Iniciativas evidenciam os benefícios de adaptar o ambiente de trabalho e integrar colaboradores com deficiência, mas ainda há desafios a serem superados no Brasil

A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um tema que, apesar de avanços significativos, ainda enfrenta muitos desafios. A Lei nº 8.213/1991, que estabelece cotas para a contratação de pessoas com deficiência no setor privado, é um marco importante, mas sua implementação está longe de ser completa. Mesmo com a obrigatoriedade, dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) mostram que pelo menos 50% das vagas reservadas não são preenchidas, o que aponta para um cenário de exclusão e barreiras ainda precisam serem superadas.

Muitas vezes, pessoas com deficiência ainda são consideradas “incapazes” para trabalhar, especialmente em serviços tidos como mais complicados, em razão de impedimentos permanentes de natureza física, sensorial, intelectual ou psicossocial.

No setor jurídico, por exemplo, 42,84% das vagas reservadas por lei não estão ocupadas. Em setores como saúde, e em outras áreas em que os ambientes de trabalho são considerados de risco (quando envolvem fábricas e outros locais que requerem a operação de maquinários ou o desenvolvimento de tarefas consideradas de maior complexidade), o nível de exclusão é alto.

Apoio às pessoas com deficiência

Segundo a legislação vigente, uma pessoa com deficiência que requer um apoio, por exemplo, uma mesa em altura específica ou um determinado software para leitura de documentos, tem direito a solicitar esta adaptação, mesmo que esteja fora do escopo de qualquer norma de acessibilidade padronizada, e isso deve ser ofertado pelo empregador.

Na Cooperativa Vinícola Aurora, uma iniciativa de inclusão vem se destacando, especialmente na adaptação do ambiente de trabalho para colaboradores com deficiência auditiva. Christiane Sleiffer, supervisora de Desenvolvimento Humano e Organizacional da cooperativa, destaca como a presença desses colaboradores tem impactado a cultura da empresa. “A inclusão de colaboradores com deficiência nos desafia a repensar nossas maneiras de comunicação. A equipe precisou aprender Libras e se adaptar a novas formas de interação, o que estimulou a empatia e o entendimento sobre as necessidades dessas pessoas”, destaca.

Christiane, explica que a presença desses colaboradores desafia a equipe a “repensar e adaptar nossas formas de comunicação, levando a equipe a aprender e utilizar novas estratégias, como a Língua Brasileira de Sinais (Libras), promovendo um ambiente mais inclusivo e acessível”, diz. Ela enfatiza que essa adaptação é essencial não apenas para a comunicação eficaz, mas também para estimular a empatia e o entendimento sobre as necessidades e desafios enfrentados por pessoas com deficiência auditiva.
Um dos principais desafios enfrentados pela Cooperativa Vinícola Aurora foi a adaptação dos colaboradores à comunicação com colegas surdos. A cooperativa realizou turmas de treinamento específicas em Libras para áreas estratégicas, como Desenvolvimento Humano e Organizacional, Saúde e Segurança, e gestores de áreas. Segundo ela. “Foi necessário um esforço contínuo para garantir que a língua brasileira de sinais fosse mantida e praticada regularmente”, ressalta.

Para garantir que todos os colaboradores se sintam integrados, a cooperativa implementou diversas ferramentas e estratégias. Eventos, palestras e reuniões são realizados com o suporte de intérpretes de Libras, e vídeos são legendados para garantir que as informações sejam acessíveis a todos. Christiane destaca uma experiência prática durante uma palestra intitulada “Cooperar para Incluir”, onde a palestrante utilizou Libras em alguns momentos para que os colaboradores pudessem vivenciar a importância da empatia e da inclusão.

Essa transformação não apenas reforça os princípios do cooperativismo e da responsabilidade social da Aurora, mas também cria uma cultura organizacional mais respeitosa e colaborativa. “Os colaboradores passam a valorizar um pouco mais a importância da diversidade e a se engajar mais ativamente em práticas inclusivas”, mostra.

O setor de Recursos Humanos (RH) desempenha um papel fundamental no processo de inclusão e no acompanhamento dos colaboradores com deficiência. Christiane explica que o setor colabora estreitamente com a gestão das áreas, promovendo treinamentos sobre inclusão e diversidades. “Isso permite que a cooperativa ajuste suas práticas conforme necessário e garanta que todas as preocupações sejam abordadas de maneira adequada”, diz.

Para que a inclusão no mercado de trabalho seja bem-sucedida, Christiane sugere que as empresas invistam em treinamentos para a equipe, promovam a conscientização sobre diversidade e implementem acessibilidade arquitetônica e comunicacional. “Ações como essas ajudam a construir uma cultura de respeito e valorização, essencial para o sucesso da inclusão,” conclui.

A história de Ronald De Oliveira Moreira

A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um tema de extrema importância, especialmente no que diz respeito à integração de deficientes auditivos em ambientes laborais. Apesar dos avanços, ainda há muitos desafios a serem superados para garantir que essas pessoas possam desempenhar suas funções de forma plena e satisfatória. A história de Ronald De Oliveira Moreira, funcionário da Cooperativa Vinícola Aurora, é um exemplo claro dos obstáculos enfrentados e das superações alcançadas no dia a dia.

Moreira, de 24 anos, nasceu surdo devido a uma complicação durante a gestação de sua mãe, que contraiu rubéola. A falta de tecnologia e de meios de comunicação adequados à época tornaram sua adaptação inicial ainda mais difícil. “Foi complicado, pois há 24 anos não tinha a tecnologia que existe hoje, nem meios de informação. No começo, foi muito difícil de me comunicar com a família e as pessoas”, relata. Foi somente aos cinco anos de idade, ao ingressar na escola Bento, que ele começou a aprender Libras (Língua Brasileira de Sinais), o que trouxe mais sentido para sua vida.

A trajetória de Moreira até sua posição atual como operador de engarrafamento na Cooperativa Vinícola Aurora é marcada por persistência e determinação. Mesmo enfrentando dificuldades iniciais no processo de seleção devido à falta de intérpretes de Libras, ele não desistiu. “Tinha um amigo que já trabalhava na vinícola e gostava bastante. Ele começou a despertar o interesse em mim, aí decidi levar um currículo para vaga de PCD, mas, inicialmente, não fui chamado. Mas não desisti. A cada pouco levava o currículo, até que um dia minha avó me acompanhou e me ajudou a falar com o RH. Conseguimos uma entrevista, visitei a vinícola, onde acabei conhecendo mais a empresa, e me apaixonei. Me interessei e queria muito trabalhar nela. Fiquei muito feliz por ter conseguido o trabalho, pois queria muito isso há um tempo já. Hoje, a Aurora é minha casa, vou completar seis anos de empresa em dezembro”, compartilha.

A caminho de um mercado de trabalho mais inclusivo

Depois de contratado, Moreira encontrou na Aurora um ambiente de trabalho que, apesar dos desafios iniciais, se mostrou disposto a se adaptar para incluí-lo. “No começo, ninguém sabia Libras e a comunicação foi bem difícil. Depois, começamos a nos adaptar. Escrevia em papel ou fazia gestos para tentarmos nos entender. Depois, fui tendo mais convívio com as pessoas do trabalho, e alguns pediam os sinais para aprender e íamos trocando informações”, explica. A empresa passou a oferecer treinamentos e cursos, inclusive com intérprete de Libras, para facilitar a integração e garantir que Moreira pudesse desempenhar suas funções de maneira eficaz.

No entanto, a inclusão de pessoas com deficiência auditiva no mercado de trabalho ainda enfrenta muitas barreiras, não só no mercado de trabalho como também no setor da educação. Moreira menciona a dificuldade em encontrar cursos na área de mecânica de manutenção, um de seus sonhos, que tenham intérpretes de Libras. Além disso, ele destaca a necessidade de mais empresas investirem em treinamentos de Libras para seus funcionários e de oferecerem suporte adequado durante processos seletivos e no dia a dia de trabalho. “Tenho vontade de um dia conseguir fazer um curso na área de mecânica de manutenção, pois me interesso muito, mas é difícil conseguir curso com intérprete de Libras. Qualquer processo de seleção de emprego para nós, surdos, é complicado, pois, muitas vezes, não temos intérpretes ou pessoas que saibam Libras, aí ficamos dependendo de alguém da família para mediar a conversa e a entrevista. Mas depois que consegui a contratação, o líder do meu setor sempre foi muito atencioso e preocupado em estar entendendo, gostando do trabalho e sempre me perguntava se tinha alguma dúvida”, destaca.

Moreira também compartilha um conselho valioso para outras pessoas com deficiência auditiva que estão em busca de oportunidades no mercado de trabalho: “Não desista. Acredito em um mundo melhor e acho que as portas sempre se abrem em algum momento. Se eu tivesse desistido no meu primeiro não, hoje não estaria feliz no meu trabalho”, diz.

Moreira diz que convive com o preconceito diariamente pois o mundo que o rodeia é de quem fala. “Posso dizer que vivo com o preconceito diariamente, pois o mundo é de ouvintes e eu acabo sendo a minoria. No meu dia a dia vejo as bocas das pessoas se movimentarem e expressarem até mesmo risos ou tristeza, sem que eu entenda ou saiba o que acontece. Quando vou passear ou sair é sempre difícil ir em algum restaurante ou cafeteria, pois o desafio já começa em fazer o pedido, pois muitos não entendem. Torço por um mundo mais inclusivo e que mais pessoas saibam Libras para conseguir atender seus clientes. Eu gostaria de chegar em um estabelecimento ou clínica médica e poder ser atendido com Libras, que é a minha língua”, indaga.

A inclusão de pessoas com deficiência auditiva no ambiente de trabalho não deve ser vista apenas como uma obrigação legal, mas como uma oportunidade para enriquecer o ambiente empresarial com diversidade e promover um ambiente mais justo e acessível para todos. Ronald acredita que “a inclusão no ambiente de trabalho é simples, basta as pessoas aprenderem a se comunicar no meu idioma, conversar assuntos do dia a dia e tornar acessível as informações, treinamentos, palestras e convites do trabalho com Libras”, conclui.