A acessibilidade no turismo tem se tornado um tema cada vez mais relevante, refletindo a necessidade de garantir que todas as pessoas, independentemente de suas limitações físicas, sensoriais ou cognitivas, possam usufruir das atrações e experiências disponíveis. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 8,4% da população declara possuir algum tipo de deficiência. No Rio Grande do Sul, essa preocupação ganha espaço, especialmente na Serra Gaúcha, onde o enoturismo é uma das principais atividades econômicas. Bento Gonçalves, maior polo vinícola do país, tem avançado na implementação de melhorias para garantir um turismo mais acessível.

Dados no Brasil e no RS

No cenário nacional, a acessibilidade no turismo ainda enfrenta desafios estruturais. De acordo com um levantamento do Ministério do Turismo, apenas uma pequena parcela dos estabelecimentos turísticos do Brasil atende integralmente às normas de acessibilidade previstas na legislação, como rampas de acesso, banheiros adaptados, cardápios em Braile e audioguias. No Rio Grande do Sul, a situação não é diferente. A Secretaria de Turismo do Estado tem promovido iniciativas para fomentar um turismo mais inclusivo, mas as adaptações ainda são pontuais e dependem da iniciativa dos próprios empreendedores.

A Serra Gaúcha, por ser um destino turístico consolidado, tem um potencial significativo para liderar essa transformação. Alguns municípios da região já demonstram avanços, mas há um longo caminho a percorrer. Em Bento Gonçalves, vinícolas de grande porte estão adotando medidas para melhorar a experiência de turistas com deficiência, proporcionando uma vivência mais acessível e acolhedora.

Projetos pioneiros no enoturismo acessível

Um dos projetos mais significativos na área foi desenvolvido pela Vinícola Salton em parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS). Entre outubro de 2022 e outubro de 2023, foi elaborado o Guia de Acessibilidade no Enoturismo e o Glossário em Libras do Enoturismo, documentos que mapeiam barreiras existentes e propõem soluções para tornar o setor mais inclusivo.

Nicole Salton, coordenadora de Trade Marketing e Customer Experience da vinícola, destaca: “Buscamos implementar o máximo de adaptações, e todas as frentes desenvolvidas junto com o IFRS enriqueceram nossas experiências, garantindo que possamos receber nossos clientes da melhor forma possível”. A Casa di Pasto Família Salton, inaugurada em 2023, já conta com piso tátil, sinalização em Braile, elevador e cardápios acessíveis em Braile e Libras. Além disso, o local possui estacionamento exclusivo para pessoas com deficiência, com acesso sinalizado.

A acessibilidade se tornou prioridade para a Vinícola Salton

Outro avanço importante é o primeiro glossário em Libras voltado para o mundo do vinho. “A enologia é um campo repleto de termos técnicos que até então não tinham sinais em Libras, o que dificultava a experiência de pessoas surdas no enoturismo”, explica Nicole. O glossário foi desenvolvido com a participação da comunidade surda, garantindo a criação de sinais específicos para conceitos como ‘espumante’, ‘vinhedo’ e ‘cave’. A Salton também oferece um site acessível e responsivo, permitindo que turistas com deficiência planejem suas visitas com antecedência.

A Vinícola Aurora, uma das mais tradicionais da região, também tem avançado na acessibilidade. Ana Maria de Paris Possamai, gerente de enoturismo da cooperativa, explica que a unidade Aurora Città, em Bento Gonçalves, possui rampas, elevadores e até cadeiras de rodas à disposição dos visitantes. “Nossa equipe de turismo passou por treinamentos com especialistas para aprender a melhor forma de atender pessoas com deficiência, garantindo uma experiência respeitosa e acolhedora”, afirma. Recentemente, a equipe recebeu capacitação sobre acessibilidade atitudinal, incluindo orientações sobre a distância adequada ao falar com um cadeirante e como guiar uma pessoa com deficiência visual.

Desafios para a inclusão no turismo vitivinícola

Apesar dos avanços, a acessibilidade no enoturismo ainda enfrenta desafios significativos. Um dos principais entraves é a adaptação de estruturas antigas. “Nosso roteiro enoturístico foi implementado em 1967, e a estrutura original não foi planejada para receber turistas com deficiência. As reformas exigem investimentos altos e nem sempre são fáceis de implementar”, explica Ana Maria.

Ainda neste ano, a vinícola Aurora pretende expandir seus espaços acessíveis

Além disso, a falta de padronização nos projetos de acessibilidade dificulta a implementação de melhorias consistentes. Atualmente, não há diretrizes específicas para o setor vitivinícola dentro das normas nacionais de acessibilidade, o que faz com que cada empresa desenvolva suas próprias soluções.
Outro ponto crucial é a acessibilidade atitudinal. “A acessibilidade não se restringe apenas a questões estruturais. É essencial capacitar equipes para garantir um atendimento inclusivo e humanizado”, enfatiza Nicole. Tanto a Salton quanto a Aurora têm investido em treinamentos contínuos para suas equipes, incluindo orientações sobre como atender pessoas com deficiência auditiva, visual e motora.

Perspectivas para o futuro

Apesar dos desafios, a tendência é que cada vez mais vinícolas invistam em acessibilidade, tanto por uma questão de inclusão quanto pela ampliação do público-alvo. “A acessibilidade não beneficia apenas pessoas com deficiência, mas também idosos, famílias com carrinhos de bebê e qualquer pessoa que precise de um atendimento mais adaptado”, destaca Ana Maria.

Na Vinícola Salton, o feedback dos visitantes tem sido essencial para aprimorar as experiências acessíveis. “Convidamos grupos para testar nossas degustações e passeios, coletando sugestões para melhorar ainda mais nossos serviços”, conta Nicole. A Aurora também incentiva sugestões por meio de seus canais de atendimento e planeja renovar seus roteiros para torná-los 100% acessíveis ainda neste ano.

A acessibilidade no enoturismo ainda apresenta desafios, mas as iniciativas implementadas em Bento Gonçalves e na Serra Gaúcha indicam avanços na inclusão de turistas com deficiência. Projetos como os desenvolvidos pela Salton e Aurora demonstram esforços para adaptar as infraestruturas e capacitar equipes, contribuindo para um turismo mais acessível. A ampliação dessas práticas pode favorecer um aumento na participação de pessoas com deficiência no enoturismo e incentivar outras vinícolas a adotar medidas semelhantes, promovendo maior inclusão e acessibilidade no setor.