A Páscoa, uma das celebrações mais antigas e significativas da humanidade, reúne simbolismos religiosos, fenômenos astronômicos e tradições culturais que atravessam séculos. Seja no silêncio das igrejas ou na alegria das crianças em busca de ovos de chocolate, a data carrega muito mais do que aparenta.
Ao contrário de feriados com datas fixas, a Páscoa é móvel — e essa mobilidade está diretamente relacionada à lua. Desde o Concílio de Niceia, no ano 325, definiu-se que a celebração ocorreria sempre no primeiro domingo após a primeira lua cheia que segue o equinócio de primavera no hemisfério norte (21 de março). Isso faz com que a data varia entre 22 de março e 25 de abril.
Da libertação à ressurreição
A história da Páscoa começa antes mesmo do cristianismo. Para o povo judeu, a data remete à libertação dos hebreus da escravidão no Egito, conforme relatado no Antigo Testamento. Conhecida como Pessach, ou “passagem”, a celebração marca o momento em que, segundo a tradição, Deus poupou os primogênitos israelitas durante a décima praga egípcia, permitindo a fuga liderada por Moisés.
Com o surgimento do cristianismo, a Páscoa ganha novos significados. Jesus, que teria participado de uma ceia pascal com seus discípulos, foi crucificado, morreu e, segundo os evangelhos, ressuscitou três dias depois. Para os cristãos, esse momento representa a vitória sobre a morte e o pecado, consolidando a data como o ápice da fé cristã.

A Sexta-feira da Paixão, ou Sexta-feira Santa, é especialmente carregada de simbolismo. O padre Volmir Comparin, da Paróquia Santo Antônio, destaca que esse é o dia em que Jesus “é condenado para, entre os piores seres humanos, à crucificação”, e lembra que a morte na cruz era uma prática romana de execução. “Jesus acaba dando a sua vida. A gente pensa que ele é só passivo, sofreu, morreu e pronto, mas ele sabia do enfrentamento com autoridades e não deixou de revelar o Pai. Foi fiel até às últimas consequências, até a morte”, afirma.
O padre explica que, no Evangelho de João, é possível perceber como grupos que vão se sucedendo, povos, autoridades, ridicularizam Jesus na cruz. Mesmo assim, Ele não responde com ódio. “Jesus tem um olhar para baixo quando vê João e a Mãe e diz: ‘Mulher, eis aí o teu filho, filho, eis aí a tua Mãe’. Jesus olha ao lado e vê um dos malfeitores pedindo paraíso e responde: ‘Hoje estarás comigo no paraíso’. Jesus olha ao alto e diz: ‘Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem’. E no final: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. É toda confiança, é toda dignidade”, ressalta.
Para Comparin, o verdadeiro sentido da Páscoa está na revelação plena do mistério divino. “O véu do santuário se rasgou, tudo o que estava escondido agora está exposto. A bondade de Deus, a dor que Ele também sente pela humanidade que não se converte, estão reveladas”, afirma. Ele ressalta que é em Cristo que a humanidade se reencontra e renasce.
Ele convida os fiéis a viverem a celebração com intensidade: “Que a Sexta-feira da Paixão seja de silêncio para rever atitudes, comportamentos e, quem sabe, possamos chegar ao Domingo de Páscoa com o coração renovado”. O padre lembra ainda que, às 15h, momento tradicional da entrega do espírito de Jesus, são realizados ritos importantes: “Celebramos a paixão, a oração universal para toda a humanidade, a adoração à cruz e a distribuição da Eucaristia. Depois, fazemos a procissão com o corpo morto de Jesus, simbólico. Ele está indo à frente, nos mostrando que também nós morreremos, mas na morte d’Ele está também a nossa ressurreição”, enfatiza.
Fé que renasce e transforma
Para além do apelo comercial, há quem preserve o verdadeiro sentido da Páscoa. A professora aposentada Alzira Favero Glanert, 57 anos, catequista e festeira de Santo Antônio de 2025, vive o período como um tempo de espiritualidade profunda. “A Sexta-feira Santa é o momento de reflexão sobre o sacrifício que Jesus fez por cada um de nós. É hora de parar e pensar: e eu, o que estou fazendo pelo meu próximo?”, afirma.
Ela considera o dia um convite ao “silêncio interior e à gratidão” e vê no domingo de Páscoa um símbolo de renovação: “Representa a esperança, o recomeço, a vitória da vida sobre a morte”, diz. Durante a Quaresma, Alzira procura intensificar os valores cristãos em sua rotina. “Pratico mais o perdão, a caridade e o amor ao próximo”, comenta. Para ela, a fé é impulso para recomeçar. “A força para levantar vem da certeza de que Deus está comigo mesmo diante das dificuldades”, revela.
A espiritualidade, segundo Alzira, deve se manifestar em gestos concretos. “Vai muito além de rituais. É viver com propósito, sendo luz para o outro”, declara.
Devota participativa, ela relata fazer questão de acompanhar todas as celebrações da Semana Santa. “Cada uma tem um significado profundo: Ramos, Ceia do Senhor, Paixão, Ressurreição”, enumera. Também cultiva tradições como o jejum e a penitência. “Na Quaresma, abro mão de algo que gosto muito como forma de exercício espiritual”, explica.
Apesar da fé enraizada, Alzira demonstra preocupação com o foco consumista da Páscoa. “Mesmo com sinais de resgate da espiritualidade, o apelo comercial ainda é muito forte, principalmente entre os jovens”, lamenta.
Ela acredita, no entanto, que é possível conciliar símbolos modernos com o significado cristão. “O ovo representa vida nova. Precisamos ensinar isso às crianças e lembrar aos adultos o verdadeiro sentido da celebração”, aponta.
Como mensagem, ela propõe um renascimento interior. “A Páscoa é tempo de recomeço. É hora de deixar para trás o que nos afasta de Deus e seguir com mais fé, esperança e amor”, afirma. E finaliza: “Quando a fé é vivida em família, ela se fortalece e se torna fonte de crescimento espiritual para todos”, conclui.
Páscoa convida os jovens a sonhar com o eterno
Para o padre Miguel Mosena, da Paróquia Cristo Rei, a mensagem central da Páscoa é que “a vida é mais forte que a morte”. Ele explica que, pela ressurreição de Cristo, “a antiga inimiga da humanidade, que é a morte, foi destruída”. Por isso, afirma, o momento de passagem não representa o fim, mas um recomeço: “Chamamos de Páscoa justamente essa transição da morte para a vida”, pontua.
Segundo o religioso, a Quaresma funciona como um tempo de preparação e mudança interior. “É tempo de conversão porque nos dá a chance de ajustar atitudes que atrapalham nossa vivência da vida plena que Cristo oferece”, diz. Ele reforça que as práticas do jejum, da oração e da esmola ajudam a concretizar essa transformação espiritual.
Com relação à participação da juventude, o padre se mostra otimista. “Nesse tempo a presença dos jovens é mais intensa em nossas celebrações e comunidades”, observa. Para ele, a Páscoa traz uma mensagem poderosa à juventude, especialmente em um mundo marcado pela pressa e pela superficialidade: “A ressurreição concede aos jovens a força capaz de aprofundar o sentido da vida e correr menos atrás do que não vale a pena”, diz.
Mosena aponta que a esperança cristã se fundamenta na certeza de que “Cristo nos conhece pelo nome” e de que nossa identidade permanece viva mesmo além da morte. “A esperança é confiar em alguém que resgata nossas vidas de tudo o que tenta tirar o vigor delas”, declara.
Citando dados da Conferência Episcopal Francesa, ele destaca um movimento de renovação: “Só neste ano, mais de 17 mil jovens e adultos foram batizados na França. Entre os adultos, 42% têm entre 18 e 25 anos. Isso mostra que a juventude está buscando Deus e deixando-se encontrar por Ele”, comenta. Em Bento Gonçalves, ele também percebe esse despertar: “A participação dos jovens aumentou, especialmente nas missas de fim de semana”, relata. E completa: “Evangelizar jovens exige escuta e linguagem atual. O jovem evangeliza o jovem”, afirma.
Na paróquia Cristo Rei, iniciativas como o Alpha e o grupo Si Quaeris reforçam esse caminho. “Vejo na direção espiritual que muitos jovens têm sede de algo duradouro. E isso expressa a força da Ressurreição de Cristo”, conclui.
Fotos: Isadora Helena Martins