Mudanças sociais e culturais impactam o interesse dos jovens pela vida sacerdotal, exigindo novas abordagens da Igreja

Nos últimos anos, a Mitra Diocesana de Caxias do Sul tem enfrentado uma significativa redução no número de jovens interessados em ingressar no seminário. O fenômeno reflete uma realidade nacional e se intensifica no Rio Grande do Sul, onde fatores sociais e culturais contribuem para essa mudança de cenário. Em entrevista ao Semanário, o padre Luciano Dalmolin, coordenador diocesano da Pastoral Vocacional, analisa essa questão e explica como a Igreja tem buscado despertar novas vocações.

Mudança no perfil vocacional

Rito de Ordenação do padre Luciano Dalmolin, em Paraí – RS, no dia 26 de novembro de 2023 foto: Aires Battistel

Historicamente, as famílias tinham muitos filhos e viam no seminário uma oportunidade de educação e futuro para os jovens. Hoje, com famílias menores e novas dinâmicas sociais, a entrada no seminário ocorre de maneira diferente. “O acompanhamento vocacional inicia-se quando os adolescentes ainda vivem com suas famílias e estudam nas escolas de seus bairros, o que possibilita um discernimento mais maduro antes da decisão de ingressar na vida sacerdotal”, explica Dalmolin.

O impacto dessa mudança é visível nos números. O Seminário Diocesano Nossa Senhora Aparecida, que funcionou até 2018, chegou a receber turmas de até 100 seminaristas no início dos anos 2000. No entanto, em sua última turma, havia apenas três vocacionados. Atualmente, a Diocese não acolhe mais adolescentes em idade escolar para formação, mas investe em grupos vocacionais e outras estratégias para incentivar o chamado religioso.

A Diocese tem fortalecido a Pastoral dos Coroinhas como meio de aproximação com as crianças e adolescentes, além de retiros específicos para os crismandos e atividades como as colônias de férias vocacionais. “Também realizamos os retiros ‘Vocare’, para aqueles que estão no início do discernimento, além das escolas de oração e exercícios espirituais para jovens”, acrescenta.

Estrutura e etapas da formação sacerdotal

A Mitra mantém o Seminário Maior São José, em Caxias do Sul, e o Seminário Maior São João Batista, em Viamão. O processo de formação sacerdotal é dividido em quatro etapas principais:

Curso Propedêutico: uma fase introdutória para conhecer a realidade paroquial e a vida comunitária. Atualmente, dois jovens estão nessa etapa.

Discipulado (Filosofia): três anos de aprofundamento acadêmico e pastoral. Dois seminaristas cursam Filosofia na Universidade de Caxias do Sul.

Configuração (Teologia): quatro anos de estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, além de atividades missionárias. Atualmente, três seminaristas seguem nesse estágio.

Síntese Vocacional: último ano antes da ordenação, no qual o seminarista vive em uma paróquia. Eduardo Cantelli, é seminarista de Bento Gonçalves, será ordenado diácono em abril e padre no final de 2025.

Durante a fase de Configuração, os seminaristas são incentivados a realizar experiências missionárias em comunidades da Amazônia, Norte ou Nordeste do Brasil, geralmente durante o período de férias. “Essa experiência missionária é essencial para que o futuro padre compreenda melhor a realidade da Igreja em diferentes contextos”, afirma o padre.

Impactos e desafios da crise vocacional

A diminuição do número de sacerdotes impacta diretamente a organização pastoral. “Temos menos de 80 padres em atividade para atender 74 paróquias e mais de mil comunidades espalhadas por 32 cidades”, destaca. A maioria dos sacerdotes em atuação já ultrapassa os 35 anos de ordenação, tornando o desafio ainda maior para o futuro da Igreja na região.

Para suprir essa demanda, a Diocese conta com o apoio de congregações religiosas, como os Franciscanos, Capuchinhos e Josefinos de Murialdo, que assumem algumas paróquias.

Aproximação com os jovens

O Papa Francisco tem enfatizado a necessidade de atrair os jovens para a fé, e a Diocese de Caxias do Sul segue esse direcionamento. A Pastoral Vocacional realiza encontros, retiros e o programa “Vocare”, além de manter presença ativa nas redes sociais. “Trabalhamos para que a comunicação da Igreja seja mais acessível e conectada com a juventude, sem perder a essência do Evangelho”, afirma.

Além disso, a Diocese tem uma parceria com a Pastoral da Educação para fortalecer a presença da Igreja nas escolas de inspiração católica, criando oportunidades para diálogos vocacionais e momentos de espiritualidade.

Apoio aos seminaristas e perspectivas para o futuro

Seminaristas de 2024, na foto estão os jovens do Propedêutico, Filosofia e Teologia, além dos padres Luciano, Leonardo, Eleandro e o bispo Dom José Gislon foto: Felipe Padilha

A Mitra investe na formação sacerdotal, cobrindo os custos de moradia e estudo dos alunos com recursos arrecadados nas comunidades. “Os seminaristas não precisam pagar por sua formação, pois a Diocese se responsabiliza por isso por meio das doações recebidas”, explica o padre.

Para aqueles que deixam o seminário antes da ordenação, há suporte para reintegração profissional e acadêmica. “Muitos ex-seminaristas encontram oportunidades de trabalho em escolas católicas ou em projetos sociais vinculados à Diocese”, acrescenta.

Diante da crise vocacional, a Igreja busca criar uma cultura que valorize a vida sacerdotal, estimulando o protagonismo jovem nas comunidades e fortalecendo o testemunho dos padres. “O chamado vocacional é construído na convivência comunitária e no engajamento na fé. Precisamos oferecer mais espaços de acolhimento e oportunidades para que os jovens se sintam parte ativa da Igreja”, conclui padre Luciano.