Conforme pesquisador da Embrapa, o início frio da primavera resulta na diminuição do volume total de produção. Sobre qualidade, enólogo da Emater destaca que ainda é cedo para avaliar resultados. Vinícolas e produtores estão esperançosos por uma safra de excelência

Mais um período intenso começou para as regiões onde há a vitivinicultura. A época de vindima é de muito trabalho para produtores, que há meses estão cuidando dos parreirais para colher bons frutos e também para as vinícolas, que aguardam o recebimento das uvas para gerar os produtos derivados do fruto.

Segundo o pesquisador da área de fisiologia vegetal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Uva e Vinho, Henrique Pessoa dos Santos, a safra 2023 tende a apresentar uma diminuição próxima de 30% no volume total de produção. “Essa redução é imposta por um conjunto de fatores ocorridos ao longo do ciclo, envolvendo principalmente uma primavera fria – frios tardios, registrados em setembro, outubro e novembro, promovendo dados por geada e falhas de polinização – e com restrições de chuvas – mais marcante em novembro. Esses efeitos reduziram o número e o tamanho de bagas de uva, impactando diretamente a produtividade deste ciclo”, resume.

O pesquisador salienta que, pelo fato deste curso também ser marcado por estiagem devido ao fenômeno La Niña, a qualidade enológica da uva tende a ser favorecida. “Entretanto, pelo prognóstico climático do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), divulgado no último Boletim de Informações nº 63 do Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado do Rio Grande do Sul, destaca-se que neste ciclo podem ocorrer variações entre cultivares. Em janeiro há uma previsão de chuvas próximo da média histórica, sem restrição hídrica, o que favorece a umidade e restringe o número de dias com sol. Isso impacta diretamente nas condições de maturação para as mais precoces. Em contrapartida, há uma previsão de restrição de chuvas em fevereiro, 50% da média, o que pode ser benéfico para a qualidade das uvas nas cultivares de ciclo intermediário e tardio”, expõe.

De acordo com Santos, no inverno de 2022 a soma de horas de frio (HF) de abril a setembro, totalizou 406 HF em Bento Gonçalves. Essa soma foi acima da normal climática da região, que é de 362,2 HF no mesmo período. “Portanto, não houve restrição de frio para a brotação das videiras. Além disso, de março a julho a soma do volume de chuvas ficou acima da média, não tendo restrições hídricas para o início do ciclo das videiras”, sustenta.

O problema, como explica o pesquisador da Embrapa, foi a ocorrência de dias frios ao longo da primavera. “Promoveram restrição na taxa de crescimento dos brotos e também a perda de brotos e cachos por geadas tardias, registradas entre setembro e novembro de 2022. É importante destacar que os efeitos dessas baixas temperaturas tardias não são uniformes na região, pois depende da localização do parreiral no relevo”, denota.

Durante a fase da safra, é necessário que os agricultores tomem alguns cuidados. Santos frisa que frente às previsões de chuvas em janeiro, é importante que os produtores tenham atenção na programação de colheita das cultivares precoces, evitando perdas na quantidade e qualidade da uva. “Quanto às cultivares de ciclo intermediário e tardio, como há previsão de estiagem, é importante que eles mantenham a poda verde para evitar muitas perdas por evapotranspiração em fevereiro, ao mesmo tempo que favorecem as condições de umidade e luminosidade na posição dos cachos”, recomenda.

Depois da safra, já começam os próximos passos para uma boa colheita em 2024. O pesquisador sobressai o prognóstico do INMET, que entre fevereiro e março o La Niña tende ter menor influência e, possivelmente, o próximo ciclo, 2023/2024, seja marcado por condições de neutralidade, com chuvas na média, ou pelo fenômeno El Niño, com precipitações acima do esperado, na região sul do Brasil. “Como essas condições são mais restritivas em luminosidade (prejudicando o crescimento inicial do próximo ciclo), é importante que no final deste ciclo o manejo fitossanitário seja mantido para se preservar o máximo possível a atividade foliar, visando garantir o acúmulo de reservas para o próximo”, aconselha.

Safra, segundo a Emater

Conforme o viticultor e enólogo da Emater de Bento Gonçalves, Thompsson Didoné, ainda é cedo para avaliar os resultados da colheita deste ano. “Praticamente estamos iniciando, nesta semana, a safra de variedades precoces, principalmente as destinadas a espumantes, como é o caso da Chardonnay e Pinot Noir. São variedades que estão sendo colhidas, as vinícolas já iniciaram o recebimento”, relata.

O enólogo enfatiza que também há variedades de uvas americanas destinadas a vinho e suco, que começam a ser colhidas nesta semana. “A gente percebe que é a tendência de uma safra normal, nem maior e nem muito menor comparada aos outros anos. Claro que é cedo pra avaliar, porque isso tudo pode mudar em janeiro e fevereiro, que é a época da colheita. Por exemplo, se por duas semanas houver muita ocorrência de chuva, com certeza teremos uma mudança tanto em quantidade quanto em qualidade. Mas por enquanto, o que temos visto são uvas sem maiores problemas fitossanitários”, explica.

Provavelmente, segundo Didoné, a safra não terá qualidade excepcional, mas boa. “Alguns produtores estavam preocupados com relação à estiagem, porque algum vinhedo chegou a ser afetado, mas pouca coisa. Nesta semana, com a ocorrência de chuvas durante alguns dias, não teremos mais”, garante.

Além disso, o viticultor aponta que o principal assunto que o produtor mais tem reclamado este ano é em relação ao preço dos insumos. “A maioria tem matéria-prima ou são importados, então subiu bastante o custo de produção. Em compensação, acho que estão de parabéns os sindicatos que conseguiram um bom reajuste no preço mínimo da uva”, conclui.

Avaliação do STR-BG

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores Familiares de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Tereza e Pinto Bandeira (STR-BG), Cedenir Postal, reitera que a quantidade de uva que os produtores devem colher, pelo que se apresenta na safra, é igual ou um pouco menor do que a do ano passado. “Em 2022 foram 663 milhões de quilos de uva”, lembra.

Ademais, o representante dos agricultores menciona que a qualidade da uva, até então, está boa. “Só alguns casos pontuais, mas agora depende do clima. Sobre as variedades que estão sendo colhidas é muito relativo, dependendo a região onde ela é produzida. Temos alguma coisa de Chardonnay, Riesling, também a Concord, a Isabel precoce, de Niagara e a Magna. Umas adiantam mais, outras vêm um pouco mais tarde”, esclarece.

Ele destaca que as variedades são cultivadas conforme a região e, às vezes, a mesma uva e no mesmo município tem vinte dias de diferença em sua chegada às vinícolas. “Dependendo onde é produzida, se é à beira do Rio das Antas ou nas regiões mais altas, por exemplo em Pinto Bandeira. É difícil de dizer especificamente e exatamente quais que são as variedades colhidas”, resume Postal.

De acordo com o presidente do STR-BG, a safra iniciou já na primeira semana de janeiro, com poucas variedades. “Vai começando devagar e, ao longo dos próximos dias ela se intensifica e deve ir até meados de março”, prevê.

Postal conta que os temporais atingiram parreirais, mas foram casos pontuais. “A estiagem, até então, também não está afetando nem a qualidade nem a quantidade. Somente alguns casos específicos”, finaliza.

Expectativa das vinícolas

Entre os destaques na produção de sucos de uva, vinhos e espumantes está a Vinícola Aurora. A empresa declara que, neste ano, a quantidade de uva recebida pelas 1,1 mil famílias associadas deve chegar a 75 milhões de quilos. A vinícola começou a receber, nesta semana, as primeiras variedades da safra da uva de 2023. O número previsto é cerca de 10% maior em comparação com a colheita anterior, que foi de 66 milhões de quilos.

A direção da Aurora afirma que as castas recebidas este ano têm apresentado qualidade semelhante às últimas safras, que tiveram resultados excelentes, todas com uma boa sanidade e produção dentro do esperado.

Outro fator identificado no período são as contratações pelas vinícolas. Segundo a supervisora de Desenvolvimento Humano e Organizacional da institução, Christiane Sleiffer, durante o período de colheitas, são contratadas em torno de 80 pessoas, via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), além de cerca de uma centena de terceirizados.

A profissional destaca que há áreas de maior necessidade para a empresa, no momento. “São de processo produtivo, enologia (elaboração do produto), plataformas (organização do recebimento de uva) e algumas administrativas (cadastro e pesagem da uva)”, menciona.

Ela salienta que as contratações são temporárias, de janeiro a março. “Com possibilidade de efetivação conforme oportunidades internas e desempenho dos candidatos. Em média, permanecemos com cerca de 20 pessoas”, sublinha.

Com a Cooperativa Vinícola Garibaldi não é diferente, pois o fluxo de trabalho aumenta e é necessária a admissão de mais funcionários. “Costumamos contratar mais pessoas no período da safra, geralmente para as áreas do recebimento, para a cantina e, também, algumas oportunidades de estágio para estudantes de enologia. Neste ano, até o momento foram abertas 52 oportunidades, sendo 12 para contratações diretas ou estágios e 40 para terceirizados (especialmente para descarregamento). Via de regra, essas vagas são temporárias, mas também oportunidades de conhecer e reter novos talentos para o quadro de colaboradores. Várias pessoas que, hoje, trabalham na Garibaldi iniciaram como temporários e estagiários e, depois, foram efetivados”, realça o gerente de marketing e enoturismo, Maiquel Vignatti.

Na vinícola localizada na Capital do Espumante, 450 famílias são associadas e em janeiro começaram a entregar as primeiras uvas da safra 2023, com projeções otimistas. A previsão é de uma colheita de até 28 milhões de quilos, quase 7% a mais do que o no ano passado, quando foram colhidos 26,2 milhões de quilos. Além disso, também há boas expectativas com relação à qualidade do fruto.

Voltando à Capital do Vinho, a Casa Valduga revela que não haverá grandes alterações na questão de quantidade. “Como prezamos sempre a qualidade e não tanto o volume, será praticamente conforme 2022”, conta o diretor e enólogo, Daniel Dalla Valle.

Conforme Dalla Valle, as questões climáticas foram favoráveis e a qualidade das uvas alcançou um nível excelente. “As chuvas foram regulares, sem excesso e constância, como muitos dias seguidos. O clima também auxiliou, com dias quentes, mas não com temperaturas extremas e noites agradáveis. Podemos dizer que está favorável desde a primavera, resultando num fruto que cresceu com qualidade e muito provavelmente seguirá dessa forma até o final da colheita. Se tudo ocorrer como imaginamos, está se desenhando mais uma safra fantástica, como 2020 e 2022”, menciona.

A respeito das contratações, a Casa Valduga também costuma acrescentar mais pessoas ao corpo de colaboradores, para proporcionar bons resultados. As admissões são temporárias, primeiramente, mas boa parte dos funcionários é efetivada ao final da vindima. “Nessa época, normalmente, contratamos em torno de 30 pessoas extras para nos auxiliarem nos setores de viticultura e vinificação”, ressalta o diretor.

Visão do produtor

Na Linha Buratti, no interior de Bento Gonçalves, a propriedade do agricultor Valdecir Bellé possui 12 hectares de parreirais. As variedades produzidas na localidade, conforme o produtor, são para suco ou vinho comum. Ele está entre as famílias associadas à Aurora, por isso toda a sua produção é direcionada à Cooperativa.

No caso de Bellé, a safra de 2023 deve render de 10% a 15% a mais, em quantidade de uva, do que no ano passado. “Até o momento, a qualidade está excelente. O tempo trabalhou bem, faltou um pouquinho de chuva no final, mas não influenciou muito”, conta.

Na localidade do produtor, a colheita vai ser realizada cerca de 15 dias depois do habitual, por isso será finalizada no fim de fevereiro, após cerca de 30 dias de trabalho. “O atraso é por conta da temperatura. Em setembro fez um frio estendido após o inverno, daí a parreira, para se proteger, deu uma parada no ciclo”, explica.

Foto: Zéto Telöken