Uma Dama de Honra surda, uma mãe soberana e uma Imperatriz que não deixaram de realizar o sonho por causa da idade; conheça a história dessas três mulheres que representam suas cidades e a Serra Gaúcha
Durante a programação oficial da 19ª Festa Nacional do Vinho, a comunidade pode presenciar, de forma inédita, a escolha das novas representantes da 20ª edição do evento, que ocorre no ano que vem. Na noite do dia 15 de julho, três jovens foram eleitas para representar o povo de Bento Gonçalves e suas tradições. Dentre o trio que irá representar a festa, uma das Damas de Honra, Yasmin Luiza de Lima Barbacovi, de 21 anos, é surda usuária de Implante Coclear. Yasmin se tornou a primeira candidata deficiente auditiva eleita para compor a corte e esteve representando no concurso a Associação dos Surdos de Bento Gonçalves, que a incentivou a participar da competição.
Segundo Yasmin, ganhar o título de Dama de Honra é uma vitória não apenas para ela, mas como também para toda a comunidade surda. “A questão da representatividade para a corte da 20ª Fenavinho é histórica e traz uma chance única de poder compartilhar com toda comunidade surda tudo que representa a Festa Nacional do Vinho, além de todas as memórias e lembranças que carrego em meu coração com relação a ela. Eu estou me sentindo muito feliz e honrada por ter essa oportunidade de representar minha cidade, Bento Gonçalves, e a Fenavinho”, declara. Sobre estar na corte representando um coletivo de pessoas, Yasmin salienta que agora, de certa forma, os surdos vão poder participar dos eventos com a própria língua (Libras e com intérprete), na comunidade e na própria Fenavinho. “Vamos estar realmente incluídos”, finaliza.
Yasmin Luiza, Ana Paula e Maria Júlia representam diferentes coletivos de mulheres
O tesoureiro da Associação dos Surdos de Bento Gonçalves, Felipe Panizzi Possamai, relata que a Associação teve um papel importante assim como a organização da Fenavinho. “Fizemos contato primeiro para verificar a possibilidade de participação de uma surda no concurso, pois são inúmeros desafios na barreira da comunicação, como a necessidade de intérprete. Como foram bem receptivos, fizemos a inscrição, e com o resultado isso dará muita visibilidade à comunidade surda, porque o Brasil afora saberá disso e da necessidade de acessibilidade, que para o surdo se dá apenas por meio de um intérprete de sinais”, salienta Felipe.
A coordenadora do Comitê da 19° Fenavinho, Patrícia Pedrotti, ressalta que a inclusão de uma integrante da comunidade surda na corte da Fenavinho simboliza o compromisso da festa em acolher a todos, celebrando a diversidade e a união. “A Fenavinho é uma celebração comunitária que valoriza cada pessoa e suas histórias, refletindo a riqueza cultural e social da nossa região. Ao abraçar essa representatividade, fortalecemos o sentido de pertencimento e mostramos que a festa é, de fato, para todos, promovendo um ambiente de acolhimento e respeito”, declara a coordenadora.
Idade não foi impeditivo para realizar o sonho de Ana Paula
Além de Yasmin, há outros casos de soberanas que representam coletivos de mulheres que, muitas vezes, não participam das cortes por causa do preconceito enraizado, como é o caso da Imperatriz da 19ª Fenavinho, Ana Paula Foresti, de 31 anos. Até a edição de 2022 só era possível concorrer para a corte mulheres de 18 a 28 anos. No entanto, para a escolha da corte da 18ª Fenavinho a idade máxima para concorrer foi ampliada para 35 anos e Ana Paula Cortes Foresti, na época com 30 anos, pôde participar do concurso. “Desde pequena eu tinha o desejo de ser Imperatriz do Vinho. Quando conheci meu marido, na época namorado, sempre falei sobre esse sonho e como gostaria de viver ele. E é muito importante o apoio de quem vive ao teu lado, pois ele foi meu suporte pré e pós evento, sonhou junto comigo, foi meu companheiro nessa trajetória. A organização nesse período foi fundamental, na vida pessoal, profissional e de soberana. Em muitos períodos eu fiquei ausente de casa, do trabalho, então tudo tinha que fluir bem sem a minha presença, por isso foi importante fazer um planejamento nas tarefas diárias, estabelecer nossos prazos no trabalho e reestruturar minha rotina do dia a dia”, relata a Imperatriz.
Indagada sobre essa representatividade que trouxe para a corte como uma mulher mais velha, ela responde que após ter feito parte de duas edições, a 18ª e 19ª Fenavinho, vê como foi uma feliz escolha por parte da organização: “a maturidade nos ensina muito, a sermos mais pacientes, a saber lidar com algumas situações e termos uma visão mais leve das coisas, direcionando nosso olhar para o que realmente importa, e isso ganhamos com o passar dos anos. Ser soberana é um título de representatividade e de muita responsabilidade, e a experiência é fundamental para exercer a função com maestria”, salienta.
Patrícia Pedrotti frisa a importância dessa ampliação na faixa etária para concorrer: “como mulher e Coordenadora da XIX Fenavinho, acredito que a ampliação da faixa etária é um reflexo do nosso compromisso com a evolução e o reconhecimento do papel das mulheres na sociedade. Com mais experiência, estabilidade e desenvolvimento pessoal e profissional, as mulheres trazem maturidade e uma rica diversidade de vivências”. Segundo ela, esta ação enriquece a representatividade da Festa, permitindo que mulheres com diferentes histórias e conquistas contribuam de forma mais completa, celebrando a força e a pluralidade da comunidade.
O sonho de Maria Júlia: mãe e princesa da primeira corte de Santa Tereza
Outro caso interessante é o de Maria Júlia Caumo, princesa da primeira Corte de Soberanas do município de Santa Tereza. Maria Júlia é mãe de primeira viagem e na época em que estava concorrendo já era mãe do Antony, agora com cinco anos. “Ano passado, quando surgiu o concurso pela primeira vez em minha cidade, eu pensei muito antes de me candidatar, pois já tinha o meu filho, e ser mãe é uma tarefa árdua, onde exige muita dedicação e tempo para o filho. A incerteza não foi capaz de me fazer desistir de um sonho e entrar para a história do meu município fazendo parte da 1ª Corte”, relata a jovem.
Para ela é motivo de orgulho representar todas as mães que se dedicam a inúmeras tarefas do dia a dia. Ainda com obrigações como 1ª Princesa, ela consegue conciliar a maternidade, vida pessoal e as agendas da Corte, mas ressalta que é uma missão bem árdua e que requer muito empenho e dedicação. “A parte mais difícil é que muitas vezes abro mão de momentos com o meu filho, para poder representar a minha cidade, mas é dele que vem a motivação para ser quem eu sou e fazer tudo o que eu faço de melhor”, finaliza.
Evolução com o tempo
Segundo a Rainha da 16ª Festa Nacional do Chimarrão (Fenachim) e Mentora de Oratória, Veridiana Inês Röhsler, os concursos que elegem soberanas tiveram grandes evoluções nos últimos anos. “Quando nos referimos a mulheres que irão representar festas e municípios, já não estamos mais falando de participantes de “concursos de beleza”, mas de “concursos culturais”. Isso porque, cada vez mais, rainhas e princesas estão demonstrando que, além de beleza, também é importante demonstrar conhecimentos e comunicabilidade, para bem representar um município.
A representatividade nesses espaços, também acompanha a evolução da sociedade como um todo. Mulheres de diferentes idades, casadas, mães, PCDs ou de qualquer outra circunstância que antes eram consideradas incapazes de conquistar um título de soberana, hoje se fazem presentes em Cortes por todo o estado”, enfatiza.
Fotos: Augusto Tomasi, Ascom Prefeitura de Santa Tereza e Fenachim / Arquivo