Parceria entre Dolmires Lunardi e a escola Ângelo Salton busca preservar a memória do Batalhão Ferroviário e dos primórdios do desenvolvimento municipal

A história do reservista Dolmires Lunardi se mistura com o desenvolvimento de Bento Gonçalves. Mais recentemente, ela também marca a vida dos estudantes do 8º ano da Escola Ângelo Salton, do Distrito de Tuiuty. Ele ajudou a construir as ferrovias que atravessam os municípios da região, na década de 60, e hoje mostra aos estudantes parte da história do distrito a partir de fotos antigas e de suas memórias pessoais.
Lunardi se emociona ao lembrar do saudoso período da construção das ferrovias e dos tempos áureos do 1º Batalhão Ferroviário. Quando ajudou a construir os trilhos, em 1962, se avizinhava a Ditadura Militar, que também viria acompanhada do período denominado de Milagre Econômico, com um crescimento elevado do Produto Interno Bruto (PIB), aumento da pobreza e arrocho salarial. “A construção da ferrovia foi fundamental para o progresso da cidade de Bento Gonçalves, porque facilitou a circulação e o escoamento da produção”, avalia.
A missão do Batalhão foi construir uma malha que ligasse Rio Grande do Sul a São Paulo, projeto que foi concluído mais de uma década depois. O reservista conta que o período em que serviu – e trabalhou na Ferrovia – foi muito importante na sua vida. “Fez parte da minha história, da minha vida. Não sai da lembrança. Foi um trabalho prazeroso, porque era para o desenvolvimento do país”, considera.

Sobre a experiência de passar seu conhecimento para os jovens, Lunardi se diz profundamente emocionado. “Isso está dentro da gente, não tem como fugir porque nós estivemos ali”, comenta.

Recordar para preservar

O projeto denominado O Futuro visita o Passado já acontece há alguns anos. Por um período, ele ficou parado, mas foi retomado em 2017. Segundo a diretora da escola, Olívia Pietroski, é importante que os estudantes se identifiquem com as características da região. “Inclusive alguns alunos moram nas casas que eram dos tenentes, dos coronéis, no período de construção da ferrovia”, observa.
Ela também ressalta que isso cria outra percepção nos estudantes sobre a região. “Eles precisam saber que houve uma época em que havia muita população que morava aqui e entender como as mercadorias eram transportadas. Os próprios alunos concluem que teria sido vantajoso incentivar o transporte ferroviário”, analisa.

Ramal de Verissimo de Matos, de 1956; Hoje o local está abandonado. Foto: Acervo de Lunardi

Além de visitar as ferrovias e os túneis, a ação da escola também envolve passeio na subprefeitura e na Vinícola Salton. O conteúdo é relacionado com as disciplinas em sala de aula e os estudantes precisam apresentar um vídeo, com apontamentos negativos e positivos sobre o que foi visto. De acordo com Olívia, só está sendo possível executar o projeto porque pessoas que pesquisam e estudam a comunidade se disponibilizam a ajudar. “Nós fomos buscar parceria com pessoas interessadas em resgatar a cultura. Nós buscamos eles para dar essa parcela de contribuição e conseguimos fazer esse trabalho graças a ajuda dessas pessoas, como o Dolmires”, enfatiza.

Para o transporte

A malha ferroviária que atravessa a Serra Gaúcha talvez seja uma das rotas mais acidentadas do Brasil. Ao todo, o Rio Grande do Sul possui cerca de 3.200 km de linhas e ramais ferroviários, utilizados somente para o transporte de cargas e explorado sobretudo para a locomação de combustíveis, fertilizantes e commodities agrícolas.

 

Memórias sobre o general e sua relação com os túneis

Em memória ao general Freire, Lunardi leva flores ao túnel. Foto: Fábio Becker

Quando serviu, Lunardi teve como capitão Cândido Vargas de Freire, que depois veio a se tornar general. O militar foi secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e do Ceará, participou de importante operações do Exército e era sobrinho-neto do ex-presidente Getúlio Vargas. Mesmo que em momentos esporádicos, Freire e Lunardi mantiveram contato e relembravam com carinho o período da construção das ferrovias.
No início deste ano, com 83 anos, Freire faleceu. Segundo Lunardi, um dos pedidos do militar foi que jogassem suas cinzas no túnel da ferrovia, próximo à ponte do Rio das Antas. “General Freire sempre me dizia que , como pessoa e profissional militar, guardava as maiores e melhores recordações do tempo vivido na dinâmica e querida cidade de Bento Gonçalves, particularmente o Km 2,onde nasceram os filhos”, escreve Lunardi.
Ele diz ainda que os reservistas jamais esquecerão os ensinamentos de respeito, hierarquia e disciplina transmitidos por Freire. Lunardi conta que agora, toda vez que vai ao local, faz questão de levar flores em memória ao general. “Sempre vai ter um amigo reservista da turma de 1943 para lembrar dele”, relembra. Lunardi ainda conta que o militar era apaixonado pelos túneis.

Para professoras, alunos se interessam mais no assunto

Diretora e professoras envolvidas no projeto. Foto: Fábio Becker

A professora de geografia Renata Pedretti e a de história Ana Carolina Prazo, que estão diretamente envolvidas no projeto, avaliam que as atividades tem dado bons resultados entre os alunos. Elas percebem que eles se tornam mais conscientes sobre a importância de preservar o distrito e que trazer os assuntos para questões locais desperta mais interesse.
Além da abordagem disciplinar, outra observação que elas fazem diz respeito a conhecer melhor a realidade dos estudantes, o que se torna possível pelos passeios.

Estudantes fizeram passeio por principais pontos de Tuiuty. Foto: arquivo da Escola

Diferente dos anos anteriores, neste ano as professoras indicam que foram acrescentadas novas atividades. “Desde que retomamos, não imaginamos que seria grande da maneira como está sendo. Trabalhamos em sala de aula para eles conhecerem desde o passado até nossa atualidade”, enfatiza Renata.
De forma geral, as professoras observam que existe uma preocupação por parte dos estudantes para não perder a cultura. “Como futuros cidadãos, podem mostrar o que deve ser melhorado”, avalia.

Na geografia

Renata conta que trabalhou sobretudo com a questão da transformação do Distrito de Tuiuty e com as mudanças sociais ocorridas ao longo dos anos. “Antigamente o Passo Velho era o centro”, comenta. Além disso, ela abordou a questão do relevo, da hidrografia e como funcionava o escoamento de mercadorias para a capital, Porto Alegre.
Outra atividade realizada na aula de geografia, a partir do projeto, foi o mapeamento de todo trajeto da estrada velha. “Antigamente não existia a Buarque de Macedo e a rua que temos aqui, por isso mapeamos a estrada geral, para eles entenderem como era antigamente. Eles puderam sentir e olhar que a estrada era muito estreita e que lá passava somente cavalos”, comenta.

Na história

Segundo avaliação da professora Ana Carolina, os estudantes aprendem que existiu um processo histórico que levou à construção do Distrito. “Com o passeio da Salton, por exemplo, eu consigo trabalhar com toda questão da revolução industrial”, avalia. Ela também observa que, conforme as atividades são desenvolvidas, os estudantes mudam a forma de pensar.