Museus são capazes de contar histórias através de imagens, objetos e diversas outras formas; os seres humanos também, por meio da cultura, produção de materiais, pela fala e o consequente poder de memória coletiva. Hoje, tornou-se mais fácil preservar o que foi vivido e o que nos trouxe para onde estamos. Apesar disso, nem sempre isso ocorre. Um longa-metragem – veja, também uma forma de preservar memória com as tecnologias atuais – une estas “ferramentas” para reviver as alegrias e as mazelas da formação da Serra Gaúcha pelos imigrantes italianos.

O documentário dirigido pelo barbosense Boca Migotto é intitulado “Pra Ficar na História”. Nele, o dia a dia do descendente de italianos Luiz Henrique Fitarelli é filmado – ele é responsável pela criação do povoado colonial Villa Fitarelli, espaço que remonta o passado da região de Garibaldi.

 

Veterinário por formação, Fitarelli é neto de italianos e coleciona objetos. No longa, ele é levado para a Itália, berço de sua origem; raiz de sua historia – onde (re)visita Lentiai, Marostica, San Bovo e Pádova.

Para o diretor Boca Migotto, o documentário busca a reflexão sobre o que de fato é valorizar a origem italiana na Serra Gaúcha. “No nosso senso comum, exaltamos a dança, a culinária, mas no fundo não damos valor a nossa história. A gente se orgulha de ser descendente, muitos demonstram honradez de ter um passaporte europeu, por exemplo, mas não hesitam em vender uma propriedade histórica dos ‘nonos’”, reflete.

Migotto adiciona que “o filme traz essa dicotomia. Temos o orgulho, mas ao mesmo tempo escolhemos o que de fato o que é cultuado. Precisamos valorizar o passado, conhecer a nossa própria história para entender a chegada dos imigrantes atuais que estão nas nossas cidades”, cita, ao comparar as diásporas europeias com os processos migratórios do Século XXI.

Filme foi rodado no interior de Garibaldi e também em quatro cidades da Itália. (Foto: Bruno Polidoro, Divulgação)

Os dois lados de um processo

Preservar a memória e cultuar o passado, porém de forma crítica. É isso que o documentário prega. E o faz através da linguagem que se altera ao longo da obra. “O filme começa apresentando um personagem romantizado, mostra lindas imagens da nossa região – quase uma ficção. Aos poucos, vamos tirando as camadas, mostrando que, tudo que fora apresentado de forma bela existe porque alguém ajudou a construir. Assim, ampliamos a reflexão”, acredita.

Despindo-se das amarras saudosistas, mas, ao mesmo tempo, valorizando o histórico, a partir de um dado momento, o contraponto no longa. Isso acontece com a participação da professora de História Loraine Slomp Giron, que especialista no que diz respeito ao processo de imigração italiana.

O tom antitético surge a fim de formar uma nova reflexão. “Ela suporta ao filme um olhar crítico, não romantizado. Então, obviamente, há um conflito entre o personagem principal e o novo elemento trazido por Loraine”, garante o diretor. Migotto cita a importância de compreender as duas visões. “Não existe um lado certo e errado e, justamente, tentamos passar isso através da edição e da montagem. O Fitarelli mostra para ela o valor dos objetos e a alegria tê-los, enquanto que a ela estes materiais significam dor e sofrimento para o imigrante. Com os dois, torna-se possível fazer uma reflexão”, adiciona.


Fotos: Bruno Polidoro, Divulgação.