Polícia Civil tem 96 registros de ocorrências desde 2020 dos municípios de Bento, Garibaldi, Carlos Barbosa e Veranópolis
Nos últimos anos, Bento Gonçalves tem registrado números preocupantes de mortes no trânsito. De acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN), 11 pessoas perderam a vida em 2022, enquanto em 2023 e 2024 foram registradas 8 vítimas fatais em cada ano. Em 2025, até o momento, uma morte foi contabilizada segundo o relatório, que considera apenas Bento Gonçalves. Já a Polícia Civil tem 96 registros de ocorrências desde 2020, abrangendo não apenas Bento, como Garibaldi, Carlos Barbosa e Veranópolis.
Especialistas apontam que esses números refletem o esgotamento do modelo de mobilidade do município, que, apesar do crescimento econômico acelerado, enfrenta desafios estruturais significativos para garantir a segurança de motoristas e pedestres.
A professora Mônica Beatriz Mattia, da Universidade de Caxias do Sul (UCS), analisa que o crescimento da cidade tem sido acompanhado por um aumento exponencial no número de veículos. “Em 1991, Bento Gonçalves tinha pouco mais de 23 mil veículos registrados, número que saltou para 93 mil em 2024”, aponta.
Alguns problemas são apontados por ela, como a “urbanização mal planejada: ruas estreitas e uma matriz viária descontinuada dificultando a circulação. Além disso, tem as edificações muito próximas às ruas decorrentes de um planejamento urbano focado em resultado econômico e não na qualidade de vida”, indica.

Ela acrescenta que há um conflito entre vias de escoamento e tráfego urbano. “As mesmas vias são utilizadas tanto para circulação urbana quanto para o transporte de cargas, não havendo possibilidade para adequação. A localização de muitas indústrias em áreas centrais dependem de rotas que passam pelo centro da cidade, aumentando o fluxo de veículos na região, além do transporte coletivo ineficiente”, aborda.
Segundo dados do relatório de acidentalidade fatal, a maior parte dos acidentes ocorre em vias municipais, com 22 registros fatais, enquanto as rodovias federais e estaduais somam 9 e 5, respectivamente. “A insegurança na mobilidade por falta de mecanismos de controle inteligentes e a pressa habitual de uma cidade com uma dinâmica econômica muito forte, associada a um comportamento em que cada usuário se apropria do espaço onde transita como se fosse seu, gera inúmeros acidentes. Muitos nem registrados nos órgãos oficiais. E a ameaça de acidentes ocorre a todo momento. É só parar em algum ponto mais nevrálgico da cidade para verificar que a ‘sorte’ está muito presente na vida de todos”, explica Mônica.
Outro fator crítico apontado pela professora é a falta de campanhas educativas eficazes. “Praticamente inexistentes para uma demanda tão elevada e comportamento do motorista focado exclusivamente na sua necessidade”, salienta.
O relatório também aponta que a maioria dos acidentes fatais ocorrem à tarde e à noite, com 14 e 12 registros nas rodovias, respectivamente. O período da manhã contabilizou três e madrugada sete ocorrências. “Há falta de sinalização e limitação de velocidade; desrespeito ao sinal vermelho e ao verde nas faixas de pedestres; pavimentação deteriorada e com as caixas de inspeção com desnível, que pode levar a acidentes; calçadas deterioradas e sem nenhuma adequação há muito tempo; portões de garagens que abrem em cima dos pedestres; contínua autorização para garagens se localizarem em vias de altíssimo fluxo; “rotatórias” que não garantem um fluxo adequado e o acesso sul e norte com problemas na origem no projeto”, pondera Mônica.
O relatório também revela que houve nos últimos cinco anos, 12 vítimas de sexo feminino e 29 do masculino no município.
A especialista destaca que algumas áreas da cidade são especialmente críticas para os pedestres. “A entrada e saída para o Bairro Santa Rita é um dos pontos mais perigosos, assim como a travessia entre a Rua 13 de Maio e a Saldanha Marinho, onde o tempo do semáforo para pedestres é insuficiente. Muitas das vítimas fatais são pessoas idosas, que enfrentam ainda mais dificuldades para atravessar as vias com segurança”, evidencia.
Possíveis soluções
Para melhorar a mobilidade urbana e reduzir os acidentes, Mônica sugere uma série de medidas estruturais e educativas. “Precisamos de uma reestruturação completa da sinalização viária, ampliação de passagens seguras para pedestres e investimentos na modernização do transporte público, incluindo a possibilidade de implantação de um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Além disso: retirada de todas as lombadas físicas e implantação de controladores de velocidade em toda a cidade; um plano, por bairro, para adequações e melhorias nas calçadas para incentivar caminhadas e incentivar o acesso de pedestres em substituição ao veículo individual; reservar ruas e construir calçadas mais alargadas unicamente para trânsito de pedestres, à exemplo da Av. Cândido Costa e Mal. Deodoro (exclusão do estacionamento entre Mal. Deodoro e Barão do Rio Branco); avaliar implantação de túneis, como por exemplo na continuidade da Rua Assis Brasil e viadutos na ligação leste-oeste”, sugere.
Mônica aponta que soluções exigem investimentos expressivos, mudanças estruturais e conscientização da população. “É preciso definir, através das leis do Plano Diretor, do Plano de Posturas e do Plano de Mobilidade Urbana, as limitações que permitam garantir qualidade urbana e de mobilidade, pois chegará um momento em que a riqueza aqui gerada não conseguirá garantir atratividade para turismo, negócios e novos empreendimentos. A saturação urbana poderá gerar desvalorização urbana e desinteresse de turistas para visitação local”, alerta Mônica.

Ações que já existem
O Secretário de Segurança de Bento Gonçalves, Sandro Carlos Gonçalves da Silva, ressalta que a Prefeitura tem trabalhado para reduzir os índices de mortes e acidentes no trânsito. Segundo ele, algumas medidas em execução incluem o reforço na fiscalização, instalação de novas sinaleiras e revisão do Plano de Mobilidade Urbana, além de campanhas. “O Departamento de Trânsito através do setor de Educação, busca minimizar os sinistros, através das campanhas que promove e as diversas ações as quais participa como palestras em empresas, entidades, educandários, entre outros”, destaca Gonçalves.
Ele detalha as ações. “O DMT realiza as campanhas definidas pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), órgão máximo do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) e pelo Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV) com as ações do Maio Amarelo, e além destas, promove ações pontuais em datas relevantes como dia do ciclista, dia do pedestre, dia mundial em memória das vítimas de trânsito, além das atividades desenvolvidas em parceria com outras secretarias e entidades do município”, reforça.
O secretário conta o que está em planejamento. “Também está sendo desenvolvido um projeto a ser colocado em prática que contemplará alunos do 3º ano de Ensino Médio das escolas públicas e privadas do município, com o objetivo de reconhecer a importância da responsabilidade individual e coletiva que possuem, refletir comportamentos, contribuindo para redução de acidentes. Tendo em vista que a educação para o trânsito como prevenção e conscientização constam em diversas legislações entre elas o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e resoluções específicas do CONTRAN”, indica.
Atualmente o município é conveniado com o DETRAN/RS, sendo uma parceria de reciprocidade, onde fazem parte o DETRAN, o município, Brigada Militar e Polícia Civil. “Há também o convênio da Balada Segura, as operações têm o cunho educativo, preventivo e por último coercitivo no caso de infrações. Em operações pontuais e principalmente no caso de sinistros de trânsito, é oferecido o teste de alcoolemia”, salienta Gonçalves.
Outras saídas apontadas pela especialista Mônica Mattia:
- Duplicação do trajeto da BR 470 entre o Vale dos Vinhedos e Tuiuti com reestruturação dos dois trevos de acesso à cidade (investimento federal);
- Construção de trevo na BR 470 que se constitui em novo acesso para a zona sul: oposto ao acesso ao Vale dos Vinhedos em direção à Rua José Giordani/novo trevo próximo Moinho da Isabela (investimento da CSG);
- Construção de um viaduto na BR 470 no acesso ao Bairro Santa Rita (no curto prazo colocar sinaleira para evitar acidentes, como corre em Farroupilha);
- Implantação de terceira pista na RS 444 – Barracão até o trevo para Farroupilha na RS 453 (investimento estadual);
- Conexão da Rua Fernandes Vieira com a 10 de Novembro e da 13 de Maio (próximo Caixa Federal) com a 10 de Novembro;
- Retirada de estacionamento em toda a Av. Saldanha Marinho, Osvaldo Aranha, Guilherme Fasolo, Av. São Roque, Rua Professor Pedro Rosa, dentre outras;
- Melhorias na Mal. Deodoro, no trecho entre a Dr. Montauri e Barão do Rio Branco;
- Realocar a Estação Rodoviária para uma área periférica;
- Ampliar as conexões entre a região do Parque de Eventos com o Bairro Imigrante;
- Reavaliar a conexão da Rua Ramiro Barcelos e Rua Pernambuco para reduzir os congestionamentos diários;
- Reestruturar a conexão entre Rua Eugênio Valduga e a Humberto de Alencar Castelo Branco;
- Reavaliar o uso da Av. Presidente Costa e Silva (ociosa);
- Reestruturar a travessia entre a Rua São Paulo, Fiorelo Bertuol e Amadeu Zambon retirando os estacionamentos;
- Implantação de sinaleira de pedestre na travessia da Rua Júlio de Castilhos e da José Mário Mônaco (onde já ocorreu acidente fatal);
Implantação de escada rolante na escadaria da Mal. Floriano; da Praça Centenário; e outras em bairros.