Moradores do município relatam a situação atual de UBS’s. Segundo a Secretaria de Saúde, medidas estão sendo tomadas para solucionar problema. Presidente da Associação Médica de Bento aponta possíveis soluções

A cidade de Bento Gonçalves é conhecida por excelência em saúde. Há cerca de três meses, uma pesquisa do Conselho Municipal de Secretarias de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems) divulgou o ranking do Índice Sintético Final (ISF) do programa “Previne Brasil” do Ministério da Saúde. Nele, entre os municípios com mais de 100 mil habitantes do estado, Bento Gonçalves ocupa a primeira posição.

Nos últimos meses, porém, a falta de atendimento pediátrico na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) 24h ocasionou preocupação da população e motivou a busca por contratação emergencial de novos médicos para o município. Além disso, a escassez de médicos em alguns postos de Bento tem sido motivo de reclamações por parte dos cidadãos.

Segundo o aposentado Reinaldo Alaor Rodrigues, morador do Zatt, na Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro só há um médico. “Ele está muito sobrecarregado, porque além de atender o bairro, tem o Novo Futuro, onde devem morar cerca de 400 famílias. Isso não é justo, como é que fica a qualidade de atendimento?”, indaga.

Rodrigues explica que o atendimento acontece diariamente, mas ele e seus vizinhos relatam fila demorada e espera, além da dificuldade quando há feriadão nas UBS’s. “A gente tem que ir lá na UPA e fica horas e horas esperando atendimento. É isso que está muito precário, que faz perder a qualidade”, expõe.

A moradora do bairro Ouro Verde, Celia Debortoli, declara que para ela tudo está funcionando bem, mas atualmente está faltando médicos. “Tinha um que ficou mais de um ano, aí ele foi embora e agora a gente está sem. Vem um profissional uma ou duas vezes por semana, mas é pouco”, relata.

Celia afirma que por ter só um médico, marcar consulta está mais demorado do que anteriormente. “Começou [o problema] já fazem cerca de três meses. Depois que o doutor foi embora daqui, que era um ‘baita médico’, estamos nessa situação. Tem bastante vizinhos reclamando”, conta.

Sobre a estrutura da unidade do bairro e os trabalhadores de saúde do local, ela garante que está tudo ótimo. “As enfermeiras, a chefe de enfermagem, são muito queridas. Disso não posso ter queixa. De resto, para mim está ‘show de bola’, perfeito”, destaca.

Já no Vale dos Vinhedos, a aposentada Clarice Bertamoni Festa aponta que há apenas um único dia na semana para marcar consultas. Além disso, o atendimento apenas é realizado depois de sete dias, pois só há uma médica. “Há alguns dias eu estava com uma gripe, fiquei mal e não me atendiam, aí perguntei como a gente liga e eles não atendem. Me falaram que só é atendido na quarta-feira”, narra.

Segundo Clarice, já faz tempo que a situação ocorre, desde o início da pandemia. “Antes tinha mais vezes. Até as próprias pessoas no posto dizem que precisaria ter atendimento todos os dias porque o Vale é grande. Os vizinhos reclamam da mesma coisa”, realça.

A aposentada menciona que encontrou um nódulo em seu corpo e foi procurar atendimento médico. “Fui lá e disseram que precisa marcar para quarta que vem. Eu disse que gostaria de ser atendida de imediato, pois até amanhã poderia acontecer alguma coisa comigo. A médica me atendeu, muito querida e me mandou fazer os exames”, salienta.

O que diz a Secretaria de Saúde?

Conforme a secretária de Saúde de Bento, Tatiane Misturini Fiorio, no interior, devido à demanda menor, o atendimento é realizado, conforme a localidade, algumas vezes na semana. “Quanto às unidades de saúde da área urbana, dois médicos foram chamados para servir ao quartel, diante disso já foi solicitado à empresa a substituição desses profissionais. Isso já será realizado”, garante.

De acordo com Tatiane, a prefeitura trabalha com o processo seletivo para contratação de novos médicos plantonistas para atender a UPA. “Os profissionais estão na fase de apresentação da documentação. Nas unidades, as demandas, quando existentes, são supridas pela empresa responsável”, esclarece.

Para sugestões e reclamações, pode-se entrar em contato com as responsáveis pelas unidades de saúde, diretamente na Secretaria Municipal de Saúde ou através do telefone 0800 979 6866, da prefeitura.

Do lado de dentro dos consultórios

Sobre o motivo da falta de médicos para suprir a demanda na rede pública, o presidente da Associação Médica de Bento Gonçalves (Ameb), Rodrigo Casagrande Tramontini, afirma que existem várias possíveis respostas e vários ângulos a serem analisados. “Na nossa visão, o principal é que o serviço público deixou de vincular o médico aos usuários do sistema. Os profissionais não possuem carreira estável e remuneração justa e são contratados através de empresas terceirizadas. Dessa forma, não se vinculam à comunidade e estão sempre de passagem. Compreendemos que essa modalidade de contratação é decorrente da carência crônica de recursos públicos, mas ela certamente não favorece a população”, acredita.

Sobre o desgaste e excesso de serviço, Tramontini enfatiza que obrigar o médico a ter produtividade na forma de número de atendimentos, sob baixa remuneração e com sobrecarga de trabalho significa acelerar as tarefas e perder qualidade no serviço. “Ficar sozinho atendendo muitas pessoas sob estresse, sem suporte de exames, de outros colegas e de profissionais mais experientes para trocar ideias, é muito difícil e desgastante”, frisa.

O médico argumenta que cuidar de pessoas exige conquistar confiança e respeito mútuo, ter tempo para ouvir e extrair da conversa os elementos necessários para o tratamento e diagnóstico. “O poder público precisa priorizar a qualidade do atendimento e parar de pensar em números para que possamos retomar esse cuidado adequado. Não podemos atribuir ao médico a responsabilidade pelas deficiências do sistema“, sustenta.

Para o presidente da Ameb, o serviço público deveria ter um plano de carreira, como existe em várias outras profissões ligadas ao Estado. “Precisamos, acima de tudo, deixar de degradar a assistência médica pública usando licitações incapazes de propiciar o atendimento que todo cidadão da nossa comunidade merece”, conclui.