A dor pela perda de um ente querido e a rápida decisão que pode salvar vidas provoca uma mistura de sentimentos que precisam ser equilibrados. Em um dado momento da jornada, há aqueles que recebem um sinal de que o tempo por aqui pode ser encurtado, em consequência do agravamento de uma doença. Essa é a realidade dos pacientes que necessitam de um transplante de órgãos, e aguardam na fila por um doador. Na missão de oportunizar uma nova chance, o Hospital Tacchini, nos últimos três anos, registrou aumento na captação de órgãos. Somente em 2023 foram mais de 60 captações, direcionadas às instituições que realizam os transplantes.

Seja pela velhice, acidente ou uma doença repentina, a verdade é que a morte pode ser o início de uma nova vida para quem aguarda na fila de transplantes. Para se ter uma ideia, somente no ano passado, o a instituição bento-gonçalvense realizou a captação de três rins, um coração, um pulmão, três fígados, três pâncreas e 62 córneas. O número poderia ser bem maior, porém, o grande obstáculo enfrentado é a recusa familiar, já que o procedimento é realizado por uma equipe de Porto Alegre e, muitas vezes, provoca certa demora em seguir com os ritos tradicionais do momento.

Apesar de serem pequenos, os avanços são considerados importantes pela instituição, já que aos poucos, as famílias vão tendo a consciência sobre a importância em autorizar a doação de órgãos. Em 2022, o Hospital Tacchini realizou a captação de seis rins, um pulmão, um coração, três fígados, dois pâncreas e 48 córneas. Em 2021, ainda em plena pandemia, o número foi ainda menor: sete rins, seis fígados e 29 córneas.

Aumentar o número de doadores, consequentemente, eleva a quantidade de transplantes, uma vez que só é possível acontecer quando as famílias autorizam a doação. De acordo com a enfermeira Ana Turmina, há um suporte especial para ajudar a família nesse momento de dor e de rápida decisão. “Observamos que estabelecer e manter uma boa relação entre os profissionais de saúde e familiares, dar o suporte adequado, fornecer informações sobre todo o processo durante a internação, acolher e estar atento às emoções, tudo isso é essencial para encorajar a doação”, garante.

Para ser doador de órgãos, não é necessário nenhum documento escrito: tudo que é preciso é a manifestação do desejo aos familiares. São os parentes do possível doador que teve morte encefálica que irão consentir ou não a doação de órgão.

Trâmites para realizar a captação

Após a morte encefálica e o aceite da família, se inicia uma corrida contra o tempo para finalizar todo o processo de doação e entregar o doador para o sepultamento. É previsto em lei que ele seja devolvido à família de forma digna.

Todos os instrumentos utilizados são esterilizados, assim como a sala de cirurgia. Além dos médicos cirurgiões e dos enfermeiros, o doador também é acompanhado por um anestesista, responsável por manter a circulação do sangue nos órgãos.

Cada órgão tem uma equipe especializada para fazer sua captação e um tempo de isquemia (sem fluxo de sangue) diferente. O fígado pode durar de 8 a 12 horas fora do corpo, enquanto o rim já consegue ficar até 24 horas.

Essa diferença também muda o processo de doação. Os órgãos com menor tempo de isquemia já têm os receptores definidos no momento em que a captação é feita. Por exemplo, em casos de transplante de coração, que dura só quatro horas fora do corpo, a pessoa que vai recebê-lo já entra no centro cirúrgico no mesmo momento do doador. E isso acontece em hospitais diferentes. Então há uma logística de transporte do órgão para evitar qualquer atraso.

Órgãos mais transplantados no RS

Rim, fígado e pulmão foram os órgãos mais transplantados no Rio Grande do Sul em 2023, segundo relatório da Central de Transplantes da Secretaria da Saúde do Estado (SES-RS). No ano passado, 753 órgãos captados de doadores com morte encefálica permitiram a realização de 515 transplantes de rim, 137 de fígado, 36 de pulmão e 20 de coração. Ao todo, 712 transplantes de órgãos foram realizados em 2023. O número de transplantes é maior desde 2020.

Ainda de acordo com o relatório, os transplantes de 2023 superaram em 19,6% os de 2022, 16,9% os de 2021 e 14% os realizados em 2020. O número também ficou bastante próximo dos 721 de 2019 e dos 739 ocorridos em 2018.

Conforme a SES-RS, a meta do estado é reduzir a espera com a realização de 1.502 transplantes de órgãos e de córnea em 2024 e atingir um número de doações 36,5% superior ao de 2023.

Foto: Alexandre Brusa / Divulgação