Nesses últimos dias, as perguntas começaram a entrar em searas do relacionamento, com uma pureza que me deixou fascinada.

-Vó, você se apaixonou quando era criança? (Entrei no jogo…)

-Por outra criança, não por adulto… E ele era apaixonado por você?

Antes que eu respondesse, ele partiu para outra reflexão, revelando certa pressão social:

-Todos os meus amigos têm namorada…   

Então perguntei como é que os amiguinhos namoravam.

-Ué, você não sabe? É só ficar pertinho.

E ele encenou: imóvel que nem uma estátua ao lado do que seria uma menina, com os olhos arregalados e fixos nela.

A coisa estava ficando cada vez mais engraçada, mas, de repente, ele mudou de assunto.

-Vó, experiência.

Fiquei de cabelo em pé. Experiência era sinônimo de meleca na pia, na mesa, no chão e panelas de roldão.

Resignada, forneci os ingredientes: água, pimenta do reino, farinha, queijo, vinagre, alecrim, hortelã, cloro e detergente em abundância, que depois foram para o liquidificador. Enquanto ele acompanhava a evolução da mistura, ou talvez em função dela, lhe veio à tona um episódio de uma série nem tão infantil.

-Sabe, vó, nós viemos mesmo dos macacos, que vieram dos peixes, que vieram dos parasitas, que vieram da água… ainda no tempo dos dinossauros.

Percebi que minha explicação anterior sobre a origem da vida, permeada de dúvidas, perdera espaço pelas certezas da TV.

-Só não entendo como é que os peixes podiam respirar fora da água… – ponderou ele.

-Benício, segundo essa teoria, alguns peixes desenvolveram pulmão. Eles funcionavam que nem os carros anfíbios. Aliás, já tem até avião anfíbio, que pode decolar e pousar tanto na terra como na água. Enfim, esses peixes foram se adaptando ao novo ambiente, primeiro na lama. Então alguns passaram a se arrastar como as cobras, outros desenvolveram patinhas como os lagartos, ou asas como os pássaros, ou rabinhos como os macacos… E depois, alguns macacos desceram das árvores para procurar comida, ficaram de pé e começaram a se exibir para as macacas e viraram gente…

Para não fechar a questão, continuei:

-Mas por que ainda existe peixe com pulmão que não evoluiu e continua sendo peixe? Aqui mesmo, no Brasil, temos a piramboia…

-Então ainda pode ter homem da caverna! – exclamou ele animado.

Demorou até eu captar o seu raciocínio, ou seja: se ainda existem peixes primitivos, também podem existir humanos primitivos.

Pensando bem, o Benício tem razão… Regredimos à condição de homens da caverna toda vez que deixamos o instinto se sobrepor à razão e à dignidade… Tem coisa mais primitiva que isso?!