Campanha visa trazer conscientização sobre a prevenção, diagnóstico e combate de doenças crônicas que não têm cura. Lúpus e fibromialgia afetam milhares de brasileiros, a maioria mulheres
Nos últimos anos, alguns meses vêm sendo associados a cores e as doenças correspondentes. Começou com o Outubro Rosa, continuou com o Novembro Azul e, depois, vários outros surgiram. As cores são símbolos de campanhas de conscientização sobre as enfermidades.
Sob o lema “Se não houver cura, que pelo menos haja conforto”, a campanha do Fevereiro Roxo, criada em 2014, visa trazer conscientização sobre a prevenção, diagnóstico e combate de três doenças crônicas que não têm cura: a fibromialgia, o lúpus e a Doença de Alzheimer.
Apesar de serem doenças distintas, a campanha visa destacar a importância do diagnóstico correto e do tratamento adequado para cada uma delas. A conscientização é fundamental para promover um maior entendimento e apoio às pessoas que convivem com essas condições.
Por isso, o Fevereiro Roxo é uma campanha de conscientização promovida para incentivar o diagnóstico precoce. O objetivo é permitir que os pacientes tenham uma maior qualidade de vida mesmo convivendo com alguma dessas condições. Além disso, todas as três doenças apresentam sintomas iniciais que são relativamente inofensivos.
É importante destacar que quanto mais cedo o diagnóstico, maiores as chances de resposta positiva ao tratamento dos sintomas associados às doenças, podendo até mesmo retardá-los.
A fibromialgia é uma doença reumatológica que afeta 2,5% da população mundial e cerca de 2,5 milhões de brasileiros. O psiquiatra Rogério Gottert Cardoso informa que a fibromialgia é um transtorno de dor crônica associada com múltiplos sintomas debilitantes. A doença é definida como uma dor difusa, crônica e com sensibilidade a, no mínimo, onze dos 18 pontos sensíveis dolorosos definidos pela Medicina.
O diagnóstico da fibromialgia é clínico, isto é, não há necessidade de exames para comprovar que ela está presente. Se o médico fizer uma boa entrevista clínica, pode fazê-lo na primeira consulta e descartar outros problemas.
De acordo com Cardoso, outros sintomas da síndrome são fadiga, sono não reparador e a sensação dos músculos endurecidos pela manhã. “A maioria dos pacientes relata sintomas somáticos e psicológicos adicionais, experimentando incapacidades e redução da qualidade de vida relacionada à saúde. Além das dores musculares, nos tendões e articulações, também podem coexistir outros sintomas como impaciência, dor de cabeça, apatia, ansiedade, depressão, intolerância ao exercício físico, insônia, entre outros”, afirma o médico.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações traz que a doença pode aparecer depois de eventos traumáticos ou até mesmo uma infecção. O motivo pelo qual as pessoas desenvolvem a fibromialgia ainda é desconhecido. No Brasil, a doença afeta cerca de 3% da população, a maioria mulheres. De cada dez pacientes, de sete a nove são do sexo feminino.
Geralmente a pessoa tem dificuldade de definir quando e como começou a dor, que pode ir aumentando de intensidade. A dor é mais intensa no final do dia, mas pode ocorrer pela manhã. Muitos se referem como nos ossos ou ao redor das articulações. Quem tem a doença apresenta maior sensibilidade ao toque, sendo que muitos não toleram sequer ser abraçados.
Cardoso afirma que portadores de fibromialgia podem se tornar sedentários por causa da sintomatologia da síndrome. “A falta de atividade física pode agravar os sintomas”, revela.
Existem formas de evitar ou diminuir os sintomas da doença. As principais são a prática de atividade física e ser adepto de uma alimentação saudável.Também é interessante que o paciente entenda mais sobre a doença e, em alguns casos, a terapia psicológica pode ser bastante útil, principalmente para aprender a lidar com a dor crônica.
Terapias alternativas também podem trazer bons resultados, como homeopatia e acupuntura. As consultas com especialistas são essenciais para o correto diagnóstico e a garantia da melhor qualidade de vida possível para o paciente.
A doença, se não tratada, compromete muito a qualidade de vida, em virtude da dor, e predispõe a quadros severos de depressão. Portanto, apesar de não levar a óbito diretamente, é uma doença grave que deve ser diagnosticada e tratada precocemente.
“Cada dia é uma batalha”
A dona de casa Vera Basso, de 61 anos, começou a apresentar desconfortos e dores pelo corpo há sete anos, que foram se agravando com o passar do tempo. Depois de muitas consultas com diversos especialistas, ela finalmente obteve seu diagnóstico de fibromialgia. “Aprendi a conviver com a dor, pois ela é constante. Alguns dias são melhores, outros piores. É uma doença limitante. Sempre fui muito ativa e independente, mas depois de receber o diagnóstico passei a entender os motivos de me sentir sempre tão mal”, conta.
Vera também comenta que sente incômodos relacionados a depressão e problemas para dormir, acarretados pela fibromialgia. “Cada dia é uma batalha. Eu me forço a fazer as coisas que preciso mesmo com dor. Sigo tomando os remédios analgésicos e antidepressivos, mas tenho dias desanimadores muitas vezes. Tento praticar exercício físico e me alimentar bem, para não aumentar ainda mais minhas dores. Muita gente acha que é frescura”, enfatiza.
Sintomas inespecíficos
Desde muito jovem, a médica radiologista Tiana Guerra de Gusmão, 50 anos, apresentava dores articulares eventuais, mas associava ao esforço físico e aos esportes que costumava praticar.
Aos 30 anos, teve uma trombose e começou apresentar outros sintomas bastante inespecíficos, principalmente a queda de cabelo. Na época, fez vários exames e nenhum diagnóstico fechava. “Seis anos depois, tive um inchaço importante no dedo indicador, com muita dor, que durou alguns dias. No mesmo ano, após um período de exposição solar, apareceu uma mancha do tipo ‘asa de borboleta’ no meu rosto. Eu, como médica, sabia que era um sinal bastante característico de lúpus”, relembra. Foi então que Tiana voltou a buscar atendimento médico, dessa vez, retornando com o exame positivo e o diagnóstico de lúpus confirmado.
Lúpus é uma doença inflamatória autoimune, que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro. Em casos mais graves, se não tratada adequadamente, pode até causar morte. Estima-se que atinja cerca de 65 mil pessoas no Brasil.
As causas das doenças autoimunes ainda não são conhecidas. A teoria mais aceita é que fatores externos estejam envolvidos na ocorrência dessa condição, principalmente quando há predisposição genética e o uso de alguns medicamentos.
Dentre as mais de 80 doenças autoimunes conhecidas atualmente, o lúpus é uma das mais graves e importantes, segundo o Ministério da Saúde. Os principais gatilhos que desencadeiam a doença são a exposição ao sol, infecções e também o uso de determinados medicamentos. O diagnóstico não é simples, pois os sintomas variam de pessoa para pessoa e mudam com o passar do tempo, podendo ser confundidos com outras doenças.
São reconhecidos pela Medicina quatro tipos de lúpus: o eritematoso discoide, o sitêmico, o induzido por medicamentos e o neonatal.
O tipo eritematoso se caracteriza basicamente por manchas na pele e sintomas reumáticos. Já o sistêmico, ocorre quando um ou mais órgãos internos são acometidos, podendo causar inflamação das membranas que recobrem o pulmão, o coração e os rins. Quando induzido por medicamentos, ocorre inflamação, geralmente temporária. E o neonatal, extremamente raro, acomete os recém-nascidos de mães com lúpus. No geral, os sintomas desaparecem depois de alguns meses, embora o bebê possa desenvolver problemas cardíacos.
Para Tiana, por ter conhecimento na área médica, ter sido diagnosticada com lúpus não causou tanto nervosismo. “Fiquei tranquila porque sabia que não tinha nenhum órgão comprometido e como me cuidar. Porém, como o diagnóstico foi há 20 anos, quando o prognóstico de tempo de vida era de apenas 15 após a detecção da doença, tive que começar a pensar mais nas minhas escolhas para o futuro. Por exemplo, se eu pretendesse engravidar, sabia que poderia ser mais difícil, ter mais chances de aborto e até o agravamento da doença durante a gestação. Então, mesmo sendo médica, foi inevitável fazer reflexões como maternidade e qualidade de vida, principalmente”, completa.
Durante todos esses anos convivendo com a doença, Tiana teve que mudar muitos hábitos de sua vida. Grande parte de suas roupas possuem proteção solar e os cuidados com a qualidade de seu sono são redobrados, além da necessidade de ficar atenta com interações medicamentosas e o uso de bebidas alcoólicas. No começo de seu tratamento, chegou a ganhar 10 quilos, devido ao uso de corticoides e por não poder praticar esportes, pelas dores nas articulações.
Em 2024, Tiana completa 15 anos de diagnóstico de lúpus. “Não tenho mais a energia que costumava ter e nem consigo fazer atividade física como antes. Preciso utilizar certas medicações, mas nunca precisei ser hospitalizada, mesmo com o surgimento de algumas alterações clínicas eventualmente. Tenho que manter minhas articulações aquecidas para não sentir dor. Tive que adaptar minha vida”, finaliza.