Segundo pesquisa, 60% dos trabalhadores formais fazem algum tipo de ‘bico’ para complementar a renda

Muitos brasileiros tem sentido o impacto do aumento desenfreado dos preços no seu orçamento mensal e tem buscado alternativas para organizar as finanças. Segundo pesquisa da Bare Internacional, para conseguir manter as contas em dia, 60% dos trabalhadores formais revelaram que fazem algum tipo de ‘bico’ para complementar a renda.

Em março deste ano, o Brasil registrou a maior inflação em mais de 28 anos. Os preços subiram 1,62%, depois de já terem avançado 1,01% em fevereiro. A taxa só é menor do que a registrada em março de 1994, antes da adoção do Plano Real, criado justamente para conter a hiperinflação. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo divulgado, no último dia 8 de abril, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Os salários, no entanto, não acompanham a inflação. Ainda de acordo com a pesquisa da Bare Internacional, que entrevistou mais de mil pessoas no final do ano passado, 76% dos respondentes afirmaram estar empregados. No entanto, 56% não tiveram nenhum reajuste salarial.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que calcula quanto deveria ser o salário mínimo para a manutenção de uma família de quatro pessoas, em março de 2022, o valor deveria ser de R$ 6.394,76, o que equivale a mais de cinco vezes o valor do mínimo atual, de R$ 1.212.

Outro estudo, do boletim Desigualdade nas Metrópoles, aponta que a renda domiciliar per capita do trabalho nas regiões metropolitanas atingiu R$ 1.378 no final de 2021, o pior nível em 10 anos. Conforme o levantamento, a piora nos últimos trimestres tem sido pressionada principalmente pelo impacto da inflação entre aqueles que ganham mais.

Diante da questão socioeconômica, muitos que trabalham formalmente optam pelo segundo trabalho para ganhar uma renda extra.

Espírito empreendedor

Vitória Heloisa Afonso, 25 anos, atualmente atua como recepcionista. Ela conta que antes da pandemia trabalhava em dois empregos, mas foi desligada de um deles. Sendo a única fonte de renda fixa naquele momento para o sustento da casa, Vitória viu suas finanças ficarem comprometidas.

Para isso, em 2019, criou a Dulce Di Helo, vendendo doces em potes. Hoje, o negócio foca no preparo de refeições prontas. “Perdi um dos meus antigos empregos e queria ocupar o meu tempo livre para fazer algo que me desse um retorno, precisando suprir a falta da renda que eu tinha. Atualmente, resolvi deixar um pouco de lado os doces e investir nas marmitas, onde estou com um início muito próspero, atingindo inúmeros amigos e novos clientes”, relata Vitória.

Segundo ela, a motivação para dar início ao pequeno negócio se deu por unir o prazer de cozinhar e da necessidade de mais um rendimento durante o ano. “Desde pequena sempre gostei de ver minha mãe cozinhar e queria estar auxiliando ela. Com o passar do tempo, fui me aperfeiçoando e testando receitas novas para o dia a dia. Me sentia desafiada em levá-las para os outros provarem, como família, namorado e amigos”, conta.

A jovem menciona que futuramente pretende focar apenas no que começou como ‘extra’. “Hoje em dia os custos de vida estão altos e muitas vezes o salário é um pouco abaixo, sendo necessário um complemento. Com as marmitas já estou garantindo quase a minha renda principal. O que me motiva em um futuro, focar exclusivamente nelas”, comenta.

Trabalho freelancer

Outra maneira de muitos profissionais conseguirem um rendimento a mais no final do mês é realizando trabalhos freelancers (executar uma atividade de maneira independente, podendo prestar serviços a vários empregadores).

Libni Barbosa, de 34 anos, é de designer gráfico, e paralelo a isso trabalha de forma autônoma há 20 anos. “O principal motivo foi para complementar renda, pois no meu caso, contando com o que ganho fixo, com certeza absoluta não dá pra pagar tudo não. Os freelas fazem uma diferença grande no final do mês”, conta.

Segundo emprego

De forma a complementar a renda, a assistente comercial Neusa Locatelli, de 43 anos, faz ‘bicos’ como garçonete desde 2016. “Por ser mãe solteira, uma renda extra foi necessária para cumprir com meus compromissos, uma vez que meu trabalho formal não supria mais minha necessidade”, relata. 

Segundo ela, a busca pelo segundo emprego se deu para conquistar mais qualidade de vida. Ela acredita que somente o salário não supre as contas do mês dos brasileiros. “Se a pessoa não tiver apoio financeiro e precisar manter a família, não é suficiente”, ressalta Neusa.

Uma maneira de alcançar objetivos 

Caroline Rosina, 26 anos, é projetista comercial de estruturas de armazenagem. Atualmente, concilia também o trabalho em dois empreendimentos ligados ao enoturismo. “No primeiro momento o extra foi muito importante no complemento de renda, pois eu estava ingressando no mercado de trabalho e iniciando a faculdade. Se tivesse na época apenas a minha renda principal, teria que cortar alguns gastos. Conforme a evolução profissional, o aumento de renda foi consequência. Hoje, o extra ajuda a pagar as contas e funciona como complemento para guardar e investir para que eu consiga manter a minha qualidade de vida no futuro”, salienta.

De acordo com ela, a segunda ocupação proporciona a conquista de objetivos. “Hoje das pessoas que conheço e convivo, vejo que a maioria tem essa renda complementar para um a mais: para fazer uma viagem, para comprar algo que queriam, até mesmo para festas. Outras tem outra função realmente para salvar o mês. A pandemia impactou no mercado de trabalho e, do nada, o que era extra praticamente virou principal. Por isso e por muitos outros motivos, acho que as pessoas deveriam sempre ter uma receita adicional, pois nunca sabemos o dia de amanhã. Seja para financiar os caprichos, ou sonhos ou pagar as contas”, salienta Caroline.

A jovem aponta que no início os ‘bicos’ funcionavam como renda principal. “Depois comecei a atuar na minha área, mas já estava acostumada a trabalhar. As pessoas, a experiência, o lugar, tudo foi um a mais para eu não deixar de fazer isso. Hoje não é mais apenas pelo dinheiro, realmente gosto e visto a camisa, faço isso há tanto tempo que quando tento ficar em casa descansando, não sei muito como descansar”, conclui.