Por que viajo tanto no tempo? Talvez esteja procurando verdades ocultas, que só se desvelam com o passar dos anos… O certo é que lá fui eu de novo mexer no passado, desta vez, na vida e obra de Machado de Assis, centro de duas polêmicas: Afinal, ele era branco ou negro? E a personagem do romance Dom Casmurro traiu ou não traiu o marido?

         A verdade da primeira questão está sendo regatada. A imagem do maior romancista brasileiro, neto de escravos, sofreu um embranquecimento pelo sistema racista da época. Já a segunda… Melhor relatar o diálogo que tive com a figura mais intrigante da história literária…

 Não a reconheci de imediato. Alta, forte e cheia, apertada num vestido que transbordava sensualidade. Os cabelos negros e pele morena contrastavam com os olhos claros… Havia algo de singular naqueles olhos… Pareciam arrastar tudo para dentro de si…

-Capitu? A mulher de Bentinho, a amante de Escobar?

Ela se ateve a última parte da pergunta, que era apenas retórica:

-Como pode falar assim sem me conhecer?

Disse-lhe que a conhecia desde os tempos de colégio e que o debate sobre sua suposta traição completara mais de século. Que havia os que defendiam a sua inocência e os que a condenavam. Disposta a lhe arrancar uma confissão, alfinetei:

-E a semelhança de teu filho com Escobar?

Capitu só suspirou. Como explicar o inexplicável?!

-O que fazia ele à porta da tua casa na noite em que Bento foi sozinho à ópera? Aliás, por que não o acompanhaste?

-Ouvir Puccini com dor de cabeça? Por Deus!

Então apelei:

-Baldes de lágrimas derramadas no velório de um amigo… É meio suspeito…

Pra quê! A moça desandou num choro convulso, mas cheio de dignidade, que me fez recuar até me sentir do tamanho de um mosquito.

 -Sempre lhe fui leal – murmurou.

Ela não me pareceu assim oblíqua e dissimulada como Bento a retratou… Além disso, a gente só conhece a versão dele, um cara muito ciumento que precisava ter feito psicanálise pra lidar com suas inseguranças. O problema é que, na época, Freud tinha apenas vinte e poucos anos…

-Eu o amo, sempre o amei – acrescentou.

Havia tanta paixão na voz de Capitu que fiquei impactada visceralmente.

O racional falava alto, a intuição gritava. Fiquei atordoada… Busquei uma resposta direta, mas acabei tragada pelos seus imensos olhos de ressaca, numa experiência absoluta…  

Ao sair do transe, estava de volta ao tumultuado 2022, carregando uma única certeza: Capitu fora mais mulher do que Bentinho fora homem…