Após um ano de pandemia, o Brasil vive o pior momento da doença. Trabalhadores da linha de frente se veem exaustos e clamam por conscientização

Deixar o conforto do lar e colocar em risco a própria saúde e da família pelo bem da população está sendo a missão de muitas pessoas, principalmente daqueles que atuam na saúde. Um ano depois do início oficial da pandemia, eles estão sendo convocados ao sobre-humano, numa rotina de empenho e dedicação. Em vez de esperança, são confrontados com o agravamento da tragédia e o colapso iminente na saúde.

A fala da fisioterapeuta da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Tacchini, Renata Monteiro Weigert, que atua incansavelmente na recuperação de pacientes, por meio da pronação – que consiste em deixar o paciente de barriga para baixo – expressa esse sentimento. “Nesse ano, precisamos aprender a tratar de um paciente com Covid-19, que é muito mais complexo do que cuidar de um paciente com qualquer outro tipo de doença”, destaca. No entanto, ela complementa: “Tenho certeza de que, por mais que as UTIs estejam lotadas, os profissionais da linha de frente continuarão batalhando para salvar vidas”.

O Rio Grande do Sul tem 105,4% de taxa de ocupação de leitos de UTI, até o fechamento desta edição, o que levou o Supremo Tribunal Federal a determinar que o governo federal volte a custear leitos no estado. Em Bento Gonçalves, o Hospital Tacchini chamou os profissionais que estavam de férias para auxiliarem com força total. “O momento que nos fez declarar estado crítico foi por conta dos pacientes graves, o que tem nos tirado a atenção e a energia para montarmos toda estrutura tanto do São Roque (da rede em Carlos Barbosa) quanto do Tacchini, e poder salvar o maior número de vítimas”, destaca o superintendente da casa de saúde, Hilton Mancio.

Equipe multiprofissional se dedica diariamente a salvar vidas de pacientes internados em leitos de UTI.

Em meio ao local que costumava ser a sala de recuperação do bloco cirúrgico e que, agora, se transformou na única UTI não-Covid, a médica Pauline Elias Josende desabafa, em vídeo divulgado pelo Tacchini, sobre o momento preocupante da pandemia. “Outras UTIs do hospital, que viraram unidades Covid estão lotadas. A gente vê pessoas falando que sempre tivemos pacientes graves, mas antes da pandemia tínhamos 1/3 do número de leitos que temos agora. Depois, o indíce foi dobrado e, nos últimos dias, foi triplicado e, ainda assim, não conseguimos atender toda demanda”, relata.

Testemunhar a evolução da pandemia, com a sobrecarga de trabalho, o medo da contaminação e o distanciamento da família têm consequências nefastas à saúde mental de médicos e enfermeiros. “Vivemos em um ano muito cansativo. Achávamos que as coisas estariam melhores. A gente se vê no momento mais grave da pandemia, com uma mudança muito grande no perfil do paciente. Intubei um de 30 ou 40 anos, sem doença conhecida, com os pulmões muito acometidos”, sublinha Pauline.

“Toda ação é uma medida de salvação”

Autoridades da saúde e profissionais clamam para que cada um faça a sua parte. “Não é apenas o ‘fique em casa’, mas ‘tome cuidado’. Não se acidente, tenha precaução, pois você pode precisar de um leito. O hospital parou para atender a todos esses casos. O que nos gera preocupação é que esse giro deve levar no mínimo 20 dias, isso se não entrar novos pacientes. Agora, toda ação é uma medida de salvação, frente a uma possibilidade de termos esgotamento de recurso e de ventiladores”, reitera Mancio.

Rede de apoio

Para ajudar os profissionais da linha de frente que estão lidando com as angústias e exaustão emocional, a prefeitura disponibiliza uma plataforma de apoio à saúde mental via contato telefônico de busca ativa, videochamadas e plantões presenciais, quando estes buscam espontaneamente o serviço. Quem coordena o programa é o psicólogo Maurice Bouwary.

Dado ao atual momento, o trabalho será retomado a partir da próxima semana. “Uma nova proposta também começará, que é a do oferecimento de atendimento aos familiares mais próximo dos internados na UPA por Covid, dado que esses pacientes já têm um suporte psicológico pela nossa equipe de Saúde Mental”, expõe Bouwary.

Médica Pauline Elias Josende relata a situação atual no Tacchini. Créditos: Alexandre Brusa

Foto: Alexandre Brusa/ Divulgação