Em um certo final de ano, em que me dei conta que estava na metade de dezembro e não tinha o mínimo clima natalino, comecei a pensar nos anos anteriores, nas festas, nas viagens e nos encontros de família. E então, lembrei de como gosto de observar.

Gosto de observar a chuva começando e pensar se tem alguém na rua desprevenido, de olhar para o vai e vem de pessoas e imaginar onde elas estão indo: às compras ou assinar o divórcio? Por que tanta pressa?

Passo por um posto de gasolina no meio da estrada e penso: onde os frentistas moram? Não tem casas por perto, devem morar um pouco longe. Quantas pessoas de tantos lugares diferentes eles conhecem todos os dias?

Parada no posto vejo o movimento. Para onde estão indo essas pessoas? Estão passeando ou trabalhando? Vão ficar 2 ou 20 dias? São de outro estado? Talvez outro país? Quais são seus costumes, alegrias, têm família? Se dão bem?

Posso dizer o mesmo das filas. De banco, de mercado, de balada. “Que cheirosa essa pessoa. Essa parece ter muita pressa. Essa está a trabalho ou de folga? Será que está feliz? Tem um grande amor? Tem filhos? “Acho que estes momentos de espera, por exemplo, me fazem viajar (ava) numa infinita filosofia da existência, por vidas paralelas. Quem sabe o que essas pessoas estão pensando? Será que o mesmo que eu? Não consigo definir suas expressões, mas podem estar pensando no almoço, no filho que tem que pegar na escola, na prestação do apartamento, no namorado. E eu me pergunto: alguém nessa fila vende Avon? Lingerie? É médico?

Dentro do ônibus urbano algumas pessoas tiram um tempo para si, ficam olhando para fora como se buscassem alguma coisa. Outras tagarelam com desconhecidos, expondo para a lotação as histórias trágicas da família e da vizinhança.

Mas de um tempo para cá percebi que essas minhas observações eram de certa forma uma fuga da minha vida. É mais interessante olhar para os lados e fingir que é problema nosso, porque fingir não me dá o problema de verdade. Quando observava, só pensava fora de mim, “me deixando de lado”. Veja bem, não me leve a mal, não era nenhum tipo de maníaca, era só um jeito de imaginar como era a vida diferente da minha, quantos segredos, dores, vontades e amores se escondiam em algumas peças de roupas e um olhar tímido.

Ultimamente, mesmo que ainda fique pensando nisso, penso mais nos meus boletos quando estou em uma fila e me sinto igualmente observada. Era falta de contas a pagar ou realmente entrei na fase adulta? Mas pensando no que eu aprendi com isso, acho válido ressaltar que:
– observar é muito bom, desde que você não deixe de cuidar de si;
– você pode usar isso para estudar sobre o comportamento do consumidor, da sociedade, de um grupo de pessoas;
– você pode ter conhecido a Beyoncé, pode ser dono de duas empresas ou colaborador, pode ter vários problemas graves ou nenhum. Somos apenas um ponto no meio da multidão, e isso deveria nos fazer mais humildes!