por ser considerado deficiência física, esse recurso é disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Têm muita gente que usa fraldas, mas estou acostumado assim”, comenta.

Em uma das conversas com uma enfermeira, ele foi aconselhado a abrir uma entidade, em que é presidente. Hoje, a Associação Bento-Gonçalvense de Estomizados (Abest) conta com 80 integrantes. Os encontros ocorrem uma vez por mês, nas dependências da Liga Feminina de Combate ao Câncer, no entanto foram suspensos em função da pandemia.
Além da dificuldade de se adaptar a esse novo modelo de vida devido aos cuidados específicos que se tornam necessários, muitos pacientes enfrentam o isolamento e o preconceito. “É meio discriminado, alguns conseguem emprego, outros não. Trabalhei a vida inteira, hoje sou aposentado há muito tempo. Até tentei ainda trabalhar em Bento. Quando olham meu currículo se surpreendem, mas pela idade não contratam”, aponta Odone.

Preconceito velado

Dentre as entidades de Bento Gonçalves está a Associação Integrada do Desenvolvimento do Down (AIDD). A coordenadora social, Cinara Vielmo, exalta que ainda há preconceito. “Está bem melhor, mas tem muito o que trabalhar. Notamos que uma das maiores dificuldades é a escolar, pois não há monitor dentro das salas de aula para a pessoa com Down e as atividades propostas não são adaptadas para eles”, observa.

Dos 55 cadastrados, 34 integrantes são atuantes na associação. Desses, nenhum atua em mercado de trabalho. Sendo assim, a entidade criou o projeto ‘Amor e Sabor’. “Temos uma cozinha, em que pais ajudam na produção e venda de produtos coloniais. A renda é dividida entre todos. Isso ajuda-os a desenvolver autonomia, preparando-os para o emprego”, sublinha.

A entidade dispõe de atendimento com fonoaudiólogo, acompanhamento com assistente social, reforço com pedagoga, dança e ginástica. A partir do mês de setembro terá também hidroginástica.

Foto: Franciele Zanon