De todas as experiências humanas, a morte constitui a mais importante em suas implicações. Este evento expõe o ser humano e o desnuda por inteiro. Talvez seja esta uma das inúmeras motivações pelas quais a palavra morte seja tão temida e impronunciável pela sociedade, como se a negação do pensamento sobre a finitude fizesse com que a morte fosse evitada ou prolongada. Diante daquilo que remete ao fim, o homem é convocado a refletir sobre a vida e o sentido atribuído a ela, sobre seus afetos, crenças, valores e visões de mundo que foram construídos ao longo do desenvolvimento. Embora o manejo com a morte não seja tarefa fácil, é praticamente impossível conhecer o homem sem estudar-lhe frente à morte ou sem saber de seus lutos e suas perdas. Mais do que na vida, é na morte que o homem revela a si mesmo. Além disso, a partir de suas condutas e crenças acerca deste fenômeno, o homem expressa o que a vida tem de mais essencial.

Diante da morte daqueles a quem se ama, cada um é arremessado para uma espécie de outra dimensão. A morte é assim mesmo, retira o ser humano daquilo a que estava acostumado a viver, das ‘seguranças’ e ‘certezas’, para jogar-lhe num espaço novo, totalmente desconhecido. Nesta intensa experiência, cada pessoa enlutada mergulha no seu próprio mundo e no mundo construído também pelo “nós” – o “eu” daquele que partiu e o “eu” de quem permaneceu. Logo, incita a uma vivência profunda que promove o contato com diferentes emoções e sentimentos, vasculhando as mais antigas histórias nos baús da vida, arrancando também o que há de mais genuíno, que é a condição humana proposta pelo viés do amor. A morte, assim, carrega consigo a outra faceta do amor, que é o despertar da compaixão por aqueles que estão próximos. É diante da possibilidade de perda real, que o amor se mostra na sua mais verdadeira essência e na maior das proporções, pois a morte, por meio deste amor, é quem arromba as últimas comportas da existência no que tange às barreiras intelectual, psíquica e espiritual.
Embora pensar na morte não seja algo bem-vindo, em virtude de romper de formas definitiva com as defesas emocionais, cognitivas ou religiosas e, sobretudo nos tempos atuais, que busca trabalhar com a potência humana em amplo sentido, permitir-se refletir sobre a finitude, bem como sobre o processo de luto auxilia no reconhecimento desta realidade, que se faz tão presente e que constitui uma importante vivência, assim como qualquer outra. A morte, então, convida o ser humano a pensar, contrariamente a adiar a tomada de consciência. É preciso “ser” muito mais que “ter”. Apenas assim se pode encontrar o verdadeiro sentido para as experiências mais intensas e profundas da morte, a fim de fazer despertar o amor e respeitar a vida em sua sacralidade.

Por Franciele Sassi
Psicóloga Especialista em Teoria, Pesquisa e Intervenção em Luto e Perdas