Até o ano passado, educandário era regido pelo governo estadual. Com a municipalização, que ocorreu no início desse ano letivo, colégio passou a ser administrado pela prefeitura de Bento Gonçalves. Outra novidade é que o Jardim A e B contam com atendimento em turno integral

Não há um levantamento documental, mas estima-se que a Escola São Valentim, localizada no interior de Bento Gonçalves, tem aproximadamente 110 anos. Até o final do ano passado, o espaço era administrado pelo governo estadual. Entretanto, no começo desse ano letivo, passou por um processo de municipalização. Ou seja, agora o educandário é regido pelo poder municipal. Com a mudança, toda estrutura de ensino foi modificada, visando qualificar ainda mais a educação ofertada aos alunos.

A nova diretora, Marilei Anderle, explica que a mudança foi grande: desde a nova mantenedora até a contratação de novos docentes. “Até o final de dezembro, era uma escola estadual, mantida pelo Estado do Rio Grande do Sul, então era a 16ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) que regia, com professores e direção da rede estadual. Agora, começou a ser regida pela Secretaria Municipal de Educação, com profissionais do município”, esclarece.

A decisão de realizar essa mudança, segundo Marilei, se deu porque o estado não tem mais intenção de administrar o Ensino Fundamental, principalmente as séries iniciais. Os motivos são vários, mas um deles é o baixo número de alunos, obrigando a multisseriar as turmas, o que já vinha acontecendo na Escola São Valentim. “Aqui só tinha uma turma funcionando, do 3°, 4° e 5° ano, todas juntas, na mesma sala. Eram 17 alunos de séries diferentes, com uma professora”, afirma.

As classes multisseriadas são uma forma de organização no qual o profissional trabalha no mesmo espaço, com diferentes séries, simultaneamente, tendo que atender estudantes de idades e níveis de conhecimentos diferentes. O baixo número de alunos da zona rural, a dificuldade de locomoção e, muitas vezes, a falta de professores, gera a adoção dessa forma de trabalho no país.

Entretanto, Marilei não considera esse método positivo para a educação dos alunos. “Além de desmotivar as crianças, também faz com que acabem não tendo a mesma qualidade. Gerava uma sobrecarga de trabalho para o professor e fazia com que a comunidade optasse por não colocar os filhos nessa escola. Só quem realmente tinha necessidade, em função de não ter condições de arcar com transporte escolar que acaba matriculando aqui”, pontua.

Com a municipalização, um dos acordos feitos foi o de não trabalhar mais dessa forma. “A secretaria de educação manteve o que acordou com a comunidade. Iniciamos o ano letivo com turmas de quatro, cinco alunos. Hoje, já temos algumas um pouquinho maiores”, assegura.

Para Marilei, essa mudança é vista como um novo começo para o educandário. “A escola não fechou, mas ao mesmo tempo, fechou enquanto Estado e reabriu enquanto município. É um recomeço”, afirma.

A secretária Municipal de Educação, Adriane Zorzi, alega que a municipalização foi uma das medidas tomadas para acolher a demanda daquela região, que tem apresentado crescimento significativo. “O processo de troca acontece quando a rede municipal necessita de mais espaço para atender a demanda de alunos novos e a rede estadual tenha interesse em transferir um prédio escolar que está com poucos alunos ou em vias de fechamento. Este processo dá agilidade ao atendimento de mais alunos”, garante.

Municipalização aproxima e facilita

Na avaliação da diretora, a municipalização facilita na resolução de adversidades, já que direção e comunidade estão muito mais próximas da mantenedora. Além disso, é positiva também para questões pedagógicas. “Dentro do organograma do Estado, a chefia está bem mais longe para chegar no aluno dentro da sala de aula. Sendo escola municipal, conseguimos explanar problemas pedagógicos, sejam causados por dificuldade de aprendizagem da criança ou pedagógica do próprio professor. Com a assessoria muito mais perto, as possibilidades de solução também acontecem de forma e ritmo mais acelerado”, alerta.

A título de exemplo, Marilei cita o período em que atuava como diretora do Instituto Estadual de Educação Cecília Meireles, que foi atingido por um raio. “Tive total apoio do professor Leonir Razador, na época, enquanto coordenador da 16ª CRE, mas tudo era muito longe, porque para a gente representar o tamanho real do problema, tínhamos que ir toda hora para Porto Alegre para conseguir a solução. Por mais que o Estado tenha a coordenadoria aqui, os poderes dela também são limitados, não são de forma direta como é dentro de uma secretaria municipal de educação, onde temos contato direto tanto com a secretária como muitas vezes com o próprio prefeito”, argumenta.

Nova estrutura educacional

A Escola São Valentim está atendendo Jardim A e B em turno integral, além do 1°, 4° e 5° ano. Cada classe foi aberta por motivos específicos. A 1ª série foi devido ao movimento de algumas famílias da comunidade. “Pessoas daqui viram que municipalizou, que já tinha outra perspectiva enquanto escola, que não era mais aquela de reduzir custos como estava acontecendo com o Estado. Então, a Secretaria abriu essa turma, mesmo com poucos alunos”, pontua.

Escola atende Jardim A e B além de 1°, 4° e 5° ano

Além disso, também há 4° e 5° ano, para continuar atendendo alunos que já pertenciam à escola quando ela ainda não era da rede municipal. “Foi dado o direito de permanecerem aqui, então foi aberta essas turmas para eles”, salienta.

O colégio tem capacidade para atender até 100 estudantes. Até quarta-feira, 6, já haviam 46 alunos. Novas matrículas chegam todos os dias. “A gente percebe que pessoas aqui da comunidade ainda não trouxeram seus filhos pelo fato de já ter iniciado o ano letivo em outra escola e por não terem o conhecimento de que ela estaria reabrindo dessa forma, com essa organização. Várias pessoas já nos procuraram e nos falaram que ano que vem vão trazer as crianças para cá. Isso dá uma motivação bem especial enquanto direção”, orgulha-se.

Como há vagas sobrando, o educandário está aceitando matrículas de estudantes que não pertencem ao zoneamento. “Além dos alunos de São Valentim, temos alguns de Tuiuty, do bairro São Roque, do Universitário também. Foi uma escolha que as famílias fizeram para que as crianças estejam estudando aqui. Me sinto prestigiada, porque estão acreditando no meu trabalho e no da minha vice-diretora, Carine Mello”, comemora.

Profissionais ligados ao distrito

Marilei tem uma forte ligação com a comunidade. Nasceu e viveu por 30 anos em São Valentim. Além disso, a escola onde assumiu a missão de atuar como diretora já era um lugar familiar e cheio de boas recordações, afinal, foi justamente nela que foi alfabetizada. “Estudei aqui da 1ª a 4ª série. Meus irmãos também estudaram aqui, na Educação Infantil”, afirma.

A família dela ainda tem raízes no distrito. O pai, já falecido, trabalhava como agricultor. A mãe e um dos irmãos continuam residindo por lá, mas é o marido quem cuida das parreiras. “Moramos em Faria Lemos, mas é ele quem vem aqui fazer todo o trabalho. Estou praticamente em casa”, garante.

Embora já tenha experiência com a direção escolar, Marilei havia decidido dar um tempo desse cargo. Entretanto, a mudança não durou muito tempo. A pedido da família, que acredita nela e no processo de municipalização, decidiu encarar a oportunidade.

Como a escola atende em turno integral, os alunos fazem várias refeições lá mesmo. A merendeira Marines Buffon Gioriatti é uma das responsáveis pelas elaborações dos alimentos. Moradora de São Valentim, ela também já tinha vínculo com a escola, antes mesmo de se tornar funcionária, por isso, nutre grande carinho pelo ambiente. “Minhas filhas estudaram aqui no Jardim A e B, na época que era estadual”, conta.

Marines começou a trabalhar como merendeira na escola onde as filhas estudaram

A família de Marines sempre foi parceira e apoiadora do colégio. O marido era integrante do Conselho de Pais e Mestres (CPM), auxiliando em várias melhorias e demandas. “A gente sempre ajudou. Essa escola é muito antiga, tem mais de 100 anos, então o assoalho apodreceu, tinha uns buracos, tínhamos medo que as crianças caíssem, se machucassem, então foi tudo retirado e preenchido com pedra. Os colonos traziam com trator, depois colocaram bastante brita e refizeram o piso em toda escola”, finaliza.

Expectativa de avançar no aprendizado

O ano letivo na “nova” escola começou há poucos meses. Entretanto, nesse curto período, a diretora já observou que alguns alunos estão com dificuldade na aprendizagem. “Inclusive, algumas circunstâncias causadas em função da pandemia, desse distanciamento da escola, principalmente com as séries dos maiores, percebemos algumas lacunas. Então, a expectativa é que a gente consiga encontrar recursos pedagógicos. Esperamos que eles consigam concluir o ano letivo com esse sabor de que a aprendizagem é importante, faz bem para nossa vida, nos melhora enquanto pessoa”, conclui.