Vinte e três e quarenta. Hora de zarpar. Peguei meu Lamborghini e me enfiei na noite, curtindo a calmaria das ruas, tendo como pano de fundo – ou de alto – as estrelas…

Estava tão alheia ao mundo de cá, que, ao procurar uma vaga na rua em frente ao meu destino, revi a cena engraçada em que aquela senhorinha miúda, de cabelinho fino e azulado, aparentemente frágil, mas enérgica e ativa, tentava estacionar entre dois obstáculos. Quando ela engatava a primeira, o carro da frente sacudia, quando ela dava ré, o carro de trás chacoalhava. Mas a baixinha não era mulher de entregar os pontos diante do primeiro obstáculo… ou do segundo. Estabelecia a meta e corria atrás dela. De fusca bege. Hoje ela já não precisa, pois ganhou um belo par de asas como prêmio por seu legado junto aos velhinhos sem lar…

Sorri com a lembrança e ainda ligada no piloto automático, escalei a rampa, adentrei no complexo hospitalar e só não me perdi no labirinto, onde moças de branco andavam de um lado para outro, porque segui as setas azuis pintadas no teto.

À meia-noite (horário com desconto) eu estava vestida a caráter para entrar no túnel de ressonância magnética. De cabelos lisos, sem cremes nem maquiagem, vestindo um camisolão. E evidentemente com o amor próprio em baixa.

O grau de claustrofobia que eu tinha na época me exigiu muito malabarismo mental para não apertar a “buzina” que me colocaram na mão direita, levantar e sair correndo. Meu coração já fazia “bum, bum, bum…” antes mesmo de as marteladas do equipamento ecoarem “pam pam pam” no meu cérebro. Tipo um show de Heavy Metal. E eu encerrada naquela cápsula pronta para ser disparada rumo à Lua. Abri os olhos pra ver se havia luz no final do túnel, mas nada. Senti um filete de suor abrindo caminho pelas laterais e o medo do pânico começou a gerar mais pânico.  Então, lá pelos quarenta do segundo tempo, me perguntei: Afinal, você é uma mulher ou uma rata? Tive de assumir minha condição de… mulher, obviamente. Com a ajuda da imaginação, comecei a entrar no ritmo das batidas do equipamento e, quando vi, quase deslizava no musical de John e Olívia, a dupla dos tempos da brilhantina que Travolta nos noticiários (Não resisti ao trocadilho).

Mas como disse Shakespeare há mais de quatrocentos anos, numa de suas obras, “Bem está o que bem acaba”. E tudo acabou bem. Ufa!