Há em Bento Gonçalves – assim como no país – uma quantidade inaceitável de assassinatos. Nesse universo vergonhoso, uma categoria de crimes exige análise à parte. Trata-se do feminicídio, em que as vítimas são escolhidas por uma única contingência – o gênero. Esse tipo de morte, com último caso confirmado no domingo, no bairro São Francisco, pode acontecer por múltiplas razões aparentes. Despidas as aparências, suas raízes se encontram na noção troglodita de que homens têm direitos sobre mulheres. Outro traço comum a muitos dos casos é que as mortes poderiam ser evitadas.
É usual que a vítima sofra violências consecutivas antes de o crime fatal acontecer. O Brasil é um dos países em que mais se matam mulheres. De acordo com dados do Mapa da Violência 2016, a taxa média de homicídios femininos no país é alarmante. O Brasil passou do 7º lugar entre 84 países em 2010, uma posição já ruim, para outra pior ainda, o 5º lugar entre 83 países, em 2013.
A violência contra a mulher segue diluída em expressões como “matou por amor”
Tipificar um assassinato como feminicídio, conforme a lei, não significa dar à morte de uma mulher mais importância que a de um homem, como querem os críticos desinformados. Os homicídios femininos merecem avaliação à parte porque resultam de uma dinâmica própria. Entre homens jovens, grupo que compõe a maior parte dos assassinos e das vítimas de assassinato no país, os homicídios ocorrem na rua e por obra de desconhecidos. É possível associar tais ocorrências ao crime organizado e a fatores sociais e econômicos diversos. No universo do feminicídio, a previsibilidade é marcante – o que aumenta a revolta diante do problema, mas também deveria animar autoridades a enfrentá-lo.
Um debate mais qualificado ajuda a preparar instâncias diversas do poder público – polícia e assistentes sociais, entre outros – para que acolham com a seriedade necessária reclamações de mulheres logo aos primeiros sinais de comportamento ameaçador de companheiros e ex-companheiros. Encontrar agentes do poder público bem preparados, por sua vez, encorajará mulheres a denunciar comportamentos inaceitáveis. A sociedade deixou de tolerar conceitos antiquados como “matou em defesa da honra” e “matou por amor”. Mas a violência contra a mulher segue diluída em expressões como “crime passional”. É hora de chamar o problema por seu nome verdadeiro e tratá-lo com a distinção que merece.