O longa sobre a ditadura militar no país, concorria também em mais duas categorias

O filme, dirigido por Walter Salles, recebeu a primeira estatueta do país na badalada premiação, realizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, no Dolby Theatre, em Hollywood , considerada uma das mais importantes do mundo. O longa concorreu também às categorias de melhor filme e melhor atriz, pela atuação de Fernanda Torres.
“Ainda estou aqui” acumulou mais de 40 prêmios, incluindo melhor roteiro no festival de Veneza e o de melhor atriz para Fernanda Torres no Globo de Ouro.
Ao receber a estatueta, Walter Salles celebrou o cinema nacional.
“Em nome do cinema brasileiro, é uma honra tão grande receber isso de um grupo tão extraordinário. Isso vai para uma mulher que, depois de uma perda tão grande em um regime tão autoritário, decidiu não se dobrar e resistir. Esse prêmio vai para ela, seu nome é Eunice Paiva. E também vai para as mulheres extraordinárias que deram vida a ela. Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.”

A vitória reflete o reconhecimento do cinema brasileiro, e da américa latina, no cenário global, que reconheceu também as excelentes atuações de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.
Carlos Gerbase, sócio-diretor da Prana Filmes e roteirista gaúcho, explica que o Oscar é um prêmio da indústria cinematográfica dos Estados Unidos, com milhares de votantes, em sua maioria, americanos. Diferente dos grandes festivais, como Cannes, Veneza, Toronto, Sundance e Berlim, que premiam através de um júri, quase sempre internacional, e portanto subjetivo.”O Oscar representa uma chancela de Hollywood para o nosso cinema. É muito importante. E é para poucos, pois envolve muito dinheiro e muito poder”, afirma Gerbase.
O diretor e roteirista explica ainda que, “Ainda estou aqui” se distingue pelo seu roteiro. Em uma comparação com outros dois filmes que concorreram na mesma categoria, “A garota da agulha” e “A semente do figo sagrado”, “‘Ainda estou aqui’ é bem superior a estes dois, pois não recorre a alguns esquemas melodramáticos pesados demais e não é didático (no mau sentido do termo), como é ‘A semente do figo sagrado’, nem tenta emocionar o espectador com gatilhos bem manjados”, destaca Gerbase.
“Ainda estou aqui” aborda o desaparecimento do político Rubens Paiva durante a ditadura militar e retrata a história de uma família que é obrigada a reinventar-se em meio a um regime autoritário e violento. O enredo é baseado no livro escrito pelo filho do parlamentar, Marcelo Rubens Paiva. Viúva desde 1973, Eunice Paiva ingressou na faculdade de Direito, sua atuação foi fundamental na Constituinte de 1988 defendendo a autonomia dos povos indígenas.

Gerbase explica ainda que a Sony, conglomerado de mídia, fez uma aposta vitoriosa no roteiro brasileiro, “o que pode ‘abrir os olhos’ das empresas americanas concorrentes. Quem sabe teremos mais coproduções com os Estados Unidos. Hoje, o Brasil tem mais tradição de co-produzir com países da Europa, que têm orçamentos bem menores”, afirma o diretor, que explica ainda ser difícil prever os impactos na indústria nacional, pois esta depende muito dos rumos políticos que o país toma. “Apoiar o cinema deveria ser um dever do Estado (como na maioria das nações europeias e algumas asiáticas). Infelizmente, dependendo do governo, as regras e os incentivos são ignorados e até combatidos”, finaliza Gerbase.
Para além da consagração cultural, o filme tem grande relevância política, trazendo novamente à discussão a justiça histórica que precisa ser debatida no Brasil a respeito dos abusos cometidos durante a época da ditadura militar.

Já a recepção do filme no Brasil teve diferentes percepções. Para alguns internautas do Semanário “Ainda estou aqui” é uma forma do país relembrar suas dores, e não deixar para trás sua história. Para outros o filme passa um apelo político mais voltado à “esquerda do Brasil”. Durante a exibição do filme, integrantes da extrema direita realizam uma campanha nas redes sociais para boicotar o longa.
Em janeiro, a família Paiva conseguiu a retificação da certidão de óbito de Rubens Paiva, em que agora consta “Não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.