Impactos já podem ser sentidos nos preços dos combustíveis, gás de cozinha e na oferta de fertilizantes

Após mais de 15 dias de conflitos entre Rússia e Ucrânia, os impactos na economia mundial estão sendo sentidos. Em solo brasileiro, os efeitos da guerra já podem ser percebidos pelo consumidor na elevação do preço dos combustíveis e gás de cozinha e na baixa da oferta de fertilizantes. Além disso, são previstas a elevação do preço do trigo e dos alimentos no geral.

Conforme o economista Mosár Leandro Ness, todos os países que fazem parte do comércio internacional sentirão os efeitos. “Com exceção de poucos países, todos os demais exportam ou importam alguma coisa do mundo. Quando você tem a retirada dessas duas grandes economias, a Ucrânia por estar em guerra e não poder produzir, e as sanções que são aplicadas contra a Rússia, que excluem ela do cenário global, fazem com que o equilíbrio dos preços domésticos sofra uma alteração”, explica.

Entenda os impactos na economia brasileira:

Preço dos combustíveis e gás de cozinha aumentam após reajustes

A Petrobras anunciou nesta quinta-feira, 10, reajustes nos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha. Desde sexta-feira, 11, o preço médio de venda da gasolina para as distribuidoras passou de R$ 3,25 para R$ 3,86 por litro, um aumento de 18,8%. Para o diesel, o preço médio foi de R$ 3,61 para R$ 4,51 por litro, uma alta de 24,9%.

Em relação ao gás de cozinha, o preço para as distribuidoras foi reajustado em 16,1%, e passará de R$ 3,86 para R$ 4,48 por kg. Em Bento Gonçalves o aumento já chegou ao consumidor, com o botijão de gás de 13kg, que custava em média R$ 118,00, subindo para R$ 136,00.

Como isso está conectado com a guerra na Ucrânia?

A Rússia é o terceiro maior produtor mundial de petróleo e o segundo de gás natural. Conforme crescem as preocupações de que as sanções que são aplicadas na Rússia prejudiquem o fornecimento de energia para o restante do mundo, ocorre a escalada de preços.

Na terça-feira, 8, os preços do petróleo superaram o valor de US$ 130 por barril, atingindo um recorde dos últimos oito anos. Devido a política de Paridade de Preços Internacionais (PPI) adotada pela Petrobras, os novos aumentos nos preços chegaram nas bombas.

“A redução na oferta global de produto, ocasionada pela restrição de acesso a derivados da Rússia, regularmente exportados para países do ocidente, faz com que seja necessária uma condição de equilíbrio econômico para que os agentes importadores tomem ação imediata, e obtenham sucesso na importação de produtos de forma a complementar o suprimento de combustíveis para o Brasil”, explicou a estatal em nota oficial.

Procura por gasolina causa fila em postos de Bento

Com o anúncio do aumento dos preços, na quinta-feira, 10, os consumidores começaram a buscar o melhor valor nas bombas e filas foram registradas em diversos postos de combustíveis. Em certos lugares, o preço foi de R$ 6,40, em média, para acima de R$ 7,00.

Essa prática, porém, é irregular, pois o valor que estava sendo cobrado a mais correspondia ao antigo carregamento de combustível que aquele local havia recebido. Somente na sexta-feira, 11, é que os postos começaram a pagar pela porcentagem que subiu.

Por conta das denúncias, o Procon de Bento Gonçalves realizou, ainda na quinta, uma operação de fiscalização, autuando os postos de combustíveis que aumentaram o valor da gasolina e do diesel antes da data dos reajustes.

A auxiliar de produção, Materi Terezinha Flores, foi uma das prejudicadas com o preço abusivo cobrado pelos postos de combustíveis. “Fui abastecer em um posto no bairro São Roque e depois de ter abastecido, quando pedi a nota, fiquei sabendo que já estavam cobrando com o aumento. Reclamei com o gerente e ele disse que pode aumentar a hora que quer. Achei um absurdo, pois o aumento só aconteceria amanhã, e infelizmente, assim como outras pessoas, fui enganada”, conta.

Materi afirma que irá acionar o Procon. A orientação é que os consumidores que notarem o preço abusivo se dirijam até o órgão com os cupons fiscais ou denunciem pelo telefone (54) 3055-8547.

Projeto que cria nova regra de cálculo do ICMS nos combustíveis é aprovado na Câmara

Como tentativa de mitigar a alta do preço do combustível do país, a Câmara dos Deputados aprovou na noite da quinta-feira, 10, o projeto que altera a regra de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis. A medida já havia sido aprovada no Senado e agora depende de sanção presidencial para entrar em vigor.

O texto determina que o ICMS será cobrado apenas uma vez sobre os combustíveis, não mais em toda cadeia (efeito cascata), e terá alíquota uniforme em todo o país. Entram nessa lista gasolina, etanol, diesel, biodiesel, GLP, gás natural e querosene de aviação. A cobrança passa ser feita no Estado de origem da refinaria ou por onde ocorre a importação.

O preço do combustível é formado pela margem da Petrobras, por tributos federais, além do custo de produção, distribuição e revenda. Conforme dados da estatal, entre os dias 13 e 19 de fevereiro deste ano, o ICMS era responsável por 26,6% do preço final da gasolina e 14% no valor do diesel nas bombas dos postos de combustíveis.

Fertilizantes: baixa na oferta e alta dos preços

A agricultura gaúcha é um dos setores que deve sofrer com as consequências econômicas da guerra. O Brasil importa cerca de 84% dos fertilizantes utilizados na produção alimentícia e a principal fornecedora é justamente a Rússia, que corresponde a aproximadamente 25% dessas importações. Com o conflito, a preocupação é quanto ao fornecimento e possível elevação dos preços.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal, afirma que entre os macronutrientes mais utilizados pelos agricultores para a nutrição das plantas, estão o nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), conhecidos como NPK. A Rússia é considerada a maior exportadora mundial desses fertilizantes.

De acordo com Postal, esse trio é essencial para a produção de uva, principal fruta da região. “Os três são fundamentais, os nossos solos precisam deles, em cada fase da cultura e estágio da parreira. O potássio da cor e sabor ao fruto. O nitrogenado dá vigor para a planta. O fósforo é necessário para a frutificação. Sempre precisa adubo”, explica.

Com a alta dos preços pesando no bolso dos agricultores desde o ano passado, ele pontua o receio de uma possível piora no cenário. “Já estávamos com o custo elevadíssimo. Agora, além de tudo, tem as especulações sobre a falta de fertilizantes, mas esperamos que não impacte ainda mais nos produtores”, comenta.

Entretanto, o presidente da entidade relata que já sentiu dificuldade em encontrar insumos utilizados. “Esses dias fui tentar comprar alguns tipos de adubo e não encontrei. Na semana seguinte, em outra empresa, consegui adquirir alguma coisa, mas está difícil”, assegura.

Se a Rússia interromper o fornecimento dos produtos, o Extensionista Rural da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Neiton Perufo, afirma que o potássio poderia ser buscado no Canadá e o fósforo no Marrocos ou China. “Claro que os outros países que vão tendo necessidade desses nutrientes, vão buscar também nesses países”, alerta.

Embora concorde com a possibilidade de que os agricultores possam sentir os reflexos, principalmente com o aumento dos produtos, Perufo salienta que ainda não é possível mensurar valores. “Por enquanto não temos nada definido do quanto vai aumentar, qual a porcentagem”, pontua.

A nível local, o extensionista alerta que produtores de morango já estão relatando falta de alguns produtos. “Nitrato de potássio, sulfato de amônio, que são dois macronutrientes à base de nitrogênio. O sulfato de manganês está apresentando falta. Além disso, já houve elevação nos preços do ácido fosfórico”, aponta.

Um dos agricultores que já está sentindo os efeitos é o David de Carli, que produz aproximadamente 15 mil kg anuais de morango. “Os nitratos, em geral, aumentaram entre 25% a 30% e já tive dificuldade em encontrar o de cálcio”, relata.

Quase toda produção da fruta é destinada para o consumidor final, o restante é entregue em padarias e confeitarias. Por isso, o produtor teme os prejuízos da guerra. “Estamos preocupados, pois teremos que repassar esses custos para os clientes”, finaliza.

Os impactos também estão sendo sentidos pelos comerciantes da área. O gerente de uma empresa que trabalha com a revendedora de fertilizantes, Daniel Pavan, relata que depois do início do conflito, houve maior procura por adubos, mas muitos já estão em falta. “Consequentemente, vai ter uma escassez muito forte no mercado. Temos alguns fornecedores agendando entregas para o fim do mês, mas são agendamentos que não se sabe se confirmam”, alerta.

Pavan acrescenta que, atualmente, não há como garantir produtos para logo. “Estamos vendendo para o produtor o que temos prometido pelos fornecedores, mas muitas linhas não temos como prometer em curto prazo. A gente espera que, com o passar do tempo, se desenrole algum tipo de acordo, mas o momento é bem crítico em relação a fertilizantes”, finaliza.

Brasil é dependente da Rússia para ter fertilizantes?

O nitrogênio é obtido a partir do gás natural, combustível do qual a Rússia é o segundo maior produtor do mundo e o maior exportador. O fósforo e o potássio são produtos minerais, dos quais o país tem minas abundantes.

Preço do trigo deve sofrer elevação

A Rússia é o maior exportador de trigo do mundo e a Ucrânia, o quarto, além de ser o terceiro maior vendedor de milho. Juntas, elas respondem por 17% das exportações mundiais de milho e 28% das de trigo.

Segundo o economista Mosár Leandro Ness, a produção de milho doméstico no Brasil é suficiente, mas a de trigo não. “Com a saída da Ucrânia como produtores, você tem uma redução da oferta global e, quando isso acontece, lógico que os preços vão aumentar e isso vai impactar em todos os países. Nos próximos meses, deveremos sentir aumentos principalmente na cadeia do trigo. Já existe um movimento de alta dos dois grãos na Bolsa de Chicago e isso sinaliza que nós iremos ter uma inflação no preço das commotidies. Assim, provavelmente nós iremos ter uma elevação no preço da farinha e do pãozinho nosso de cada dia”, explica.

Setor dos alimentos também pode registrar acréscimo nos preços

De acordo com Associação Gaúcha de Supermercados (AGAS), em virtude da pandemia, de quebras de safra, guerras e outras situações, o Brasil está passando por um aumento no preço dos alimentos e commodities. No entanto, para o presidente da associação, Antônio Cesa Longo, ainda é cedo para avaliar os impactos da Guerra da Ucrânia no setor. “O reajuste dos combustíveis será o marco divisório, podendo ter um acréscimo em 0,5 % nos preços dos alimentos, somente em função disso. O varejo e a indústria já espremeram toda a sua margem e o consumidor está perdendo parte de sua renda. O setor de supermercados seguirá buscando opções de fornecedores e de produtos, realizando promoções e oportunizando condições aos clientes, mas estamos vendo com preocupação a perda do poder aquisitivo do consumidor”, aponta Longo.

Demais setores

Segundo Ness, os impactos da guerra nos demais setores ainda não são sentidos. “Se o ritmo da recuperação da economia brasileira for comprometido em função da Guerra da Ucrânia é logico que a indústria nacional, a moveleira e a vinícola, venham a sentir efeitos. No entanto, tudo isso são hipóteses, pois os conflitos podem vir a se estender ainda mais ou acabar nos próximos dias. Reestabelecendo a paz e o equilíbrio entre as nações, o fluxo natural das coisas vai se ajeitar”, aponta.

Foto: National Police of Ukraine