A avó, figura sempre presente na vida do neto, era realmente uma figura: -Te cuida, nene, que lá no Alfredo Aveline é muito frio. É capaz de tu pegar uma pulmonia. A avó, figura sempre presente na vida do neto, era realmente uma figura: -Te cuida, nene, que lá no Alfredo Aveline é muito frio. É capaz de tu pegar uma pulmonia.
-“Pneumonia”, vó!- corrigiu ele.
-Tu é professor e não sabe que pulmonia é doença do pulmão?
-Não, vó! Acontece que pneumonia vem da palavra…
-Pneu, né! Aquilo que tu tem embaixo da caminhonete.
-Pra dizer a verdade, não é só embaixo da caminhonete. Olha aqui um pneuzinho – disse ele apontando para a própria cintura.
-Querido, tu é belo, belo, belo! Só não tem a minha experiência. Eu vi muita coisa nesta vida… E o que não vi, ouvi: Hitler, a Guerra, a bomba atômica, o suicídio de GetúlioVargas, a morte de Kennedy, o… o… aquele que começa com palavrão… que construiu Brasília…
-Kubitschek! Caramba, vó! A senhora se lembra de tudo isso?
-E lembro também do primeiro filme que assisti, em 1939. Eu tinha 11 anos e trabalhei que nem “loca” na lavoura pra meu pai me deixar ir ao cinema, no domingo. Estava passando “E o Vento Levou”. Me apaixonei pelo Oscar Gable.
-Não é “Oscar”. É “Clark”. E “Gable” se lê “Guei-bol”, entendeu, vó?
-Ele não era “guei” (gay) coisa nenhuma! Que teimoso este meu neto!
-Tá bem, vó! Deixa assim. Não vamos discutir o sexo dos anjos.
Discussão encerrada? Nem pensar! Agora que o clima esquentaria.-Nene, não fala putaria, que Ele tá ouvindo… – aconselhou a avó, apontando para cima – Os anjos não fazem sexo.
O neto resolveu provocar:
-Como é que a senhora sabe?
-Porque… porque… porque é assim. E ponto final.
Mas, de repente, a velha senhora começou a encasquetar. Em seus noventa anos de vida, era a primeira vez que sentia a pulga atrás da orelha. Rememorou nomes de anjos: “Gabriel, Miguel, Rafael, Samuel…” Por que não tinha anjas? E como uma coisa leva à outra, lá foi o pensamento para um passado distante… O marido, com quarenta anos, ela, com um pouco menos. Ele, mandão, ela… Na verdade, ela nunca fora muito conformada. Às vezes, até usava a “mêscola” da polenta para garantir seu direito de discordar. Por conta dessa “rebeldia”, numa ocasião, ele buscou na Bíblia uma forcinha, e não é que a encontrou?! Ao abrir aleatoriamente o livro sagrado, o salafrário botou os olhos num versículo que dizia que as mulheres deveriam ser submissas aos seus maridos. “Che cosa brutta”, pensou com seus botões. A história da humanidade mostrava o feminino encolhido.
-Sabe, nene, até a religião tem suas preferências… Por que não tem mulher padre?
-He, he! Minha vó, feminista! Gostei de ver! Bom, padre é sacerdote, então a mulher nessas condições seria sacerdotisa. Se bem que no antigo Egito, sacerdotisas eram concubinas…
-Dio, nene, tu sempre dando aula…  Vai ensinar pros teus alunos, vai!
Ele saiu, ela sorriu: “Eu queria ver o nono – que Deus o tenha – confessando pra uma sa… sa… as… pra uma mulher padre…”