Reconhecer-se como dependente químico não é um processo fácil e nem rápido. Procurar ajuda profissional também é um caminho demorado para os usuários de álcool e/ou drogas. Essa dificuldade torna-se ainda mais evidente quando um usuário é do sexo feminino.

Em Bento Gonçalves existe o Serviço de Atendimento Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS AD), um local aberto para atender a população que busca tratamento para dependência química, seja ela qual for. O trabalho funciona com demanda livre, possibilitando a procura de forma voluntária, sem precisar de encaminhamentos. “As pessoas buscam o serviço pelo desejo de se tratar, de parar de usar algum tipo de substancia ou fazer uma redução de danos, dependendo da situação de saúde que a pessoa está”, conta a Coordenadora e Psicóloga do CAPS AD, Juliana Gatto Carvalho.

Para dar suporte aos usuários, o CAPS oferece profissionais da área de psicologia, assistência social, enfermagem, medicina clínica, psiquiatria e terapia ocupacional. Também conta com grupos de autoajuda, separados por cada tipo de dependência química.

Embora o local possa atender pessoas de ambos os sexos, por diversos fatores, a procura de mulheres é visivelmente menor. “Não é que elas não tenham problemas, bem pelo contrário, na questão da drogadição é quase parelho com os homens, mas elas procuram menos ajuda. Nos grupos de autoajuda elas quase não vêm, 95% são homens. Já tentamos fazer grupo só de mulheres, para tenta puxar elas de outras formas também, mas elas vem um tempo e somem”, relata.

Coordenadora e Psicóloga do CAPS AD, Juliana Gatto Carvalho

De acordo com Juliana, ano passado 3.500 pessoas procuraram o serviço, sendo que 2.700 eram homens e 800 eram mulheres. Porém, o número de pessoas ativas, ou seja, que continuaram frequentando o local é muito menor. Dos 2.700 homens que foram até lá, 800 são ativos. Das 800 mulheres que buscaram o serviço, no máximo 50 são ativas. Esse ano, até agora 92 homens procuraram o serviço e apenas cinco mulheres.

Na nossa cultura, a mulher aparecer e dizer que é uma alcoólatra é difícil. É um perfil muito diferente do homem

O Coordenador de Saúde Mental do CAPS AD, Maurice Bouwary, atribui a dificuldade das mulheres em procurar ajuda ao fato de vivermos em uma sociedade machista. “A gente percebe que tem um entrave nos traços culturais que fazem com que a mulher ainda se sinta nesse aspecto da drogadição inferiorizada frente ao homem. O olhar social é como se falasse que já é esperado esse movimento do homem. Se você passa por um homem alcoolizado na rua parece normal, mas se você passa por uma mulher caída no chão alcoolizada te causa uma estranheza”, acredita.

O Coordenador de Saúde Mental do CAPS AD, Maurice Bouwary,

Juliana relata que o perfil das mulheres alcoólatras é diferente do perfil dos homens. “As alcoólatras bebem sempre em casa, uma e outra que relatam que fazem o consumo na rua, a maioria é tudo em casa, escondido. Existem muitas mulheres com problemas de alcoolismo, mas elas se escondem mais do que qualquer outra dependência. Por consequência, a família demora um pouco mais para enxergar, para ver que a situação é séria e demora mais pra ajudar”, comenta.

Em Bento Gonçalves existe um local chamado Comunidade Terapêutica (CT), onde o usuário que deseja fazer um tratamento mais intenso fica internado por alguns meses, por vontade própria. No município, o local é específico para homens. Quando uma mulher deseja fazer a internação, é encaminhada para a CT de Farroupilha ou Caxias do Sul. “A Comunidade Terapêutica é um braço de apoio, é uma extensão do trabalho que começou aqui, ninguém vai pra lá sem passar pelo CAPS. A procura de mulheres também é baixíssimo”, conta Bouwary.

Esse ano foram encaminhados 40 homens para a Comunidade Terapêutica e cinco mulheres. No mesmo período do ano passado foram 33 homens para a CT e apenas três mulheres.

Questionada se existe algum projeto para incentivar a procura de mulheres, Juliana afirma que não. “Até porque é difícil de buscar elas. Onde estão? Quem são? A mulher se esconde muito, é algo muito velado, é uma coisa muito escondida mesmo e é cultural isso”, declara.

Embora acredite que a sociedade prefere não falar sobre o assunto, Juliana comenta que é importante divulgar o espaço. “Para saberem que existe esse trabalho e que é para todos, não é só para os homens”, finaliza.