Mães que lideram negócios e famílias enfrentam jornadas duplas, superam preconceitos e encontram apoio em redes como a CDL Mulher
No cenário empresarial gaúcho, uma transformação silenciosa vem ganhando força: o empreendedorismo feminino impulsionado pela maternidade. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Sebrae RS entre janeiro e fevereiro de 2025, 76% das empreendedoras no estado são mães — muitas com o desafio de equilibrar a criação dos filhos com a gestão dos negócios. A busca por autonomia financeira e flexibilidade para cuidar da família tem sido o principal motor dessa nova realidade.
A pesquisa, que ouviu 449 mulheres empresárias, revela que quase 60% delas têm entre 30 e 49 anos, 84% se autodeclaram brancas e 59% possuem ensino superior completo ou pós-graduação. Uma em cada três é a única provedora de renda da família. O retrato reforça a relevância do papel materno nesse contexto: são mulheres que não apenas empreendem, mas sustentam seus lares.

A presidente do Sindmóveis, advogada e empresária Cíntia Weirich exemplifica essa jornada de múltiplas funções. Mãe de dois filhos, ela relata que organização e apoio são fundamentais para equilibrar sua rotina. “Levo minha filha à escola, compartilho o trajeto com meu marido e meu filho mais velho, e fazemos questão de almoçar e jantar juntos todos os dias. O tempo de qualidade faz a diferença”, afirma.
Cíntia conta que sua entrada no mundo dos negócios não foi um plano original, mas uma resposta a uma oportunidade observada ao lado do marido. A decisão exigiu coragem para sair de uma carreira estável no serviço público. “Foi uma transição desafiadora, mas decidida com muito diálogo. No início, conciliava a advocacia com a nova empresa, até me dedicar integralmente ao negócio”, relata.
Segundo o Sebrae, 48% dos microempreendimentos individuais (MEIs) abertos no Brasil em 2023 foram por mulheres. No Rio Grande do Sul, 46% das empreendedoras estão formalizadas como MEIs, com atuação concentrada no comércio e serviços. Moda, alimentação, saúde, educação e tecnologia estão entre os setores com maior presença feminina. Apesar disso, os desafios ainda são significativos: 42% das entrevistadas relataram episódios de preconceito ou discriminação, e 29% dizem que essas situações prejudicaram seus negócios.
Em Bento Gonçalves, essa movimentação também é percebida no comércio. A coordenadora da CDL Mulher local, Helenir Bedin, destaca que 160 empreendimentos associados à entidade são liderados por mulheres. “Elas estão cada vez mais presentes e atuantes, seja como proprietárias, gestoras ou colaboradoras. Esse crescimento é reflexo do valor que elas trazem à liderança e à inovação dos negócios locais”, afirma.
A maternidade, segundo Cíntia, agrega competências fundamentais à gestão. “Empatia, resiliência, capacidade de adaptação, gestão de crises. São habilidades que a maternidade nos ensina e que aplico tanto na empresa quanto na presidência do Sindmóveis”, diz. Ela também fala sobre a culpa, sentimento comum entre mães empreendedoras. “Procuro focar no impacto positivo das minhas escolhas. Meus filhos veem uma mãe comprometida, que trabalha com propósito. Isso também educa”, diz.
A rede de apoio aparece como elemento crucial para conciliar maternidade e empreendedorismo. Cíntia aconselha: “Não espere o momento perfeito. Planeje, busque apoio e acredite na sua capacidade. Com coragem e organização, é possível empreender sem abrir mão de ser mãe”, diz.

Na cidade, a CDL Mulher tem se tornado ponto de apoio importante para essas mulheres. “Recebemos muitas empreendedoras interessadas em integrar o núcleo, trocar experiências e ampliar a rede de contatos”, conta Helenir. Como parte desse incentivo, a entidade promoverá no dia 24 de junho uma palestra com Maria Anselmi, fundadora da Malharia Anselmi, destacando o protagonismo feminino no setor têxtil nacional.
Entre os setores com mais mulheres no comando em Bento Gonçalves estão moda, beleza e alimentação — áreas que combinam tradição local e potencial criativo. “É preciso dar visibilidade a essas líderes e combater estereótipos”, enfatiza Helenir. “Ambientes empresariais mais inclusivos fortalecem não só os negócios, mas toda a comunidade”, conclui.
A presença crescente de mães no empreendedorismo não é apenas um dado estatístico — é um reflexo da força de mulheres que, entre tarefas escolares, reuniões e decisões estratégicas, constroem novos modelos de liderança e reinventam o papel feminino no mercado. O legado que deixam vai além do lucro: é um futuro mais justo e inspirador para as próximas gerações.