Entusiasta da saúde, da cultura, da educação e da inclusão social, grande líder da maçonaria e bairrista ao extremo, o representante comercial Darci Poletto, aos 77 anos, conta um pouco de sua história
Bento-gonçalvense, nascido em 1943, terceiro de quatro filhos de Desidério e Carmelita Bouchut Poletto. Este é Darci Poletto, irmão de Mauro, Bruno e Décio, que em abril de 1970, se casou com Jane Moroni (in memorian), com quem teve três filhos: Rafael, que é pai da Giulia; Leonardo, pai da Maria Luíza e do Mateus; e Melissa, mãe de Isabele e Bernardo.
Contabilista formado pelo Escritório Modelo do Colégio Marista, Poletto sempre atuou na área de vendas e fez muitos cursos de marketing, que o habilitaram a trabalhar com promoções e publicidade. Já fez e vendeu pão, passou pelo Exército Brasileiro, pela Secretaria de Obras do Estado, tirou primeiro lugar no concurso da CEEE, mas foi na área comercial que desenvolveu seu dom, fez muitos amigos e construiu uma história comunitária como poucas.
Bento Gonçalves ontem e hoje.
Bento teve um progresso bastante grande, do qual participei muito. Atuei em três edições da Fenavinho e nas Mostras do Mobiliário (hoje Movelsul). A Fenavinho foi um marco. Não se tomava vinho no Brasil. Lembro que estava trabalhando na Dreher quando mandaram cortar os parreirais de uvas comuns e distribuir mudas de viníferas. O trabalho foi coordenado pelo Nilson Majola. Com a Fenavinho, divulgou-se o hábito de tomar vinho aqui. Foi uma grande aventura que deu certo. Aí começaram a expandir as indústrias de móveis pela qualidade do móvel que era produzido aqui. Em qualquer lugar que a gente fosse, quando dizia que o produto era de Bento, as pessoas queriam comprar. Tinha muita concorrência entre as empresas, conflitos internos. A união delas foi fundamental para tomarmos conta do país no segmento moveleiro. Então, o progresso de Bento se deu sobre estes pilares principais: o vinho e o móvel. O que piorou, realmente, foi a centralização política, sem formação de novas lideranças por um tempo muito longo, o que criou uma lacuna e uma defasagem por falta de representatividade estadual e federal. Hoje temos um Prefeito jovem, que parece que está tentando formar novas lideranças. Precisamos muito disso.
Há 34 anos membro do Conselho de Administração do Hospital Tacchini. O Hospital ontem, hoje e amanhã.
Lembro que me convidei para fazer parte. Eu era da Loja Maçônica Concórdia e o Delmar De Gásperi, que estava no Conselho, faleceu repentinamente. Pedi para a Loja indicar alguém e, diante da demora na indicação, me inscrevi. As dificuldades do Hospital na época eram enormes. Não tinha dinheiro, nem muitos especialistas. Recém tinham iniciado com o Plano de Saúde Tacchimed, mas pouquíssimas vidas haviam se associado. Tínhamos que buscar recursos nas empresas para pagar o 13º dos funcionários. A magnífica administração do Armando Piletti levou ao Hospital Tacchini uma progressão sem igual. E o Plano de Saúde foi crescendo, o que oportunizou a aquisição de equipamentos e a contratação de profissionais. Hoje é a maior empresa de Bento Gonçalves, com resultados que permitem grandes investimentos. Aprendeu-se a fazer projetos para que as verbas viessem para cá. Os empresários, integrantes do Conselho, que fizeram isso, merecem todos os nossos elogios. Tenho a impressão que esse crescimento não vai cessar nunca. Nosso Hospital tem uma imagem conceituada no Estado, e agora também no Brasil. É uma referência em saúde.
Tacchimed, SUS, tudo no Tacchini. Isso dá certo?
Como este é o único hospital e tem convênio com o SUS, com 60% da capacidade destinada aos pacientes que não têm planos, e outros 40% destinados ao Tacchimed, IPE, outros convênios e particulares, tudo é uma questão de bem administrar. Então, dá certo sim. Todos que necessitam de atendimento no Tacchini recebem o mesmo tratamento, tanto em questão de profissionais quanto de medicamentos e isso é o mais importante. Claro que é necessário respeitar certas regras do SUS para não perder os direitos, mas o atendimento, posso garantir que é de primeira para todos.
O novo hospital público. Fale a respeito.
Vejo como uma importante obra para apoiar o Hospital Tacchini, principalmente porque o Município tem uma responsabilidade muito grande sobre a saúde. Só não vejo como a Prefeitura assumir a administração de um Hospital. É muito difícil para manter. As despesas com pessoal e equipamentos são muito elevadas. Há dificuldades que um Município não suportaria. Mas como forma de apoio para casos menos graves, é fundamental.
O que ainda precisa melhorar na área da saúde?
Neste quesito, Bento é uma ilha. Os repasses estão bem equilibrados. Claro que tem que ter uma atuação muito forte de quem trabalha na área. São necessários argumentos seguros e projetos para trazer investimentos, tanto financeiros, quanto materiais. Isto vem melhorando a cada ano com a competência do nosso Prefeito e do Secretário da Saúde. Nenhum município do entorno tem 50% do que temos nesta área. É impressionante a cobertura que se tem aqui.
Campus da UCS repleto de cursos e alunos. Seu trabalho em torno disso e sua visão atual.
Eu estava na diretoria do CIC, na gestão do Ilduíno Pauletto, e tinha uma Comissão de Assuntos Comunitários. Certo dia, o presidente da Fervi, à época Loreno Dal Sasso, apareceu por lá para dizer aos empresários que a Fervi tinha apenas três cursos e estava para fechar. Ele pediu ao empresariado um apoio, num levantamento de cursos que poderiam ser implantados para manutenção daquela estrutura. E quando os retornos vieram, a resposta foi “Engenharias”. Entregamos a ele, que enviou ao MEC. Pouco tempo após veio a resposta. Lamentavelmente, só seria autorizada a implantação de novos cursos, especialmente nesta área, caso houvesse uma base territorial universitária. Por motivos pessoais, Dal Sasso deixou a Presidência da Fervi neste mesmo período. Encerrado seu mandato diante do CIC, Pauletto passou a ingressar a Comissão e a articular com o Conselho Consultivo da Fervi uma saída. Foi então que levantamos a ideia de um comodato com a UCS. O bento-gonçalvense Astério Grando era professor da Universidade, amigo do reitor Ruy Pauletti, e fez a ponte para que nos reuníssemos. Lembro como se fosse hoje. Sentamos, explicamos a situação, oferecemos a estrutura, apresentamos as prioridades. Ele ficou encantado, aprovou na hora. Foi então que começamos a montar um protocolo de intenções. A ideia era proporcionar que mais jovens da Região pudessem cursar uma graduação. Foi assinado o comodato e começaram a ser implantados os cursos. Dentro do convênio constava a construção de novos prédios, mais salas, laboratórios. Antes da UCS assumir, estávamos com 800 alunos. Chegamos a cinco mil, 20 cursos. Realmente valeu à pena. Foi uma grande conquista para o Município.
Diversas faculdades e núcleos educacionais em Bento. A formação e/ou a valorização dos profissionais com formação é cada vez menor e mais difícil. O que o senhor pensa a respeito disso?
Acho que vale sim. O Diploma comprova o empenho do profissional em buscar um aperfeiçoamento. O que está faltando é a valorização destes profissionais. Claro que só o “canudo” é pouco. Tem que continuar em busca de melhorias no currículo. Minha experiência não é de grau superior, mas minha evolução se deu pelos cursos que fiz. Enquanto tiver condições de evoluir, temos que buscar, tanto o conhecimento quanto o retorno financeiro. Tem que lutar para conseguir subir sempre. É uma pirâmide, e isso em todos os segmentos. A base é sempre maior, e poucos chegarão ao topo.
Durante cinco anos o senhor foi vice-presidente da APAE. No que ela mudou? E a venda ou permuta do imóvel da APAE, o senhor foi ouvido e concordou?
Fui vice-presidente no mandato do Vitorino Marodin, de 1983 a 1985 e do Ilduíno Pauletto, de 1985 a 1987. Hoje estou concluindo o livro da História da APAE. A entidade foi uma das primeiras no Estado a ter uma estrutura como a que temos aqui. Além de atender os excepcionais, temos a Escola, que foi idealizada pela Clélia Reali. Tudo começou com um pequeno prédio, que foi sendo remendado, emendado, restaurado. Tomei muito conhecimento da Permuta, que começou na gestão do José Oro e teve continuidade na do Paulo Ranzi. Francisco Faggion Filho sempre apoiou a APAE e apresentou uma proposta para um prédio novo. A equipe e os alunos mereciam este reconhecimento. Houve na comunidade os contrários e os favoráveis. Os contrários, talvez porque não foram consultados, mas tudo está registrado, documentado em Ata. Além de ter sido muito bom para a APAE, o que será feito no local irá valorizar o bairro. Ambos saíram ganhando, a comunidade local e os apaeanos. O que faço é parabenizar os envolvidos por tudo o que está sendo feito.
Como o senhor vê a inclusão social?
Existe, sim. Acho que está de acordo, sim. Em julho de 2005, ganhei da APAE um quadro com uma frase de minha autoria: “Ser diferente não é feio, nem motivo de exclusão”. Hoje vejo muitos alunos em escolas regulares, inseridos na sociedade. Isso é, no mínimo, gratificante.
A Casa das Artes. Fale sobre essa obra e sobre a cultura em Bento. Ela cumpre seus objetivos? E a Rua Coberta, não depreciou a obra?
A Casa das Artes surgiu dentro do Conselho Deliberativo do Clube Coríntians. A ideia era utilizar a estrutura do Clube, que estava desativado, para a cultura. Enviamos correspondência para o prefeito, à época Ormuz Rivaldo, que logo se afastou para ir a Brasília chefiar a Embrapa, e não nos deu resposta. No Município, assumiu o vice, Aido Bertuol, e começamos a nos reunir para falar sobre a cultura. O Museu estava fechado, com o telhado caindo. Na Biblioteca, que ficava no Ed. General Bento Gonçalves, não tinham nem dinheiro para trocar uma lâmpada. Alguém precisava tomar frente. E pela primeira vez, recaiu sobre mim a responsabilidade de presidir algo. Pela primeira vez, não fui vice. Alugamos uma sala no Ed. Júlio de Castilhos, arrumamos estantes, cadeiras, e aí começou a funcionar a Fundação Casa das Artes. Instituímos que o Museu e a Biblioteca, como prédios públicos, teriam as bandeiras do Brasil, do Estado e do Município em suas frentes. A ideia foi crescendo com Biblioteca aqui, Museu fechado ali. Não podia ficar assim. Foi então que construímos, nos fundos do Museu, um prédio – sem projeto mesmo – para guardar o acervo e começar a reforma. Fizemos um concurso para escolha do projeto para construção da Casa das Artes. Queriam me dar uma parte do terreno da Praça Centenário, mas este pertencia ao Estado. Ia demorar muito. Eu tinha pressa. Hoje, com o secretário Evandro Soares, a Casa das Artes tem tudo o que eu imaginava naquela época, que até então não tinha tido. Só acho que ainda falta apoio do Município na manutenção do prédio. Aquela obra é uma joia, que não está tendo a devida atenção. Vou brigar por isso por toda minha vida. Ela não tem renda. O Município faz uso, então tem que manter. Eu aprovei a Rua Coberta. A Casa das Artes pode utilizar para eventos externos. O Complexo está muito bonito, mas falta vigilância para não irem lá dormir, nem quebrar. Ou então tem que cercar tudo. Responsabilidade do Município. Vou cobrar e encher a paciência sempre. Alguém tem que ser o chato da história e eu me dou esse direito.
Como surgiu a ideia de valorizar o artesanato com a prata? O segmento está em evolução? Quantos alunos já se formaram e estão no mercado?
A Escola de Prateiros Santo Elói surgiu por acaso, em 2017. Minha neta, Júlia, sempre foi minha companheira de chimarrão. Soube que tinha um rapaz – Raul Sartor Filho – que fazia cuias com detalhes em prata e fui procura-lo para fazer uma para ela. Vi que ele era um grande artista, mas que quase não tinha serviço. Comecei a ir no ateliê dele todos os dias acompanhar a confecção da minha encomenda e trocar ideias com ele. O trabalho é excelente! Ele é um autodidata na prataria. Foi então que começou a ter trabalhos, se dedicar, ser valorizados. A clientela foi crescendo pela sua simplicidade, aliada à perfeição de seu trabalho. Em março de 2018 fizemos uma exposição, sucesso absoluto. Vieram expositores da Argentina, pagamos todas as despesas, divulgamos bastante. Hoje, vários artesãos estão atuando na área. O objetivo foi resgatar o antigo ofício da prataria. Já formamos cerca de 40 alunos, entre o básico e o cinzelado. Pretendemos abrir para mais ofícios, como filigrana (fios de prata), esmaltação. Temos sempre que pensar em crescer. É a primeira Escola do Brasil, realizamos o 1º Encontro de Prateiros do país. E vamos só crescer!
O senhor se sente seguro e protegido morando em Bento?
Eu sim, porque moro no oitavo andar, saio pouco e não saio à noite. Vejo que tem muitos investimentos sendo feitos na área da segurança, mas ainda creio que mereçamos mais. Poucos municípios têm recebido tantas viaturas, mas somos nós que estamos pagando. A segurança noturna, para mim, é muito precária.
Ao receber uma homenagem do Legislativo Municipal, em seu currículo, o senhor abriu um tema raro. Falou sobre sua dedicação à maçonaria. Como funciona a maçonaria? Qual a sua atuação comunitária?
A maçonaria é uma escola de princípios, ética e moral. É uma instituição filosófica, não uma religião, como muitos pensam. Suas leis são antigas e imutáveis, e dão direito à participação apenas de homens. É um aprendizado. Eu me dedico muito à sua história, porque é o que eu gosto. Já fiz trabalhos a nível nacional e mundial. Tenho uma formação de quase 46 anos, sempre pesquisando sobre a maçonaria. Quanto ao valor comunitário, a maçonaria não tem obrigação de fazer trabalhos comunitários. Quem se envolve nas atividades são os maçons, pela maneira de se aperfeiçoar internamente, como ser humano. Vários segmentos comunitários em Bento Gonçalves foram construídos pelos maçons. As pessoas nem fazem ideia disso. O primeiro prefeito do Município, coronel Antônio Joaquim Marques de Carvalho, foi um grande líder da maçonaria. Isso ninguém sabia.
Quem pode fazer parte da maçonaria?
Todo aquele que tem vontade, é livre e de bons costumes, e que acredite num ente superior. Não interessa qual sua religião, desde que tenha tendência a ser útil para as pessoas. Mas não é “quem quer”. Tem que ser convidado, porque tem que cumprir com os requisitos.
O senhor é considerado um grande escritor. De onde vem a motivação e a inspiração para contar – e registrar – tantas histórias? Resuma suas obras.
A inspiração vem exatamente da história. Quando a gente começa uma pesquisa, se quer saber sempre mais. A curiosidade é o que leva a pesquisar e registrar a história. Nestas pesquisas, descobri quem fez o projeto da Prefeitura. Era maçom, engenheiro e arquiteto. Foi o mesmo que projetou a Biblioteca Pública de Porto Alegre, a Secretaria da Fazenda, a Prefeitura de Quaraí. Se chamava Affonso Hebert.
Que Brasil o senhor almeja para os jovens e para as crianças?
Complicado. Temos que conseguir mudar o sistema de ensino primário. Tudo começa por lá. As crianças saem sem saber a tabuada, sem saber escrever, interpretar um texto. Essa é a base de tudo. Se a criança vem com uma base fortalecida, vai saber aproveitar melhor seus ensinos superiores. Tem que valorizar mais o ensino como um todo, principalmente os professores. Tem que voltar a matéria do OSPB (Organização Social e Política Brasileira). Acostumar a criança com os símbolos, com os hinos, com o patriotismo.
Sua visão política e dos governantes.
Acho que um grande passo foi a tentativa, que parece estar dando resultado, de acabar com a corrupção desenfreada. Tem seus altos e baixos, mas vejo com bons olhos. Nosso país era totalmente corrupto. Tem que se melhorar esta parte e, como já disse, fortalecer o ensino. Daí tudo vai melhorar. Até nem tenho muito conhecimento sobre isso, mas é meu sentimento.
Um conselho aos jovens e um pensamento filosófico.
Conselho: Tentar sempre acreditar naquilo que deseja alcançar, lutar com todas as forças, buscar o conhecimento. Quanto mais conhecimento tiver, vai se tornar uma pessoa realizada.
Pensamento: A história se faz quando existe idealismo em desejos que se tornam realidade. (Pensamento de própria autoria, que está em todos os seus livros)
No que se resume seu lazer: culinária, atividade física, condições de saúde. Se puder, dê algumas dicas.
Gosto de culinária. A Jusserli (Paese), minha cuidadora, faz todo o trabalho, cozinha muito bem. Hoje (na data da entrevista), pedi para ela fazer um creme de beringela e Kafta (comida árabe). Ensinei ela a fazer. Como não encontrei o pão sírio para comer com a pasta, comemos com torradinhas mesmo! Nos domingos, antes da pandemia, fazia churrasco para os filhos e netos. Mas sou acostumado com a solidão, sou acostumado com a minha doença (neoplasia de intestino), não tenho medo da morte. Sou tranquilo, emotivo, muito emotivo. E estou sempre pensando em alguma coisa em que eu possa ser útil.