Forçados a sair de sua terra natal em busca de oportunidades e direitos básicos, os imigrantes chegam no Brasil e, muitas vezes, o que encontram ao chegar é bem diferente daquilo com o que sonhavam. Preconceito, empecilhos ao alugar uma casa, difícil acesso às políticas públicas e empregos precários. Para discutir esses problemas e apontar soluções, acontece o 1º Seminário Municipal de Migrações Recentes em Bento Gonçalves, que aconteceu na Casa das Artes, dia 10.

Uma das pessoas que contribuiu com o debate foi Vanessa Moojen. Ela é assistente social e atua no Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias do Sul. A organização é vinculada a uma congregação religiosa e não conta com ajuda pública. No local, segundo ela, dos cerca de 50 imigrantes atendidos semanalmente, aproximadamente 10 são residentes de Bento Gonçalves. “Mais de 90% dessa população veio por migração forçada. Foram obrigadas a saírem do seu local de origem em busca de uma vida digna e acesso às suas necessidades básicas”, diz.

Segundo a profissional, a principal dificuldade é, realmente, os imigrantes terem sua história de vida valorizada. “Muitas vezes, eles acabam sendo vistos como cidadãos de segunda categoria pelos serviços públicos. Quando chegam no município têm muito a contribuir. Além da sua força de trabalho, agregam conhecimento, cultura. Mas infelizmente, até no ambiente de trabalho é muito difícil”, destaca.

Vanessa ressalta ainda que há a Lei da Migração, aprovada ainda em 2017, que trouxe garantia de igualdade aos benefícios a quem vem de fora, porém ainda falta sensibilização e capacitação para quem trabalha nos órgãos públicos. “A gente vê que, muitas vezes, são vítimas de exploração porque são migrantes, ficam com todo trabalho pesado. Quem mais sofre ainda são as mulheres, pela questão de gênero. As pessoas vêm para cá por diversas questões. Os venezuelanos já são reconhecidos como refugiados pela grave violação aos direitos humanos. Haitianos e senegaleses vêm pelas questões ambientais”, explica.

Em Bento Gonçalves, o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), através do Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (NEABI) do IFRS Bento Gonçalves, trabalha com a população indígena e negra (incluindo os imigrantes) dentro do campus para que os alunos se sintam realizados e para que sua identidade seja respeitada, como explica Sirlei Bortolini, que faz parte do Núcleo.

De acordo com ela, eles achavam que chegariam aqui e teriam emprego, moradia gratuita e não encontraram o que estavam buscando. “Chegam no Brasil e não têm orientação. Essas políticas que foram criadas, mas não foi dado o respeito real que eles precisam. Muitos falam até cinco línguas. Essas pessoas estão sendo deixadas de lado, ninguém dá importância”, diz.
Para Sirlei, muitos não estão conseguindo se empregar, pois têm dificuldade com a língua portuguesa. Com o intuito de ajudar essa população, desde 2015, o IFRS oferece o curso de português para imigrantes. “Ano passado formamos 180 haitianos. Este ano já temos 100 para ser formados. Para 2020, já estamos com 100 pessoas na lista de”, valoriza.

Legislação é falha

Para o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisador sobre temas ligados à migração, Gustavo Pereira, o Brasil vive um contexto um pouco tenso, pois tem uma legislação considerada razoável para migração e refugiados, mas o cenário político brasileiro vem acompanhando algumas medidas que ele vê como retrógadas em relação aos direitos humanos. “Muito disso envolve informação a respeito do termo migratório, que é refém do senso comum e análises descontextualizadas da realidade”, observa.

Pereira afirma que um dos desafios é cumprir o que a legislação prevê. “Sempre se emperra no excesso de burocracia, na dificuldade do olhar da população em geral para a vulnerabilidade dessas pessoas. Se faz necessária uma atuação mais presente da política brasileira e internacional, para ter uma sensibilidade maior com o tema. O que a gente tem visto é que existe uma política um pouco improvisada sobre isso”, declara.

Para ele, essa falta de preparo faz com que o imigrante em situação e vulnerabilidade seja visto ora como vítima e ora como suspeito. “Isso vem dificultando bastante o trabalho das entidades que atuam na acolhida migratória e faz com que ressurja uma tensão cada vez maior”, finaliza.

Fotos: Elisa Kemmer