Apicultores da região notam que todas as suas colmeias estão mortas. Entenda os motivos

Denúncias de mortandade de abelhas começaram nas últimas semanas, vindas de apicultores do interior, mais precisamente na região do 40 da Leopoldina. Esses insetos que possuem o corpo dividido entre cabeça, tórax e abdome. Suas funções olfativas e auditivas bem desenvolvidas se dão através do par de antenas que carregam. Além do mais, são insetos extremamente inteligentes que desenvolveram sua própria sociedade. Ela, é dividida em castas e as colônias podem ter até 80 mil abelhas, sendo em sua maioria os operários, uma rainha e o restante zangões e todos eles têm a sua função bem definida. A rainha é uma abelha maior que as operárias e responsável pela fertilização da colmeia; já as operárias são responsáveis por todo o trabalho, e os zangões servem para fecundar a rainha e morrem após o ato.

Perdas estimáveis

O apicultor Claudio Roberto Fedatto trabalha com abelhas há mais de 40 anos e relata sobre a trágica surpresa que teve há cerca de um mês. “Há algumas semanas comecei a notar que minhas abelhas estavam morrendo, eu tinha por volta de 35 colmeias e não sobrou nenhuma. Quando morava na fronteira, na Região das Missões, a mortandade de abelhas não ocorria, já que a maior plantação lá é de soja, mas desde que eu vim para Bento noto isso frequentemente”, relata.

Ele acredita que o que está causando as mortes são os agrotóxicos usados nas plantações, não somente ele, mas o seu uso impróprio. “Esse veneno na verdade é usado para pérola da terra, que é o mesmo que utilizado nesta época do ano. Ele não é proibido, mas o uso incorreto dele causa este tipo de situação. Eles, ao invés de colocarem o veneno diretamente no chão, colocam por cima na vegetação. A abelha, então, entra em contato com as folhas e flores contaminadas e é envenenada. Isso é recorrente, todos os anos têm acontecido”, acredita Fedatto.

Em uma das caixas, era possível enxergar o laminado cheio de abelhas mortas já secas, ele explica o porquê. “Essas aqui trouxeram o veneno, morreram todos os filhotes. Toda família está morta. Quando acontece delas morrerem envenenadas, a rainha é a primeira. Porque elas alimentam a rainha e no momento que ela morre, a colmeia fica inútil. Sem falar que o comportamento delas, quando estão envenenadas, é muito diferente. Elas enlouquecem, brigam entre si”, lamenta.

Fedatto tem a habilidade de notar o conhecimento de suas abelhas, porque estuda muito a respeito. Ele as considera seres extremamente inteligentes e explica o porquê. “A abelha, de todos os seres que fazem parte do planeta, para mim são as mais inteligentes que tem. Elas conseguem prever onde tem mel, elas enxergam ele e então elas voltam para caixa, fazem uma dança e nessa dança é onde estão as coordenadas para encontrar o mel”, acrescenta.

Agora é necessário fazer a limpeza das caixas antigas para renovar o ciclo. Foto: Renata Carvalho

A beleza em fazer aquilo que amamos

Mas o amor que o apicultor tem por suas abelhas é maior que qualquer coisa, portanto, desistir não é uma opção. “Na terça se instalou uma colmeia nova aqui. Mas acho que estão perdidas, porque não é época do ano para fazer isso. Mas amo essa habilidade, é uma paixão, claro, além do prejuízo. Já era para ter parado ano passado, mas não consigo. Para ter ideia, já chegou um enxame novo para cuidar, e vou fazer todo o trabalho de novo. Amo esta atividade, já faz 40 anos que faço isso. Quando tem várias abelhas na minha volta ou estou no meio delas, isso é o meu remédio”, realça.

“Chegamos lá e estavam todas mortas”

O casal de agricultores Odacir e Iliane Giordani sempre tiveram as abelhas para o consumo próprio do mel, e consideram isso um hobbie. Há mais de quatro décadas eles cultivam os pequenos e inteligentes insetos que provém um doce tão amado. “Faz 40 anos que nós cultivamos o próprio mel, nunca vendemos, às vezes a gente dava para um amigo ou outro, porque dá muito mel. Mas pretendemos seguir com as abelhas, vamos limpar as caixas para ver se elas entram e começar tudo de novo. Mas por agora teremos que comprar nosso mel. E aí não temos como saber das procedências, se é natural”, comenta Iliane.

E ainda explica como foi que descobriu que eles não possuíam mais suas abelhas. “Nos informaram que muitas abelhas tinham morrido e perguntaram se as nossas estavam bem, e até dizemos que estava, porque não tínhamos ido ver elas ainda. Chegamos lá e estavam todas mortas. Tínhamos um balde de abelhas, oito caixas, é difícil precisar com exatidão quantas existiam, mas eram muitas”, conclui Iliane.

Giordani revela como é o processo de criar as colmeias e qual motivo ele acredita que seja responsável pela morte das abelhas. “Durante o verão nós deixamos as caixas espalhadas pelo campo para elas virem, e depois no inverno colocamos em um lugar mais seguro, infelizmente não temos muito o que fazer, é a vida. Dizem que são os produtos que passam, mas acredito que sejam os não legalizados, eles pegam de fora e resolvem o problema deles”, lamenta.

Ele ainda levanta um questionamento a respeito de algo que vem notando nos últimos anos. “Uma coisa curiosa é que não se vê mais tantas abelhas. Antigamente a gente estava no campo e passava três enxames por dia, agora tu custa a ver um”, relata fascinado.

“Faça um desaforo para mim, mas não para um enxame de abelhas”

José Longhi fez seu curso de apicultor há 45 anos. Sua grande paixão são as abelhas e por isso ele as cultiva. Porém, a mesma história se repetiu nas terras do apicultor, pois suas abelhas também morreram. “Vai fazer uns 20 dias que eu notei que elas estavam morrendo, até perto de casa tinham dois enxames que estava mantendo ali para pegá-las, mas morreram também. Eu perdi o total de dez caixas, fora a das árvores”, lamenta.

Sua paixão por elas, faz até mesmo o medo ficar em segundo plano. “Faça um desaforo para mim, mas não para um enxame de abelhas. Eu gosto de estar perto delas, ia colher sem nenhuma roupa específica para isso, não tenho medo. Deixem que elas piquem, em mim nem incha mais, fica só uns furinhos pequenos”, finaliza.

Quando Iliane e Odacir Giordani chegaram, as abelhas estavam mortas e o mel seco. Foto: Renata Carvalho

Possíveis causas

A Secretaria de Agricultura do Estado (SEAPI) é o órgão que é ativado nestas situações, Vinicius Grasseli é agrônomo e explica quais são as possíveis causas destas mortes. “A mortalidade pode ocorrer por diversos fatores. A suplementação de alimento inadequada, a ocorrência de doenças ou parasitas e a exposição aos agrotóxicos podem promover o enfraquecimento ou a mortalidade de colmeias. Assim, a Secretaria da Agricultura do Estado (SEAPI) busca avaliar a origem da mortalidade através da visita na propriedade, preferencialmente acompanhadas por um Agrônomo e um Veterinário”, relata.

Além disso, o agrônomo indica apiários para que se evite a morte em excesso destas abelhas. Entretanto, em momentos de calor ou frio extremos estas mortes também podem ocorrer, e ainda explica qual o problema dos agrotóxicos. “Quanto ao uso de agrotóxicos, a SEAPI também realiza fiscalizações de uso, visando orientar produtores quanto o uso correto dos produtos, buscando coibir o uso incorreto e ilegal que possa estar ocorrendo. Já houve casos de o próprio apicultor usar agrotóxico de elevada toxicidade para abelhas, por desconhecimento e falta de orientação na aquisição do produto. São casos isolados, mas que ocorrem. Atualmente a SEAPI não possuí recurso para análise de resíduo de agrotóxicos em abelhas, que visaria comprovar se a contaminação por defensivos agrícolas foi a origem da mortalidade, cabendo ao apicultor custear a análise, caso tenha interesse. No ano de 2022, nos municípios atendidos pela Inspetoria de Bento Gonçalves, foram identificadas seis amostras de insetos contaminados com fipronil, um inseticida com alta letalidade para abelhas”, orienta.

E finaliza explicando como o órgão ajuda estes apicultores, sendo muito importante entrar em contato com a organização nestas eventuais situações. “A nossa melhor forma de agir é buscar identificar e coibir o uso inapropriado de agrotóxicos. Muitas vezes as mortalidades de abelhas não chegam ao conhecimento da SEAPI, pois o produtor de mel não quer informar a suspeita de uso ilegal de agrotóxico para evitar desentendimento com o vizinho que possa ter utilizado o produto”, finaliza.

A importância das abelhas

As abelhas são fundamentais para diversos processos que ocorrem no planeta já que eles são responsáveis pela polinização das plantas. A bióloga Andreia Celso, especialista em fauna e flora, explica. “Essenciais para a polinização de frutas e vegetais usados na nossa alimentação, as abelhas estão desaparecendo do planeta – algumas espécies estão sob risco de extinção. O cenário é tão grave que organizações como a ONU já alertam para os riscos de escassez de alimentos por conta da mortalidade em massa de insetos polinizadores. No Brasil, a previsão é de que a população de abelhas e outros polinizadores diminua em 13% até 2050, segundo análise da USP. Elas também contribuem enormemente para a manutenção das florestas. Se elas forem extintas, a reprodução de plantas silvestres ficará comprometida, porque mais de 90% das espécies de vegetação tropical com flores e cerca de 78% das espécies de zonas temporadas dependem da polinização desses insetos”, relata a bióloga.

No que implica a mortandade

A mortandade de abelhas não é uma realidade apenas do nosso município, na verdade é algo que já vem preocupado diversos cientistas ao redor do globo. “No Rio Grande do Sul há algumas espécies sem ferrão já presentes na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção. Por serem organismos sensíveis, elas sofrem com agricultura intensiva, defensivos agrícolas, poluição, introdução de espécies invasoras e alterações climáticas. As abelhas estão desaparecendo por causa de uma variedade de fatores, como a ação humana, pesticidas e doenças, por isso que diversas organizações já começaram a agir, com o objetivo de conscientizar as pessoas a fazer sua parte, mas também na tentativa de proibir vários pesticidas. Uma das ameaças a estes insetos é a redução do habitat. Todos nós podemos ajudar as abelhas em espaços urbanos, criando mais jardins, áreas verdes e corredores de habitat com plantas ricas em néctar, como as flores silvestres”, revela Andreia.

Como podemos preservar as abelhas

A bióloga Andreia ainda explica quais cuidados pode-se fazer para preservar as abelhas. “Evitar o uso de pesticidas em seu jardim e, se precisar tratá-lo, escolher opções orgânicas e optar por pulverizar à noite, já que os polinizadores são menos ativos naquele momento”, orienta.

Além disso, ela ainda mostra como nas pequenas atitudes é possível ter uma preservação das abelhas, e ainda por cima, contribuir com o meio ambiente. “Plante árvores. As abelhas obtêm a maior parte de seu néctar das árvores. Eles não são apenas uma excelente fonte de comida, mas um ótimo habitat para que elas vivem saudáveis e felizes”, comenta.

E finaliza trazendo uma importante reflexão. “O conhecimento das espécies nativas de cada lugar, de seus hábitos e de seu lugar no complexo do equilíbrio ambiental, contribui com as condições de vida no planeta definindo, também, a qualidade de vida da espécie humana”, relembra.