Desde o dia 4 de setembro de 2023, a vida de quem reside na localidade de Santa Bárbara e arredores foi transformada. Entre as situações, a falta de uma ponte para ligar as regiões do Alto Taquari e Serra Gaúcha. Quase cinco meses depois do ocorrido, a chegada de uma balsa ameniza a situação. Porém, a comunidade pede o início das obras da nova estrutura pela ERS-431

Com o olhar distante, Olívio Giacomelli, 67 anos, tenta buscar forças para recomeçar. Desde o dia 4 de setembro de 2023, sua vida foi virada do avesso, já que suas duas casas, animais e seu estabelecimento comercial foram levados pelas águas dos Rios das Antas e Taquari, durante a maior enchente dos últimos tempos. Desde então, diariamente, ele se dirige ao terreno onde ficavam seus animais, na Linha José Júlio, interior de Santa Tereza. É dali que surge também a esperança pela retomada das atividades, já que desde terça-feira, 30 de janeiro, a balsa, que servirá para realizar o transporte de veículos entre a comunidade e o município de São Valentim do Sul, está atracada e recebe os últimos ajustes para entrar em funcionamento.

Se por um lado há novidades positivas, por outro, há também incertezas e dúvidas. Desde a fatídica noite que levou embora dezenas de vidas, casas e também pontes, como é o caso da que existia na ERS-431, moradores e quem vai precisar utilizar a balsa, ainda custam a acreditar que uma nova estrutura seja construída. Apesar disso, prefeitos da região, deputados estaduais e o próprio Governo do Estado, garantem que o projeto deve sair do papel ainda este semestre.

Giacomelli, que vive no local há cerca de 30 anos, é um dos que ainda duvidam. Questionado do porquê, ele é enfático ao dizer que não há engajamento dos políticos e da sociedade como um todo para pressionar pela nova estrutura. “Ninguém está acreditando mais que teremos uma nova ponte. Desde que essa daí caiu, eu ouvi poucas pessoas garantirem que teríamos ela novamente. Aí a gente acaba perdendo a esperança, né”, desabafa.

“Quando cheguei no meio da ponte, eu vi que ela ia cair”, afirma

Naquela segunda-feira, onde milhares de pessoas foram surpreendidas pela rápida elevação dos rios, Giacomelli e sua família por pouco, não entraram para as estatísticas de vítimas fatais. Ele lembra que segundos após atravessar pelo local a pé, de mão dada com sua filha, a estrutura veio abaixo.

Estava anoitecendo e para escapar das águas, ele conseguiu passar por uma área de mata mais alta. Ali, encontrou a filha e o genro, que estavam à sua procura. O outro filho de Gicomelli já havia pego o carro da família e saído. “Já era escuro e fomos atravessar a ponte a pé. Quando cheguei no meio da ponte, eu vi que ela ia cair. Havia uma dilatação, como eles chamam, entre os encaixes do asfalto e a água saltava pra cima. A gente olhava pro lado de cima, e via uma montanha de entulhos, toras, pedaços de casas que se acumulavam. Peguei a minha filha pela mão e saímos correndo. Quando chegamos do outro lado e entramos no carro, ouvimos o estouro. A ponte tinha ido embora”, lembra. “Perdi duas casas, o camping, de onde tirava o meu sustento e alguns animais”, comenta.

“Eu atravesso o rio todos os dias de barco, porque tenho a minha propriedade do lado de lá (em Santa Bárbara) e tenho todo o gado aqui. É a maior lamúria do mundo. Estou desanimado de um jeito que vocês nem imaginam. Agora, acredito que vá me animar com a colocação da balsa”, afirma.

Giacomelli lembra com saudosismo o período que antecedeu a tragédia de 4 de setembro. Durante a entrevista, emocionado, ele afirmou, inúmeras vezes, que o local era chamado de paraíso. “Eu cuidava de tudo aqui, como se fosse uma relíquia. Aqui era tudo verde, com árvores, gado, ovelha. Tudo bem cuidado e que acabou indo embora. Não sobrou nada”, revela.

Se por um lado ele lamenta as perdas, por outro ele mantém a fé e dá exemplo de cidadania. Sem cobrar nada, autorizou as equipes das prefeituras envolvidas a realizarem os serviços de terraplenagem, colocação da rede de iluminação em suas terras que vão servir de local para os veículos acessarem a balsa. “Temos que ajudar esse povo que ainda está em desespero. Eu estou ‘quebrado’. Tudo o que eu tinha foi embora. O que eu conquistei em 50 anos, a água levou. Mas no que eu puder ajudar pra gente se recuperar eu vou fazer”, garante.

Olímpio Giacomelli, morador da localidade, por pouco, não perdeu a vida ao atravessar a ponte que logo cairia

Sem a ponte, empresas cortam serviços de transporte no trecho

Se não bastassem as perdas materiais e sentimentais, moradores do entorno também sofrem com a falta de transporte intermunicipal. Sem a ponte, empresas cortaram os itinerários entre Guaporé e Bento Gonçalves, por exemplo. Em outros casos, houve necessidade de buscar novos trechos que, consequentemente, aumentaram o valor da passagem.

Conforme o diretor de uma empresa do setor de transportes da Capital do Vinho, Gustavo Toniollo, desde setembro foi necessário reformular os itinerários que saíam de Bento Gonçalves até os municípios de Guaporé e Serafina Corrêa. Atualmente, a rota é feita por Lajeado, que acaba encarecendo o valor da passagem e, consequentemente, o tempo de duração do percurso.

Sem previsão de retomada das viagens pelo trecho, pois há necessidade de manifestação do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) para utilização da balsa, Toniollo ressalta a importância de medidas paliativas, mas alerta que certas ações não podem se tornar definitivas. “Por óbvio, a queda de uma ponte, é algo muito traumático, principalmente para comunidades do interior, que têm na estrada o seu único meio de transporte. A chegada da balsa traz alívio e também preocupação, de que algo paliativo se torne algo definitivo”, pontua.

Considerada pelo diretor como uma região próspera, a estrutura, além de servir para o turismo e transporte da produção, era utilizada como desafogo da BR-470. “Esperamos que em breve o governo estadual e as nossas lideranças da região consigam se mobilizar para a reconstrução da ponte”, espera.

Santa-terezense que ajudou na chegada balsa também aponta desconfiança

Durante a reportagem, encontramos Juliano Irani Fitarelli, de 43 anos, morador de Santa Tereza, que integrou a equipe responsável pela chegada da balsa até o destino final. Como de costume, ele estava pescando no Rio Taquari e contou que o trabalho realizado foi um dos mais difíceis de sua vida. “Ficamos cerca de oito dias parados em Colinas, por causa do baixo nível do rio e das pedras. Enfrentamos inúmeros desafios, mas conseguimos chegar no destino. Acho que vou ficar para história. Pelo menos, fiz uma coisa boa para o nosso povo”, brinca.

Fitarelli também não vê com muita confiança a construção da nova em ponte tão logo. Ex-vereador de Santa Tereza, ele entende que os trâmites burocráticos e a questão da falta de recursos públicos podem impedir que a situação seja finalizada com êxito. “A gente espera que nossos representantes continuem se empenhando e cobrando das autoridades que se comprometeram em reerguer aquilo que foi destruído. A minha casa praticamente não existe mais. Perdi tudo o que tinha. Mas, a gente precisa ficar em cima, todo o tempo, para que não sejamos esquecidos”, pontua.

Fitarelli perdeu a casa e todos os bens durante a enchente de setembro

Nas redes sociais, maioria não acredita na reconstrução imediata da estrutura

Durante a semana, a reportagem do Semanário realizou uma enquete em suas redes sociais, onde perguntava se o projeto de reconstrução da nova ponte sairia do papel. Cerca de 70% disseram que não acreditam que a obra seja realizada. Outros 20% são confiantes em uma resolução e 10% não souberam responder. Os dados acabam mostrando um certo descrédito junto a classe política, em especial a estadual e federal, que vieram aos municípios afetados, apresentando projetos e promessas, mas que a demora provocada pela burocracia, impede que saiam do papel de forma ágil.

Além disso, a inauguração da ponte de ferro entre Nova Roma do Sul e Farroupilha, em tempo recorde, somente com recursos da iniciativa privada e de doações da comunidade, levantou questionamentos sobre uma possível ineficiência dos entes.

Prefeitos e políticos da região lideram comitiva

Em consenso, os prefeitos de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, São Valentim do Sul e Santa Tereza, cidades diretamente afetadas pela falta da ponte, são unânimes na urgente necessidade de uma nova estrutura. Apesar da balsa, considerada solução paliativa, iniciar seus trabalhos na próxima semana, problemas de logística para empresas, em especial, vinícolas, que seguem recebendo a produção da safra, não devem desaparecer tão logo.

De acordo com dados repassados pelo Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer), utilizado, inclusive, no edital de contratação da empresa Lacel, que fará o transporte da balsa, antes da queda, por dia, passavam, em média, cerca de dois mil veículos pelo local. Esse número não deve ser absorvido com a balsa, mesmo trabalhando 24 horas por dia, como é previsto pela empresa.

De acordo com o prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Segabinazzi Siqueira, há um compromisso do governo estadual para a reconstrução da ponte, em caso de negativas do governo federal. Conforme o chefe do Executivo, os municípios diretamente atingidos pela falta da estrutura devem seguir buscando soluções para concretizar o projeto. “A balsa é solução paliativa para possibilitar o trânsito de veículos, para o escoamento da safra, para os trabalhadores e para a população regional. Existe esse compromisso do Estado, que com a negativa do Governo Federal, iria realizar a construção da nova ponte. E nós seguimos buscando que isso seja brevemente concretizado”, explica.

A prefeita de Santa Tereza, Gisele Caumo, destaca que, de qualquer forma, a instalação da balsa, considerada paliativa, não pode ser aceita como definitiva. “A ponte é o que continuaremos buscando junto ao Governo do Estado. A construção já foi requisitada e, conforme o Estado, o pedido havia sido feito ao Governo Federal. Nos foi sinalizado que, havendo negativa, o Estado assumiria a responsabilidade de execução desta obra”, recorda.

De qualquer forma, Gisele afirma que é necessário agradecer a vinda da balsa. “As pessoas que necessitam diariamente desta via poderão recuperar a dignidade de locomoção. Sabemos o quão difíceis foram estes cinco meses. Mas continuaremos lutando para que a ponte seja edificada o mais breve possível”, finaliza.

Também afetado pela situação, o município de São Valentim do Sul aguarda com ansiedade a construção da nova estrutura. Conforme o prefeito, Geri Angelo Macagnan, desde setembro, a situação causou impactos logísticos e econômicos para a cidade e também as regiões do Alto Taquari e Serra Gaúcha. “Não mediremos esforços para agilizar o processo de reconstrução. Trabalhamos em conjunto com outras cidades não apenas para restaurar a estrutura física, mas também para elevar a moral de nossa comunidade”, afirma.

Se por um lado há apreensão pelo início das obras de reconstrução da ponte, a chegada da balsa é vista com bons olhos pelo prefeito de Monte Belo do Sul, Adenir José Dallé. Ele afirma que, mesmo sendo uma solução paliativa, que contou com apoio da prefeitura na realização de obras no acesso ao equipamento, na Linha José Júlio, a solução deve melhorar a locomoção das pessoas. Quanto a construção da ponte, Dallé diz que a comissão que busca agilizar o processo tem consciência das complexidades, mas que acredita em uma solução em breve. “A informação que nos foi repassada pelo próprio governador, é de após passados os trâmites legais, a ponte seja feita dentro de um ano, pois se encontra em um estado de emergência”, pontua. “Estamos aguardando e seguimos pressionando, porque a obra é muito relevante para Monte Belo do Sul, ligando duas regiões importantes, além das famílias que necessitam do trecho para escoamento da produção de uva nessa época do ano”, afirma.

Representante da região na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Guilherme Pasin elogia a medida paliativa apresentada pelo Governo, mas destaca urgência no avanço das tratativas para a construção da nova ponte. “Essa ligação terá reflexo positivo direto para a nossa população, para o escoamento da nossa produção, principalmente de uva, para a garantia da saúde e o acesso à educação. Mas este é um ponto que deve ser transitório. Nós precisamos continuar, e estamos fazendo isso, atuantes para que a construção da ponte seja iniciada e de forma definitiva nós tenhamos uma solução de ligação entre as cidades que compõem a nossa região”, garante.

Associação também deve intensificar pleito de nova ponte

O presidente da Associação dos Municípios do Alto Taquari (Amat) e prefeito de Vespasiano Corrêa, Tiago Manoel Ferreira Michelon, segue nas tratativas para buscar uma definição sobre a situação, já que Santa Tereza e São Valentim do Sul fazem parte da entidade. Além disso, o trecho interrompido desde setembro, também servia de elo para outros municípios do entorno. “Quando se trata das pontes, nosso compromisso é ainda maior, pois o transporte e logística é uma bandeira que nós carregamos há tempos. E todos os municípios dependem de boas condições de estrada para escoar nossa produção, receber matéria prima e, acima de tudo, manter a ida e vinda de pessoas que estavam fomentando o turismo da nossa região, setor que está em um forte desenvolvimento em todos municípios”, afirma.

Conforme Michelon, uma comitiva da Amat deve ir à Brasília na próxima semana para tratar do assunto de reconstrução das pontes que foram atingidas. E, na pauta, a da ERS-431 também vai estar presente. “Sabemos que tanto o Governo Federal, quanto o Governo Estadual já se comprometeram em agilizar os processos, e também em repassar os recursos necessários, porém precisamos aguardar a tramitação da parte técnica, a qual está sendo conduzida pelos municípios de São Valentim do Sul e Santa Tereza, que não medem esforços para tirar do papel essa obra”, revela.

Nova estrutura terá cerca de 320 metros, mas sem previsão de início das obras

De acordo com nota encaminhada pela assessoria de comunicação do Daer, o anteprojeto e orçamento para a construção da nova ponte na ERS-431, já foram encaminhados ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), que solicitou alterações técnicas no projeto inicial. Segundo a autarquia, a previsão é de que o novo documento seja encaminhado ainda em fevereiro.

Conforme o Daer, a nova ponte será maior do que a antiga, tendo cerca de 320 metros de comprimento. Sobre custos, o órgão não soube informar, já que há necessidade de finalização da definição do projeto.

Balsa instalada vai funcionar 24 horas por dia

baixo nível do Rio Taquari e de denúncias de supostas irregularidades, a balsa que fará a travessia entre Santa Tereza e São Valentim do Sul chegou na tarde de terça-feira, 30 de janeiro, ao seu local de destino. Dezenas de moradores e populares aguardavam o equipamento que deverá ser utilizado, de forma paliativa, até a construção da ponte, que liga a ERS-431. Porém, sem previsão de início, o único meio de transporte segue sendo a balsa. A expectativa é de que o serviço de travessia seja iniciado na próxima semana.

O transporte, segundo a Lacel vai funcionar 24 horas por dia. Cada percurso deve demorar cerca de 30 minutos, entre ida e volta.

Os valores cobrados para a travessia variam de R$ 1,93 para bicicletas, R$ 9,63 para veículos de passeio e chegando a R$ 60,66 para cargas ultrapesadas.