Em Bento Gonçalves, projeto Maturidade Urbana traz bem-estar, benefícios à saúde e conhecimento sobre a cultura do Hip Hop à cerca de 20 alunos

No último sábado, 29 de abril, comemorou-se o Dia Internacional da Dança. A data foi instituída pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) no ano de 1982 e tem como objetivo, chamar a atenção pela importância da dança e incentivar o apoio de governos de todo o mundo ao ensino desta que é uma das mais antigas expressões artísticas da humanidade. Foi escolhida em celebração ao nascimento de Jean-Georges Noverre (1727-1810), considerado um dos criadores do balé moderno.

Os benefícios gerados pela dança são muitos, desde terapêuticos, culturais, sociais, educacionais e propulsores da atividade física, que auxilia na força, equilíbrio, ritmo e postura. Além disso, essa atividade possibilita conhecer e compreender a diversidade das manifestações culturais, de diferentes povos, aproximando pessoas ao redor do mundo.

Não importa a idade, se movimentar embalado pelo ritmo da música é capaz de transformar a vida das pessoas. Na terceira idade, a dança contribui para um melhor condicionamento físico e mental; ajuda a elevar a autoestima e afastar os sintomas da depressão.

Dança da terceira idade

Em Bento Gonçalves, o projeto Maturidade Urbana, realizado pelo Sesc Bento Gonçalves em parceria com a Prefeitura de Bento Gonçalves, através das Secretarias de Cultura, e Esporte e Desenvolvimento Social, atua em prol da saúde do idoso, realizando aulas de dança urbana, que auxiliam em diversos aspectos.

De acordo com um dos coordenadores do grupo, Guilherme Krema, o projeto não somente ensina ritmos e práticas corporais para a terceira idade, mas também integra os participantes no universo Hip Hop, que geralmente só atinge e envolve pessoas mais jovens. “Através de aulas e apresentações, as atividades promovem mudanças na vida dos participantes, como superação sobre novos desafios, envelhecimento ativo, protagonismo da pessoa idosa, relações intergeracionais e significativa melhoria na qualidade de vida, seja através da dança, que de acordo com Corraza (2001, p. 35) na terceira idade é fundamental para desenvolver os estímulos dos sentidos visual (ver os movimentos e transformá-los em atos), tátil (sentir os movimentos e seus benefícios para seu corpo), auditivo (ouvir a música e dominar o seu ritmo), afetivo (emoções e sentimentos transpostos na coreografia), cognitivo (raciocínio, ritmo, coordenação) e motor (esquema corporal)”, lista.

O lema do projeto, “Hip Hop é mais legal que fazer tricô”, falado no início das aulas por uma participante, exemplifica a superação de expectativa e o impacto da ação, que encanta, cativa e move os organizadores a repensar o lugar que é destinado na sociedade para pessoas idosas.

Krema destaca que nos encontros com o professor contratado e especializado no ritmo breaking, os participantes têm uma hora de aula semanal, onde aprendem passos, com o objetivo de realizar apresentações públicas e gratuitas, organizadas pelo Sesc e o município de Bento Gonçalves. “Uma vez por mês o grupo se reúne para, mediado por profissionais da área, se aprofundar na história do Hip Hop, que além da dança, também compreende graffiti, música rap, moda e outras manifestações artísticas e culturais”, informa.

Além das apresentações, o grupo também realiza visitas e organiza campanhas de doações a instituições que atendem idosos em situação de vulnerabilidade. Krema ressalta a evolução das alunas. “As participantes surpreendem a cada aula, cada uma desenvolvendo um jeito próprio de dançar que encanta e surpreende pelas habilidades desenvolvidas e pela alegria no palco e o compromisso delas com o Hip Hop”, finaliza.

Resultados

Atualmente em seu segundo ano, o projeto Maturidade Urbana está sendo novamente realizado pelo Sesc Bento Gonçalves em parceria com a Prefeitura do município. Desde maio de 2022 o grupo realizou oito apresentações, com destaque, para a abertura da 37ª Feira do Livro de Bento Gonçalves, e a realizada na Batalha da Prova, conceituado evento que acontece na Fluência Casa Hip Hop, em Caxias do Sul.

Além das aulas semanais para aprender a dança breaking, os participantes tiveram: exibições e debates de filmes, visita guiada a exposições, oficina de Graffiti, assistiram espetáculos de dança, e tiveram uma oficina de Rap que resultou na gravação da música “Hip Hop é mais legal que fazer tricô”, produzida em estúdio e cantada pelos participantes do projeto.

Nas redes sociais, vídeos das apresentações já somam mais de 60 mil visualizações. Os participantes do projeto já são celebridades, com suas apresentações sempre lotadas, seja por filhos e netos orgulhosos, integrantes de outros grupos que prestigiam e também a comunidade que sempre se faz presente para assistir.

Portanto, o projeto tem tido cada vez mais reconhecimento, seja no âmbito cultural, circulando com apresentações e atingindo diversas partes do país com vídeos de apresentações; seja no âmbito social, provando que pessoas idosas podem alcançar lugar de destaque dentro de diversas áreas, mesmo as mais improváveis e desafiadoras.

O amor pelo ensino

O professor do projeto, Pedrinho Festa, tem a dança em sua vida desde a infância e trás todo o amor por ela às aulas do Maturidade Urbana. “É mais que uma forma de expressão, ela tem relação com a autoestima e senso de pertencimento, de poder fazer parte de um grupo e mostrar que as alunas podem fazer o que quiserem”, frisa. Desafiar-se também é algo importante, conforme o profissional. “Ao envelhecer, as pessoas pensam que não podem mais realizar coisas do passado, o projeto quebra esse paradigma e as tira da zona de conforto. Sempre com cuidados ao corpo e mente, pois não é simplesmente tentar fazer os movimentos sem ter um estudo, tem que ter técnica”, menciona.

Segundo Festa, no grupo há diversos corpos com diferentes histórias, nos quais ele busca adaptar os movimentos para que sejam acessíveis a qualquer aluna. “Às vezes ensino o mesmo passo de várias formas, assim consigo abranger o maior numero de pessoas para realizá-los. Ao mesmo tempo, temos uma turma super disposta a aprender, apesar de ter desafios, isso ameniza muito e fica mais fácil de trabalhar”, salienta.

Aos interessados em fazer parte do Maturidade Urbana, o professor deixa um recado. “Gostaria de convidar a todos que queiram participar, é só comparecer ao Sesc e fazer seu cadastro, as aulas são às quarta-feira de manhã”, encerra.

Participantes

Dez alunas estavam reunidas na tarde de sexta-feira, 28 de abril, prontas para os movimentos do breaking

A costureira Eleane Kussler, 53 anos é uma das cerca de 20 integrantes do Maturidade Urbana, presente desde a fundação do projeto, em maio de 2022. Ela revela que sua vida mudou para a melhor. “A dança traz benefícios para o corpo e a mente. Melhorei bastante meu condicionamento físico, pois o breaking exige bastante força nos braços. Tenho um tendão rompido no braço direito, bursite nos ombros, placa e cinco parafusos no punho esquerdo, entre outras condições. Aprendi com a dança, a fortalecer a musculatura e aliviar algumas destas condições”, revela.

Além disso, em seu dia a dia, a flexibilidade e força voltaram a funcionar. “Hoje consigo apoiar peso do corpo nos braços. Essa melhora não foi só para mim, mas para todas as mulheres do grupo”, afirma.

A secretária de escola aposentada, Nilza Garbin, 57 anos, começou a frequentar o projeto no final de 2022, época em que o grupo estava focado na realização de uma apresentação de final de ano. “No ínicio, eu não tinha conseguido me enturmar, até nem fui em muitas aulas. Mas em 2023 tudo mudou e estou entrando nesse mundo do Hip Hop”, conta.

Nilza sempre gostou de dançar e quando era mais jovem, frequentava baladas com a irmã. “Mas ainda não conhecia o breaking e nem imaginava que ia dançar isso. Na verdade, acho que algumas pessoas têm até um certo preconceito com o estilo, porque é uma dança de rua. Mas estou vendo que não tem nada a ver”, ressalta. Além disso, ela elogia o trabalho do profissional que está com ela em todas as aulas. “O professor Pedro é ótimo e leva muito a sério. Quando uma aluna se queixa de dor, ele fica preocupado e nos dá conselhos”, completa.

Para ela, a dança lhe faz bem, tanto para o corpo quanto para a mente. “Me solto e vou entrando no mundo do ritmo. Estou achando bem interessante e conversei com umas amigas que dizem que se sentem ótimas. Na verdade, a gente está lá pra se divertir e eu quero me superar, porque assim estou vendo que consigo dançar algo que não imaginava”, conclui.

Ana Neri Girardi Eitelven, 67 anos, foi uma sas participantes que emprestou sua voz para a música Hip Hop é mais legal que fazer tricô”, ela conta como o projeto influencia em sua vida. “Minha saúde melhorou, pois me exercito e me sinto mais leve. Além disso, estou ao lado de companhias agradáveis e divertidas, que só me trazem coisas boas”, diz. E completa ressaltando o apoio da família. “Quando eu me apresento para meus netinhos, eles ficam surpresos e acham muito legal eu estar dançando Hip Hop”, lembra.

Iride Gasparin Lucchini, 75, revela que gosta de estar ativa, portanto, participar de algo tão diferente eleva sua autoestima. “Amo me apresentar e me exibir, algo que quando eu era adolescente não tive a oportunidade de realizar”, vislumbra.

Para a mais velha do grupo, Neiva Dal Pra, 82 anos, o projeto é uma forma de sair de casa e fazer algo diferente. “Para mim a dança é tudo, gosto muito de me exercitar e aqui me sinto feliz”, valoriza.

Fotos: Cláudia Debona